Criado para acompanhar e fiscalizar a implementação do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB), o conselho municipal perde espaço da participação de representantes da sociedade civil com novo decreto, publicado em há dois meses pela gestão do prefeito João Doria (PSDB), e sofre outras mudanças que não foram bem recebidas por entidades de cultura e educação.
O documento faz alterações no decreto assinado em agosto do ano passado pelo então prefeito Fernando Haddad. De acordo com o novo regulamento, o número de representantes da sociedade civil a participar do conselho será reduzido de oito para sete. Os membros serão escolhidos pela administração municipal e não mais por meio de eleição direta de cidadãos com atuação nas áreas de educação e cultura. Os demais membros do conselho serão três representantes da Secretaria Municipal da Cultura, dois da Secretaria da Educação e dois da Câmara Municipal.
Para entidades e movimentos sociais e culturais, as mudanças são antidemocráticas, pois limitam o acesso para acompanhamento e fiscalização popular para assegurar os resultados previstos pelo Plano e uma adequada destinação de recursos públicos. O decreto também recebe denúncias de alterar a Lei nº 16.333/2015 que instituiu o conselho.
“Houve distorção no uso dos dispositivos legais do executivo e afronta o legislativo municipal ao alterar o princípio da participação social no PMLLLB, lei aprovada por unanimidades na Câmara pelos vereadores. Pela hierarquia dos dispositivos legais, nenhum decreto pode alterar uma lei como quer o prefeito”, protesta Ruivo Lopes, pedagogo que integrou o grupo de trabalho que elaborou o Plano.
Apesar de ter sido implantado pela Prefeitura, o PMLLLB foi fruto de anos de luta popular e ativismo por mais políticas públicas. “Essa mudança retira a essência do Plano. Todo o processo de construção foi baseado na participação da sociedade civil. Desde a articulação inicial em 2012, passando pelas tratativas com o legislativo e executivo em 2013 e 2014, até as plenárias abertas – momento em que os debates deram o formato final para o Plano. A sociedade civil teve o protagonismo, num arranjo que também envolveu legislativo e executivo”, conta Ricardo Queiroz Pinheiro, bibliotecário e mestre em Ciência da Informação.
Outras alterações também foram determinadas pelo documento, como a diminuição da quantidade de reuniões anuais – de quatro para duas –, a exigência de que somente um representante da Secretaria da Cultura possa presidir o conselho e a eliminação da obrigatoriedade da paridade de gênero.
“Ao desconsiderar a paridade de gênero na composição do referido Conselho, o prefeito tem uma atitude ilegal, pois deixa de cumprir a Lei 15.946/2015 que institui 50% como o mínimo de representação de mulheres em conselhos municipais. O decreto é autoritário e machista”, informa Isabel Santos Mayer, educadora social e cogestora da Rede LiteraSampa.
Os conselheiros reclamam, também, da ausência de consulta popular na tomada de decisões e da falta de transparência e informações sobre as novas medidas. “Ninguém sabe se o conselho anterior ainda mantém o mandato ou se ele nomeará novos conselheiros já para a atual gestão”, diz Haroldo Ceravolo, jornalista e representante do mercado editorial no conselho.
“Estamos nos organizando e denunciando essa mudança autoritária. Há um retrocesso: ao invés de discutir a implementação das medidas de incentivo à leitura e ao livro na cidade de São Paulo, somos obrigados a defender um mandato que já havia sido legitimamente construído”, desabafa Ceravolo.
OUTRO LADO
Foto: Flickr/CC BY-SA 2.0