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Conheça Renata Alves: uma liderança que cuida de Paraisópolis

Por: Glória Maria

“Mesmo sendo analfabeta, minha mãe não deixava que a gente aceitasse o que corrompia ou violava nossos direitos”, relembra a líder comunitária Renata Alves, 44, que faz parte da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.

Nascida e criada em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, ela aponta que a matriarca foi fundamental no caminho de liderança que trilhou. Filha de Eva Cardoso e de Sinval Ferreira, ambos mineiros, Renata é a caçula de cinco irmãos.

A mãe veio de Minas Gerais para São Paulo com a “roupa do corpo, fugindo de um relacionamento, com quatro filhos, sem conhecer nada nem ninguém. ”A mãe trabalhava como empregada doméstica e o pai na construção civil. “Tive uma infância boa, sem passar necessidade, fome ou frio.”

Renata, liderança da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis @Léu Britto/Agência Mural

O exemplo materno moldou uma visão de mundo, e com as histórias da mãe foi entendendo o papel de se posicionar na sociedade. “Ouvia as histórias dela e isso me engajou a enxergar as coisas erradas. O fardo feminino sempre foi maior, e a partir disso que comecei a me engajar.”

Durante a pandemia de Covid-19 que Renata passou a circular ainda mais pelos becos e vielas de Paraisópolis, na zona sul da cidade.

Ela coordenou o atendimento emergencial indo até as casas de moradores com suspeita de contágio para encaminhá-los ao sistema público de saúde.

Mais do que uma atuação emergencial, a pandemia foi para Renata uma forma de lidar com dores pessoais. Entre 2017 e 2018, ela perdeu o irmão, vítima de insuficiência renal crônica e poucos meses depois, a mãe, que entrou em depressão após o luto e faleceu.

Durante a doença do irmão, Renata esteve à frente dos cuidados e aprendeu, na prática, sobre direitos e deveres no SUS (Sistema Único de Saúde).

Renata acompanhou marcos importantes da comunidade, como a chegada da primeira UBS (Unidade Básica de Saúde) e do asfalto nas ruas.

Começou a trabalhar cedo, aos 13 anos, como acompanhante em transporte escolar, levando crianças de classe média alta para uma escola particular na região do Brooklin. Ao mesmo tempo, também estudava fora da comunidade. Nessa vivência que ela percebeu as desigualdades.

Para Renata, a força que tem como liderança na região vem inspirada pela mãe @Léu Britto/Agência Mural

Não fugindo das estatísticas, como ela mesma afirma, aos 17 anos Renata engravidou. O pai, seguindo uma visão tradicional, defendia que ela deveria casar e ir morar com o pai da criança. Mas a mãe interveio e não permitiu.

‘A maternidade precoce foi alvo de julgamentos, mas a vida não acaba. Você estaciona alguns sonhos

Renata, líder comunitária

Em 2005, Renata passou a integrar a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, onde participou do projeto Escola do Povo, alfabetizando jovens e adultos durante quatro anos.

Foi também ali que ajudou a fundar a Associação de Mulheres de Paraisópolis. “Eu fazia o trabalho de ir nas casas convencer os maridos a deixarem suas esposas estudarem e também de mostrar para elas a importância de retomar os estudos”, relembra.

Renata viu as ruas de Paraisópolis serem asfaltadas e a chegada dos primeiros serviços @Léu Britto/Agência Mural

Em 2006, a trajetória dela tomou outro rumo: Renata passou dois anos e quatro meses no sistema prisional de Santana, zona norte de São Paulo, após uma condenação de sete anos em processo que envolvia um ex-companheiro.

Lá, teve acesso ao consultório dentário ao lado da enfermaria, onde trabalhou com agendamento de consultas e convivia com presas de todo o pavilhão. “O sistema prisional não é feito para ressocializar, ele tira a humanidade das pessoas. Tudo é dificultado’, afirma.

“As necessidades das mulheres não são respeitadas. Pedi um livro para minha irmã, mas nunca chegou. Uma guarda me perguntou por que queria ler, e percebi o quão desesperador era o lugar.”

No tempo, ela diz ter contado com apoio da mãe, que foi essencial para suportar aquele período.

Pouco tempo depois, retomou atividades na União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis. Ela teve a primeira experiência como produtora de locação, quando a chamaram para acompanhar equipes de audiovisual que gravavam na comunidade. Nesse momento, enxergou um mercado pouco explorado e decidiu empreender.

Assim nasceu, em 2012, a Quebrada Produções, produtora que já trabalhou para grandes marcas. A cada projeto, Renata fazia questão de priorizar a contratação de moradores. Seu trabalho como produtora de locação fortaleceu o vínculo de confiança na comunidade, o que fortaleceu sua atuação enquanto liderança.

A líder comunitára no beco com artes em homenagem aos 9 jovens do massacre de Paraisópolis @Léu Britto/Agência Mural

Já na área da saúde, Renata se aproximou por cuidar do irmão e ajudar a mãe com dificuldades no posto. Ela integrou o conselho da UBS 1 e, desde então, orienta moradores sobre seus direitos e apoia outras unidades da comunidade.

Com o fim da pandemia, Renata co-fundou o Legado, junto a outras pessoas, com o intuito de ampliar o acesso à educação na comunidade. O projeto é um hub de desenvolvimento social e empreendedorismo.

“Nosso intuito é tirar o assistencialismo e direcionar uma consolidação por meio do acesso à educação, da formação.”

Na União de Moradores, Renata diz ter prazo para ficar, “O trabalho da entrega da marmita, da coberta é importante, mas agora o trabalho não é só fazer a entrega pela entrega. É preciso ir além e reeducar as pessoas”.

Hoje umbandista, Renata reconhece que sua força vem da mãe, seu maior exemplo, e de seus guias espirituais. Filha de Iansã, vê no terreiro um refúgio para buscar proteção e seguir um propósito coletivo em Paraisópolis.

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