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Das quebradas para a história: funk paulistano ganha exposição inédita

Por: Luis Antonio Souza

O som que balança os fluxos e paredões de São Paulo tem uma origem esquecida por muitos. É isso que os crias de Cidade Tiradentes, Mauá e Santo André, querem resgatar com a exposição “O Fluxo das Relíquias’: a moda, o audiovisual e a memória do público“.

A mostra foi criada por Filipe Barbosa, 26, Daniel Amorim, 27, e o casal Renato Simões, 28, e Mayara Kerly, 25.

O evento passou por Cidade Tiradentes no primeiro semestre e levou mais de 600 pessoas ao longo de um mês. Agora desembarca na Casa de Cultura do Itaim Paulista, bairro onde surgiu o “Passinho do Romano”. A mostra está em cartaz até o dia 3 de agosto.

Os organizadores da exposição na Casa de Cultura Itaim Paulista @ Thayna Ferreira Alves/ Divulgação

Selecionado pelo Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) da Prefeitura de São Paulo no ano passado, o projeto nasceu de uma pesquisa iniciada em 2023 sobre o início do movimento do Funk Ostentação em São Paulo, com recorte temporal entre os anos de 2006 a 2014.

Inclusive, a proposta se conecta com o “Fluxo — O Filme”, dirigido por Filipe, que também é cineasta.

“Nós que vivemos o funk entre 2006 e 2014 sabemos que, por conta das trocas de celular, da pouca idade e da inexperiência com o audiovisual, muita coisa se perdeu. O filme e a mostra vieram para resgatar essas memórias”, explica Filipe.

Público observando a galeria de fotos sobre o funk paulistano @Thayna Ferreira Alves/Divulgação

A pesquisa que virou recordação coletiva

A curadoria também foi fundamentada nas vivências pessoais dos integrantes e dos vídeos encontrados no YouTube. “As músicas, os clipes e os registros espontâneos são arquivos preciosos para quem quer entender aquele tempo. Entre uma música e outra saía uma sequência de novas músicas que formavam uma playlist natural da memória”, explica Renato.

Quem visita a exposição tem a oportunidade de ver a projeção desses vídeos, imagens, flyers e mochilas antigas de escola pública, um item presente nos bailes de rua da época.

Looks vintage de marcas como Oakley, Nike, Timberland, Abercrombie, Lacoste e Mizuno, levam os amantes do Funk a uma viagem no tempo, sob a curadoria do Acervo do Relíquia, brechó on-line e observatório especializado em moda periférica desde 2021, gerido por Renato e Mayara.

“Algumas roupas daquela época se destacaram mais. Então, a partir disso, nós estreitamos a pesquisa para trazer algo mais concreto para a exposição”, diz.

O público também contribuiu com a curadoria. Os artistas ainda divulgaram um formulário web para que as pessoas enviassem fotos, vídeos e outras lembranças relacionadas aos fluxos e bailes de rua.

Festa da Paz e Passinho do Romano

Outro destaque da exposição é a Festa da Paz, primeiro evento de funk realizado em 2006, na Cidade Tiradentes. O evento, organizado pelos MCs Backdi e Bio G3, abriu portas para o surgimento de novos MCs na capital e na Baixada Santista, e consolidou um novo mercado que era predominantemente do Rio de Janeiro.

“Esse evento ajudou a fomentar e trazer essa visibilidade para o território. E entender que tinha uma possibilidade de mercado para começar a ter vários shows. Então, se hoje tem vários shows e eventos sobre Funk, foi por causa da Festa da Paz”, destaca Filipe.

Oito anos depois, o “Passinho do Romano” nasce de forma espontânea por Magrão, cria do Itaim Paulista. A dança criada por Magrão mistura alguns elementos do hip hop e muita descontração. Para Daniel Amorim, o passinho se amplificou através dos memes, depois se solidificou para ser um marco do Funk paulistano.

A galeria de fotos com jovens que retratam o funk nas periferias @Thayna Ferreira Alves/Divulgação

Filipe e Renato destacam duas teorias. A primeira é que a dança tem uma característica própria e diferenciada da dança do Rio de Janeiro. “Tenho vários parceiros que ensaiavam e iam ao baile para coreografar. Mas o Passinho do Romano nasce na arte do deboche. Todo mundo pode dançar. O que é feio é ficar parado”, explica Filipe.

‘O Passinho do Romano nasceu da arte do deboche. Todo mundo pode dançar. O que é feio é ficar parado’

Filipe Barbosa, cineasta e um dos idealizadores do Fluxo das Relíquias

A segunda teoria proposta por Renato enfatiza mais a alegria do que o semblante mais ‘fechadão’. “O Magrão ria, mexia os braços e as pernas descontrolados, além de dar a famosa ‘sarrada no ar’. Ele traz vários elementos que chegam a ser cômicos, mas divertem. Isso se tornou um novo arquétipo para a aura do funkeiro”, conclui.

Tênis da Puma exposto para o público @Thayna Ferreira Alves/Divulgação

Isso fica claro no documentário ‘Solta o Ponto‘, que homenageia os dançarinos como Magrão, Lacoste e Feo Patati — este último foi responsável pela viralização mundial do estilo, exibido na exposição organizada pelo grupo.

Com tantos elementos cativantes e nostálgicos, a mostra enaltece a história do Funk paulista, de quem fez parte dela e devolve o sentimento de pertencimento. O impacto de quem viu é sentido na pele. “Gente com os olhos marejados, lembrando do passado, dos amigos. Muita gente nos diz: ‘vocês contaram a minha história’.

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