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Produtor usa cinema para apoiar saúde mental no CAPS de Santo André

Por: Júllia Zequim

O que o cinema e a saúde mental têm em comum? Para muitos, a sétima arte, além de um instrumento artístico, é uma importante ferramenta de compreensão social. O produtor audiovisual e cineasta Henrique Freitas, 26, entende como ninguém esse poder.

Desde novembro do ano passado, Henrique é monitor de oficina terapêutica no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) na unidade III Vila Vitória, em Santo André. Nesse cargo, ele colabora na produção de eventos e criação de oficinas artísticas a fim de apoiar os usuários durante o tratamento.

Natural de Peruíbe e morador de Mauá, no ABC Paulista, o jovem é formado em cinema pela ELCV (Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André) e ingressou na área atuando como produtor de séries, reality shows e curtas-metragens. Entre os projetos de destaque do cineasta estão o curta-metragem ‘Bruxas de Paranapiacaba’ (2024) e o documentário ‘Apocalipse nos Trópicos’ (2024), dirigido por Petra Costa.

Henrique pretende abrir um cineclube para o público que não consegue ir ao cinema @Júllia Zequim/Agência Mural

Durante os anos de 2023 e 2024, deu aulas sobre audiovisual em oficinas e projetos educacionais relacionados ao cinema.

Dentro da unidade, Freitas criou o Cinecaps, um cineclube pensado para os usuários, com o objetivo de fazer do cinema uma ferramenta de ressocialização. Apesar de ter o desejo de abrir o cineclube para o público, atualmente somente as pessoas atendidas no CAPS Vila Vitória podem participar, junto com convidados que são chamados para algumas sessões.

“O Cinecaps faz muito sentido com a minha carreira, mas o mais legal é ouvir as pessoas compartilhando sobre suas vidas. É um lugar onde você pode abaixar um pouco as armaduras do dia a dia. Essa é a beleza desse espaço”, afirma.

Sala de exibição do Cinecaps, no último andar da unidade. Cortinas escuras são colocadas nas janelas para deixar o ambiente de cinema @Júllia Zequim/Agência Mural

Inicialmente, a ideia era de exibir produções blockbusters, como longas-metragens hollywoodianos, sucessos de bilheteria e animações, mas com o auxílio da coordenadora da unidade Patrícia Romano, 55, Henrique entendeu a necessidade de trazer filmes que movimentassem debates com os pacientes.

A partir dessa construção, o cineclube foi dividido em sessões semanais às quartas-feiras, onde cada mês é temático.

Santiago Silva, 25, que frequenta a unidade há dois anos, relata que muitas pessoas pensam no Centro de Atenção Psicossocial apenas como um lugar para “pegar remédios e ir embora”.

“[O Cinecaps] me ajuda em vários aspectos. Acho que também por ser parte dessa comunidade do CAPS, de conhecer o pessoal, ter esse sentimento de comunidade. Num aspecto de pensamento crítico, entendimento… Você expande a sua visão e se sente mais integrado na sociedade”.

A tela improvisada para exibição de filmes @Júllia Zequim/Agência Mural

Santiago é morador do bairro Cidade São Jorge, que está na contramão da Vila Vitória. Por estar desempregado, confessa que tem dificuldades de ir até a unidade com frequência por conta do transporte. “É difícil, mas estar aqui vale a pena”.

Em março, mês das mulheres, o filme exibido foi ‘O Aborto dos Outros’ de 2008, dirigido por Carla Gallo.

Henrique relata que, por ter a presença de mulheres no cineclube, sentiu a necessidade de um filme que tivesse reflexões e trocas. Para isso, trouxe a defensoria pública para dar embasamento ao debate. Nessa sessão, a defensoria explicou as formas de realizar um aborto legal e entregaram folhetos informativos sobre como entrar em contato. Freitas descreve o momento como emocionante para os usuários, que compartilharam sobre experiências pessoais.

A participação deles é um dos pontos fortes do projeto. Antes de toda sessão, o cineasta prepara pipoca e sucos para consumo durante a atividade.

Funcionário do CAPS preparando a pipoca para as pessoas que são atendidas, antes do filme @Júllia Zequim/Agência Mural

Ele assume que talvez um dos motivos para as sessões serem sempre cheias seja o lanche, mas confessa que entre um motivo e outro, a presença é o que realmente importa.

O Cinecaps voltou no dia 21 de maio após uma pausa relacionada a eventos institucionais, alguns deles sobre a luta antimanicomial. Nessa temática, foi exibido o documentário ‘Felicidade’, de Tarsila Araújo, que faz uma reflexão sobre o que realmente é ser feliz dentro de realidades múltiplas.

A sessão foi repleta de relatos e emoções. Os usuários demonstraram amor e gratidão ao CAPS, trazendo reflexões das próprias vidas.

Patrícia, coordenadora da unidade, frisa que apesar de Santo André ser um local com recursos, a Vila Vitória fica em uma região periférica. Algumas pessoas têm um trajeto de mais de 35 quilômetros para chegar até lá.

“Queremos que esse serviço possa, para além da medicação e do acompanhamento médico, apresentar uma produção de vida para essas pessoas”.

Henrique pretende abrir um cineclube para o público que não consegue ir ao cinema @Júllia Zequim/Agência Mural

Patrícia comenta que as formas de preconceito e segregação que essa população enfrenta estão cada vez mais presentes. Ela espera que um dia essa luta seja mais direcionada, principalmente no aspecto antimanicomial.

Henrique, que é iniciante na área da saúde mental, hoje não consegue andar pela unidade sem ser parado por usuários que além de conversarem com ele, perguntam animados sobre o Cinecaps.

O produtor audiovisual define o projeto como uma forma de olhar para os direitos humanos básicos das pessoas. Emocionado, ele conta sobre a importância do trabalho.

“Eu adoraria que o Cinecaps fosse uma abertura para que a gente, como sociedade civil, conseguisse repensar a saúde mental. Não estamos lutando por coisas absurdas, mas sim para que as pessoas consigam viver em sociedade… E isso é o básico”.

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