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Construção de elevatória de esgoto na beira da lagoa do Abaeté revolta moradores e ambientalistas

Manifestações ocorreram durante pandemia

Por: Gabrielle Guido

Protesto do coletivo Abaeté Viva contra obra de estação elevatória na beira da lagoa @Divulgação

A construção de uma elevatória de esgoto na beira da lagoa do Abaeté, em Itapuã, desde 2019, tem causado polêmicas e protestos. Localizada no Parque Metropolitano do Abaeté, um dos pontos turísticos de Salvador, a lagoa escura rodeada de dunas brancas faz parte da intimidade do bairro como ponto de encontro e de manifestações culturais. A obra preocupa a comunidade local que não se sentiu ouvida pelo governo do estado.

Miguel Accioly, 54, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, representa a universidade no conselho da Área de Preservação Ambiental do Abaeté e afirma que foram surpreendidos com a construção. “Chegamos na reunião do conselho e o ponto de pauta era a obra da elevatória que já estava em andamento, nós não fomos consultados”.

Especialistas, engenheiros ambientais, arquitetos e biólogos se reuniram e apresentaram à Sedur (Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado), responsável pela obra, formas alternativas de solucionar o problema. A região é considerada uma APA (Área de Preservação Ambiental) desde 1987, tem cerca de 1.800 hectares e conta com a Casa da Música, Mirante e Casa das Lavadeiras.

Elevatória de esgoto no Abaeté @Gabrielle Guido/Agência Mural

Para o conselho, existem opções mais baratas, menos impactantes visual e ambientalmente e com melhor manutenção para a área, como a coleta por gravidade. “Foi apresentado um projeto assinado com a Anotação de Responsabilidade Técnica [ART] da obra de engenharia para ligar por gravidade, com tabela de preço calculada de acordo com a tabela oficial da Embasa”, diz Accioly.

De acordo o conselheiro, o projeto foi entregue e o Conselho Estadual do Meio Ambiente recomendou a imediata suspensão da obra, para que a Sedur dialogasse com os conselheiros e com a sociedade civil para avaliar se essa era a melhor solução, o que não aconteceu.

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A obra, conduzida pelo governo estadual, custou mais de R$ 456 mil e parte da comunidade também se manifestou contra a construção. Fabíola Campos, 45, fotógrafa, carioca, mora em Itapuã há 6 anos e com seu marido realizava uma série de trabalhos voluntários na Casa da Música. Eles estranharam a movimentação diferente na região.

“A gente começou a perguntar porque estavam demarcando tantas coisas ali naquela área, justamente onde a gente utilizava para fazer as atividades. De tanto cutucar, perguntar, a gente descobriu que era a obra da estação elevatória de esgoto”.

Moradores locais pescando na Lagoa do Abaeté @Gabrielle Guido/Agência Mural

Líderes comunitários, ambientalistas e outros integrantes da sociedade civil se organizaram para ampliar o debate através das redes sociais e criaram o coletivo Abaeté Viva em julho de 2020, em meio a pandemia.

Com o objetivo de trazer a público os acontecimentos e participar efetivamente das decisões do bairro, o grupo participou de audiências públicas e reuniões com a Sedur. “Nós fizemos uma série de perguntas: não poderia ser feita de outra forma? Tinha que ser ali mesmo? A gente entende que é preciso ter saneamento, claro, ninguém é contra saneamento, mas também precisamos preservar a região˜, afirma Fabíola.

Mesmo durante a pandemia foram realizadas oito manifestações nas ruas e um abaixo-assinado que reuniu 15 mil assinaturas contra o obra.

O Parque Metropolitano do Abaeté é um dos últimos sistemas de dunas, lagoas e restingas ainda conservadas em Salvador. E além dos impactos citados, o conselheiro Accioly destaca que a lagoa está sendo contaminada, mas que não foram tomadas providências.

“O conselho queria explicações [sobre as obras da elevatória], não teve essas explicações, nunca deliberou se concorda ou discorda de investir esse dinheiro numa área especialmente protegida. Provavelmente se houvesse essa consulta, o conselho diria: olha, em termos de esgoto é mais urgente tirar o que está a céu aberto e escoando para a lagoa”, pondera Accioly.

A obra, que chegou a ser interrompida momentaneamente por conta dos protestos, já está em estágio avançado e arquitetonicamente entra em contraste com as elevatórias construídas em outros bairros, como na Pituba, que se mistura com a Praça Nossa Senhora da Luz, e do Costa Azul, que é um mirante e passa completamente despercebida.

No Abaeté, a elevatória foi construída aproximadamente a 10 metros da lagoa e ao lado da Casa da Música, importante ponto de cultura que recebe shows e exposições e realiza ações educativas para toda a comunidade.

Consultada, a Sedur não respondeu nossas perguntas até o prazo de fechamento desta matéria. Em texto publicado em seu site oficial afirma que “a construção foi autorizada pelo órgão licenciador, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), que é o responsável pela gestão do Parque Metropolitano Lagoas e Dunas do Abaeté e reconhece a eficácia dessa nova forma de operação em substituição ao sistema atual, que é obsoleto e pode trazer riscos para o parque nos próximos anos.” A secretaria diz ainda que parte dos moradores do bairro aprovam a obra porque ela irá resolver os vazamentos de esgoto que são constantes.

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