A votação neste domingo (7) coloca à prova o peso da transferência de votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).
A troca de candidatos, contudo, tem reações diversas em vários bairros das periferias da capital, onde Lula teve seu melhor resultado, no auge de sua popularidade no segundo mandato presidencial. Regiões como Parelheiros, no extremo sul, Cidade Tiradentes, São Mateus e Guaianases, na zona leste, deram entre 65% e 72% de votos ao petista em 2006.
De lá para cá muita coisa mudou. Foram dois mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o último encerrado num processo de impeachment, além da eleição municipal de 2016 com derrota de Haddad em todos os distritos de São Paulo.
Neste ano, porém, Lula figurava na liderança de pesquisas de intenção de voto, mesmo com a prisão pela condenação no julgamento relacionado a um processo da Lava Jato. A dois dias da votação, Haddad é o segundo colocado, atrás de Jair Bolsonaro (PSL).
Eleitores de Lula no passado se dividem sobre a votação neste ano, mas boa parte diz que aceitará votar no substituto. Porém, fazem ressalvas.
PERSONALIDADE
Dona de um brechó, Vera Pereira de Morais, 59, mora em São Mateus e aponta a necessidade de Haddad colocar sua personalidade na disputa.
“Quem é que vai pra presidente? É Lula, Haddad, ou quem? Isso está confundindo a cabeça das pessoas. O Haddad tem que assumir: ‘eu sou presidente’. Porque o pessoal está confuso. Como o Lula vai ser presidente se o Lula está preso ainda? O Haddad tem que entrar como presidente e vai ter apoio dos outros”, afirma.
Ela votou no PT nas últimas disputas e disse que deve votar no ex-prefeito e se diz crítica a Bolsonaro. “Foi muito feio o que ele falou [sobre as mulheres]. Nós estamos vivendo esse feminicídio e o homem fala um negócio desses”.
Pintor de parede e vendedor de tapioca, João Pereira, 66, se lembra de ter votado na Dilma e aponta dúvidas entre votar em Haddad ou no candidato Ciro Gomes (PDT). O motivo da dúvida são denúncias. “Dizem que a maioria é do partido do Lula”
“O primeiro mandato dele foi ótimo, o segundo mais ou menos. Aí depois veio a Dilma”, comenta. “Essa coisa de indicar não quer dizer nada”. Ele cita o exemplo do ex-prefeito Paulo Maluf (PP), quando indicou Celso Pitta ainda na década de 1990 como sucessor. Pitta venceu, mas teve a gestão mal avaliada. “Não sei porque o povo vota no PT. Acho que é mais pelo Lula. Eu votaria nele mais uma vez”.
Também moradora do bairro, Ana Laura Perez, 18, não votava em 2014, mas disse que indicou para os pais o voto em Dilma Rousseff (PT) na época. “Primeira mulher presidente, me causou uma boa impressão. Mas acabei me decepcionando”. Porém, neste ano, concluiu o voto para o outro extremo político. “Não há muita opção, mas o mais próximo das minhas ideias, porque eu sou de direita, é o Bolsonaro”, diz.
Ela compara o candidato do PSL ao discurso de Donald Trump. “[Ele vai atuar] primeiro aqui dentro para depois ligar para os outros”, afirma.
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Qual a importância do voto para a periferia?
A estudante de pedagogia Ana Paula Lobato de Carvalho, 30, votou em Dilma em 2010 e diz que seguirá a opção do ex-presidente. “Além de Haddad ter visado a educação, que é pouco pautada na campanha eleitoral, ele tem suporte de Lula”.
Ela mora em Cidade Tiradentes, onde o ex-presidente teve 71% da votação quando foi candidato pela última vez. A estudante considera que a prisão foi uma forma de tirá-lo do páreo. “Estamos perdendo direitos que há muito custo conquistamos. Lula representa o trabalhador e todos que vivem à margem da sociedade. Antes de Lula, os pobres não ingressavam na faculdade. A escolha partiu da identidade.”
Na região é possível encontrar petistas convictos. João Armindo Coelho Vargas deve manter o voto no partido e rejeita críticas a Haddad sobre a atuação como prefeito. “A gestão do ex-prefeito Haddad foi boa, o projeto que ele tinha para São Paulo, era para 20 anos, Inovador e Futurista. Sobre a influência, contribuiu, mas a indicação do Lula é o que prevaleceu”.
A dona de casa Zenaide Faquineti Batista Bueno, 54, também manterá o voto e se diz “fiel” ao partido. “Vou votar em Haddad porque acho ele capaz, preparado e mesmo porque qualquer um que Lula indique vou com ele”, afirma, classificando o julgamento contra o ex-presidente de “arbitrário” e perseguição ao partido.
“Haddad teve uma boa relação em resolver as questões de administração no transporte público e na saúde. Só achei que ele exagerou nas ciclovias que foi um bom projeto, mas teve locais desnecessários”, completa.
“Mesmo com erros o PT é o único que pensa na gente que mora longe”, alega o jardineiro Emerson Alves da Silva, 36, morador da Barragem, na região de Parelheiros. O distrito do extremo sul de São Paulo deu a maior votação no segundo turno de 2006, 72% para o ex-presidente.
Silva diz que pode até anular o voto em um eventual segundo turno sem o PT. Apesar de simpático à candidatura, o jardineiro não é a favor de todas as políticas defendidas pela legenda.
“A única coisa que eu não concordo é o Bolsa Família. Tem muita gente safada que se aproveita disso e não precisa”, diz. “Mas, fora isso, só tem coisas boas tipo o corredor de ônibus, o Bilhete Único, os CEUs. Enquanto não aparecer alguém que faça por nós o que eles [PT] fizeram, eu não mudo”, reforça.
A cabeleireira Lu Senna, 32, vai em caminho parecido. “Haddad é Lula e traz todas as propostas do presidente. Todos esses outros falam e não fazem nada. Sem o PT só teve coisa ruim, o país parou”. Ela tem familiares no Ceará e afirma que houve avanços no Nordeste. Como segunda opção ao PT, contudo, ela aponta o PSDB. “Alckmin é minha segunda opção, já fez algumas coisas pra gente que mora longe, ele conhece o pobre, então seria ele”, afirmou.
Também moradora do bairro, a vendedora Ana Morena, 46, votou no PT, mas está desiludida sobre o pleito deste ano. “Sinceramente, nessa eleição eu não tenho partido”, afirma. “Com Lula preso, não voto no Haddad porque hoje eu acho que não temos políticos que nos representam”.
“O Lula sempre deu a cara a tapa e falou tudo por ele mesmo e o Haddad tinha que ser assim”, reforça.
Ela cogita votar em branco, exceto no segundo turno, dependendo de quem estiver na disputa. Apesar da descrença com o partido, ela rejeita a ideia de apoiar Jair Bolsonaro, atual líder nas pesquisas. “Pensando por esse lado, eu tenho medo do Bolsonaro ganhar. Eu sou nordestina, negra e mulher e esse cara não entende nada de nada, não quero ele como meu presidente”.
A fotógrafa Bárbara Alves Lobato, 24, mora em Guaianases, na zona leste de São Paulo. Ela votou em Dilma na primeira eleição, mas em 2014 preferiu Luciana Genro (PSOL). No momento, avalia negativamente o futuro.
“Eu quero muito acreditar que teremos um resultado diferente do que o mostrado nas pesquisas, do que o que a maioria acredita estar certo, eu até entendo a população estar em desespero, mas não acho que ele [Bolsonaro] tem que ser a nossa única opção”.
“Estamos no mesmo barco, e acredito que a forma como cada candidato se posiciona diz muito sobre o governo dele”, completa.
A moradora considera complicado o papel de transferência de votos assumido pelo PT na disputa eleitoral. “Sobre o Haddad é difícil nesse momento saber se ele pode vir a ganhar, principalmente por conta das incontáveis pedras pra cima do PT e todo o lance do Lula, mas eu acredito que ele também tem força mesmo”, diz.
Apesar do cenário, Beatriz diz manter a esperança. “Espero que tenhamos um governo que pense realmente como país laico, e que priorize aquilo que está congelado, saúde, educação. Além de políticas públicas para as mulheres”.
Giacomo Vicenzo, Luana Nunes, Lucas Veloso, Matheus Souza e Paulo Talarico são correspondentes de Cidade Tiradentes, Parelheiros, Guaianases, São Mateus e Osasco
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