Toda manhã era a mesma coisa: acordar e fazer tudo rápido pra pegar o “da 20 pras sete”. Era assim que chamávamos o ônibus da linha 1726 que pegávamos cotidianamente nesse horário. A linha fazia o trajeto da Vila Zilda, na zona norte, até a Praça do Correio, na região central de São Paulo.
Sempre chegava alguns minutos antes de o coletivo passar. No ponto, encontrava aquelas pessoas que comumente também estavam lá naquele horário, que compartilham a rotina na ida e na volta.
Conhecia todos: o senhor de gravata e óculos; a senhora de saia comprida que sempre carregava uma bolsa grande feminina na mão; o menino dos fones enormes; as duas irmãs que iam pra escola juntas; um casal jovem cujo rapaz era simpático e cumprimentava a todos; o menino loiro de mochila que estava sempre sério e franzia o olho quando o ônibus apontava na esquina (acho que era míope); e alguns outros tantos que apareciam às vezes.
Eu fazia questão de ser simpático, acenava com a cabeça para todos, sorria e desejava bom dia, todos me devolviam da mesma forma. Era sempre igual. Raramente essas pessoas não estavam ali, e quando alguém não comparecia gerava estranhamento e preocupação. É até engraçado, mas rola uma empatia nos pontos de ônibus das quebradas nesses horários de pico.
Em alguns dias essa normalidade era rompida, geralmente quando o ônibus quebrava antes de chegar ao nosso ponto. No entanto, teve um dia que algo muito curioso aconteceu.
Tudo estava como sempre: pessoas, cumprimentos e horário. E eis que o ônibus surge na esquina. Nessa hora, o comportamento muda. O corpo sai do modo espera para o modo de ação. Mas desta vez, foi diferente.
O coletivo vem se aproximando rapidamente e não desacelera, passa direto e nos deixa ali. Ficamos todos perplexos olhando uns para os outros e o ônibus sumiu na avenida. Nada poderíamos fazer a não ser entender o que tinha acontecido. O rapaz do fone foi o primeiro a se pronunciar, tirando os fones pergunta:
“Alguém deu sinal?”
Mais uma vez nos olhamos, todos aqueles rostos conhecidos e amigáveis, entre sorrisos sem graça e desapontamentos, um por um fomos balançando a cabeça negativamente e falando “eu não”. E foi isso. Ninguém deu o sinal e o motorista seguiu sua rotina.
No ponto rimos e aceitamos o atraso iminente para nossos compromissos, tínhamos que esperar mais dez minutos para que a próxima condução chegasse até nós. A lição serviu. Depois desse dia era comum ver vários braços apressando-se esticados para que não houvesse mais quebra no nosso cotidiano. Vivendo e aprendendo.