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Creche do Jardim Ângela tem horta e educação ambiental como parte da rotina dos alunos

Por: Raphaela Guimarães

No CEI (Centro de Educação Infantil) Adail Tini de Araújo, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, a educação ambiental e o contato com a terra são práticas diárias. No período escolar, todas as turmas desenvolvem atividades na horta e no bosque da unidade, com direito a plantações cultivadas pelas crianças.

Com 183 alunos, de 0 a 3 anos e 11 meses, a creche convida as crianças para participar de todas as etapas do cuidado com a horta, do plantio até a hora de provar os alimentos no prato.

A coordenadora pedagógica Shirley Souza, 48, conta que as crianças já estão tão familiarizadas com as atividades que reconhecem sozinhas o momento certo de colher e sabem como encaminhar o que produziram.

As hortaliças cultivadas na horta da CEI Adail Tini de Araújo @Raphaela Guimarães/Agência Mural

‘Recentemente, as crianças de 2 e 3 anos, que brincavam na área externa, perceberam que os tomates da horta estavam maduros. Pegaram um carrinho, colheram e levaram direto para a cozinha. Foi uma graça’

Shirley, coordenadora pedagógica

A cozinheira Valéria Cristina, 47, também foi surpreendida pela iniciativa e pelos conhecimentos das crianças sobre a horta. “Foi sensacional. Quando eles trazem os alimentos, comem melhor, porque sabem que foram eles que plantaram”, diz.

Valéria recebe as hortaliças colhidas pelas crianças para o preparo do almoço @Raphaela Guimarães/Agência Mural

Da terra para o prato

Além do cuidado com a horta, os profissionais da unidade de ensino arregaçam as mangas no projeto ‘Cardápio Vivo’, que foi criado para aproximar alunos do Berçário I (de 0 a 1 ano) dos alimentos frescos, já que pela pouca idade eles não conseguem participar plenamente das atividades na horta.

Criança mexe com terra da horta @Raphaela Guimarães/Agência Mural

O projeto é desenvolvido pelas professoras e usa alimentos cultivados no CEI como material de estudo. Na sala de aula, grãos, legumes, verduras e frutas são apresentados para que as crianças possam tocar, explorar texturas, reconhecer e nomear os alimentos.

Os bebês também vão ao refeitório para aprender a identificar o que está sendo servido nas refeições e a reconhecer cores e sabores.

“Recentemente levamos uma abóbora para a sala. A turma ficou curiosa para descobrir o que era. Depois, combinei com a equipe da cozinha para preparar o alimento. Abrimos a abóbora na frente das crianças e, em seguida, servimos. O resultado foi uma aceitação total”, conta Graciele de Andrade, 40, professora titular do Berçário.

Professoras e a coordenadora pedagógica do CEI realizam atividades de educação ambiental

Para ela, o contato com a horta desde cedo muda a forma como as crianças se relacionam com os alimentos. “Eles passam a aceitar melhor legumes, verduras, frutas, temperos e, no futuro, vão consumir com mais consciência”, afirma.

A também professora Telma Oliveira, 54, lembra que as famílias são parte do processo de educação alimentar. Na mostra pedagógica da escola “Semeando Valores com Afeto”, realizada em outubro, os pais colheram alimentos plantados pelos filhos.

Crianças colhendo o alface @Raphaela Guimarães/Agência Mural

‘Um dos meus alunos colheu um alface e a mãe contou que ele disse que tinha plantado. Ele só tem 1 ano e 2 meses, mas já compreende o ciclo’

Telma, professora

Clima e território: educando para o futuro

As ações de educação ambiental não se limitam à horta. Outro espaço da escola se tornou essencial para as atividades pedagógicas: o bosque. Atrás do prédio do CEI, um terreno arborizado dá sombra às brincadeiras e recebe atividades, explorações e pesquisas das crianças.

Até 2014, o espaço era inutilizado e servia como ponto de descarte irregular de lixo e entulho pela comunidade do Jardim Ângela. O local foi recuperado pela equipe do CEI e transformado em uma área verde ampliada.

Com o apoio de pais, que doaram madeiras, foi construída uma escada de acesso para que as crianças possam explorar o ambiente. Atualmente, o bosque abriga árvores frutíferas como bananeiras e abacateiros, plantações de café e espécies nativas como o pau-brasil e mandioca.

Manoel, funcionário da creche com a mandioca que colheu na área que cuida das plantações @Raphaela Guimarães/Agência Mural

O ensino de educação ambiental mobiliza ainda mais a comunidade escolar em um cenário de crise climática, que recaí de forma mais intensa sobre as periferias. O centro educacional aposta em estimular nas crianças uma relação de cuidado e responsabilidade com o território, como uma forma de protegê-lo no futuro.

O responsável pela conservação do bosque é o auxiliar de manutenção Manoel Bento, 58, funcionário da creche há 15 anos. Conhecido como ‘seu Manoel’, ele cuida da terra, orienta os plantios e garante que tudo permaneça verde e florido.

Ele é responsável pela manutenção do CEI, cuida das plantações e da área do bosque @Raphaela Guimarães/Agência Mural

“Cresci na roça e gosto de pesquisar bastante. As crianças ouvem as histórias dos livros, como a da Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve, e geralmente nessas histórias tem um bosque. Quando elas vêm aqui, se esbaldam”, conta.

Ciclo sustentável

Da horta, direto para a cozinha. Valéria, responsável pelas refeições, utiliza parte do que é colhido no cardápio semanal da escola e envolve as crianças na preparação de sucos e saladas.

Além do cultivo, a unidade escolar também trabalha separação de resíduos e compostagem. As cascas de frutas e legumes usados nas refeições são transformadas em adubo, que volta para a horta e fecha o ciclo de cultivo conduzido pelas crianças.

Valéria e a equipe de cozinheiros da creche @Raphaela Guimarães/Agência Mural

“A gente reaproveita tudo: cascas de ovo, cascas de legumes e até o pó de café, que é um ótimo adubo. Isso faz toda a diferença, é por isso que a nossa horta cresce tão bonita”, explica a cozinheira.

A terra devolve o cuidado. Em novembro, a creche celebrou a terceira colheita do ano, resultado de um cultivo que possibilitou às crianças levarem parte dos alimentos para casa.

Juliene, ao lado do filho Heitor durante horário de saída dos alunos @Raphaela Guimarães/Agência Mural

“O que mais me chama atenção é a vontade que ele tem de ir para a escola, ele simplesmente ama. Até nos fins de semana pega a mochila querendo ir”, conta Juliene Alves, 27, mãe do Heitor, aluno do CEI, de 3 anos.

Os reflexos das atividades vão parar dentro de casa. “No último encontro na creche, plantamos tomates juntos e agora estamos cuidando de um pezinho em casa. É muito bonito ver como essa atividade faz diferença e ensina as crianças a respeitar a natureza.”

Graziele Martins, 26, mãe do Vitor, concorda que o trabalho de educação ambiental faz diferença na formação das crianças. “Aprender a cuidar da natureza e ter autonomia para cuidar de algo próprio é valioso e ainda pode virar um alimento delicioso”, afirma.

Ex-aluna da mesma creche, que há 29 anos atende famílias na região, Graziele se emociona ao ver o filho vivenciando o mesmo projeto. “Poder ver meu filho dando continuidade a esse trabalho me enche de orgulho e felicidade.” diz.

Desafios da educação ambiental nas quebradas

Embora a educação ambiental esteja prevista nas Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, colocar esse conceito em prática está longe de ser algo simples.

O CEI Adail Tini de Araújo é administrado por meio de parceria público-social entre a Secretaria Municipal de Educação e a Instituição Pérsio, uma OSC (Organização da Sociedade Civil). No entanto, a realidade de estar em um ambiente próximo à natureza não é a regra.

Segundo levantamento do Todos Pela Educação, de 2021, 84,5% dos bebês atendidos em creches da cidade de São Paulo estão em unidades geridas por OSCs, muitas delas funcionando em prédios alugados e adaptados, sem contato com o meio-ambiente.

Esses espaços raramente contam com áreas verdes e, na maioria das vezes, faltam quintais, canteiros ou mesmo espaços com terra onde se possa cultivar uma horta.

Nas periferias, o problema se agrava. O levantamento aponta que é mais difícil encontrar imóveis adequados para instalar CEIs nas quebradas de São Paulo, o que limita a criação de espaços pensados para atividades ao ar livre ou projetos de sustentabilidade.

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