O último Atlas da Notícia mostrou uma redução dos chamados “desertos de notícias” no Brasil, mas na Grande São Paulo a situação se inverteu. Dados do levantamento, compilados pela Agência Mural, indicam que o número de cidades que não possuem organizações jornalísticas ou que correm riscos de ficar sem um veículo local aumentou desde 2019.
Mais de 1 milhão de moradores vivem em municípios sem jornalismo local ou com no máximo duas organizações jornalísticas, o que os torna quase desertos.
Sem imprensa local, os habitantes dessas regiões se informam pelo boca a boca, pelo que dizem as prefeituras, pelo que se espalha pelas redes sociais, com risco de serem afetados pela desinformação.
A situação mais delicada está na chamada região sudoeste da Grande São Paulo, onde Taboão da Serra é o maior município. Por lá estão três cidades que são desertos informativos: Juquitiba, São Lourenço da Serra e Vargem Grande Paulista. Além delas, Embu das Artes se tornou um “quase deserto” ao ver o fechamento de dois jornais.
A situação é apontada por moradores como um dos obstáculos para cobrar melhorias e políticas públicas. “Minha rua não tem vazão adequada para água. Quando chove muito, entra água no meu quintal, enche tudo. Isso acontece há dez anos e eles não fazem absolutamente nada”, relata a aposentada Silvia Gomes Novo, 64, moradora do bairro Granja Cristiana, em Vargem Grande Paulista.
Para ficar informada sobre o que ocorre no município, ela diz que se informa por meio de grupos de Facebook e Whatsapp. “Órgãos de imprensa sérios e com comportamento ético poderiam ajudar a cobrar da administração pública a prestação de serviços que ela deve cumprir, e também verificar e divulgar se essa prestação está sendo feita da maneira correta”.
A estudante universitária Mayara Orneles Silva, 22, acompanha os jornais de Cotia, cidade vizinha, porém isso não resolve. “Acaba que consumo muito mais informações da cidade vizinha do que da minha”, diz.
‘A maioria das informações são passadas boca a boca até chegar em mim, como cidade do interior mesmo’
Mayara Orneles, moradora do bairro Tijuco Preto em Vargem Grande Paulista
Entre os pontos que dificultam a vida dos moradores está a própria participação democrática, o que chama a atenção a pouco mais de um ano das eleições de 2024, quando serão realizadas as disputas pelo comando das prefeituras e pelas cadeiras de vereadores nas Câmaras Municipais.
“A última eleição municipal [em 2020] foi a primeira em que votei e foi muito difícil buscar informações sobre os candidatos”, relata. “Faltou um canal, que por mais que entenda não ser parcial, traria mais informações de cada candidato, não apenas ficar ouvindo os votantes ou informações falsas de quem era contra certo candidato.”
Fechamento ano a ano
Realizado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) em parceria com Volt Data Lab, o Atlas da Notícia identificou o fechamento de 98 organizações jornalísticas na Grande São Paulo, sendo a maioria jornais impressos. O jornalista Dubes Sônego, um dos pesquisadores do estudo, aponta alguns possíveis fatores.
“Em geral, o que vem motivando o fechamento de muitos veículos, particularmente os impressos, é uma combinação do alto custo de impressão e distribuição e de perdas com anúncios publicitários, que migraram para o meio online”, afirma o jornalista.
O cenário tem se agravado em regiões mais populosas. Em Itaquaquecetuba, município de 369 mil moradores no Alto Tietê, o Diário de Itaquá fechou e, desde então, a cidade passou a ser considerada um quase deserto.
Em Mairiporã, na parte norte da Grande São Paulo, onde vivem cerca de 100 mil habitantes, o número de veículos também vem caindo ano a ano. Atualmente a cidade possui apenas um jornal impresso.
Marcelo dos Santos, 55, era um dos responsáveis por um dos veículos que deixou de existir. Hoje encarregado de reposição em um supermercado, ele trabalhou por 30 anos em jornais. Começou na adolescência no jornal São Paulo Shimbun, voltado à comunidade japonesa, onde aprendeu diagramação. Até que se mudou para Mairiporã.
“Trouxe família, tudo, fiquei um longo tempo no Correio no Juquery, que ainda existe, e passei cerca de 18 anos no jornal Cidade de Mairiporã, que infelizmente deixou de circular em 2018.”
Com o fechamento do “Cidade”, Marcelo apostou em um jornal próprio, o “Mairiporã em Destaque”. “Infelizmente não aguentei, essa tentativa durou apenas seis meses. Cheguei a um patamar de dever para gráficas, de dificuldade de patrocínio e acabei ficando desempregado”, diz.
Ele cita que um dos grandes obstáculos para permanecer foram os gastos.
“Hoje para manter um jornal semanal não sai por menos de R$ 20 mil por mês. O papel é cotado em dólar, e tem a questão da publicidade, onde boa parte vinha do poder público”
Marcelo dos Santos, proprietário do Mairiporã em Destaque, um dos veículos fechados na Grande SP
Ele explica que a Imprensa Oficial, por parte da prefeitura, reduziu a renda dos veículos que recebiam para publicar as informações oficiais. “Outro fator é a velocidade das informações nas redes sociais”, opina.
Jornalismo independente
Dubes ressalta que o levantamento é quantitativo e não aprofunda os motivos que podem ter levado ao fechamento de cada veículo em especial. No entanto, sinaliza a gravidade de novos desertos em regiões como a Grande São Paulo..
“Preocupa porque a população deixa de ter uma perspectiva local de acontecimentos regionais, nacionais ou mesmo internacionais”, cita. Além disso, o surgimento de novas organizações independentes acaba dependendo da atuação de pessoas que começam voluntariamente.
Em Taboão da Serra, o tab_jornalismo é um exemplo de nova iniciativa que começou na região. Criado por João Gabriel Leite, o portal tem trabalhado com dados municipais para investigar a situação da cidade de 270 mil habitantes. No entanto, tem enfrentado obstáculos. “Tenho mais de centena de pedidos de LAI (Lei de Acesso à Informação), grande parte deles parados, outra parte mal respondida”, conta.
João quer que o portal se consolide como um negócio no futuro em meio à falta de cobertura investigativa sobre os acontecimentos do município, mas o começo da empreitada tem sido sem recursos. “Não sou ingênuo de não querer transformar a tab_jornalismo em um negócio sólido, mas, hoje, faço porque amo a cidade”, ressalta.
Concentração na capital
Dos quase 1.110 jornais presentes na Grande São Paulo, 77% estão localizados na capital paulista, uma concentração maior do que a população – 55% dos moradores da região metropolitana moram na capital e 45% nas demais cidades.
Apesar da grande quantidade de organizações mapeadas na capital, isso não necessariamente garante o direito à informação, uma vez que veículos que se dedicam mais na cobertura nacional do que na local, enquanto outros se concentram em atividades específicas.
Há também jornais de bairro, porém, diversas periferias, muito populosas, enfrentam escassez de acesso à informação local. Algumas organizações, como a própria Agência Mural, surgiram para tentar cobrir essa falta de notícias.
“Mesmo com o grande número de veículos na capital, há áreas imensas, de grande interesse público, completamente descobertas ou mal cobertas, que deveriam receber maior atenção. Há muito espaço para se fazer jornalismo nessas áreas”
Dubes Sônego, um dos pesquisadores do estudo