Há sete anos, a poetisa Maria Edméa Augusto, 82, realizou o sonho de publicar o primeiro livro, composto por uma seleção de versos que escreveu ao longo da vida. Autora dos livros “Vidas que nascem com a poesia” e “A poesia está em cada um de nós”, ambos publicados de forma independente, ela é moradora de Perus, na zona noroeste de São Paulo, e segue propagando versos pela região.
“Escrevo sobre coisas que gosto e observo, como jardins, pássaros e árvores. Mas também sobre tristeza. Afinal, a vida não é só felicidade”, conta a autora. “Não fico me especificando em palavras bonitas ou sofisticadas que nem sei dizer o significado.”
A poesia chegou na vida de Edméa ainda na infância. Embora tenha estudado somente até o quarto ano do ensino fundamental, foi no ambiente escolar em que ela se encantou pelos versos. “Era muito esperta e a professora sempre me pedia para declamar poesias em datas comemorativas. O que fazia com orgulho”, conta Edméa que na época tinha cerca de 10 anos.
A professora dava a poesia três dias antes da apresentação, para que ela pudesse se preparar para a leitura em público. De tanto ler em casa, Edméa acabava decorando os versos.
‘Lia enquanto fazia os serviços domésticos. Ao lavar a louça, colocava a folha no vitrô para ler. Até quando catava feijão, colocava sobre a mesa e seguia lendo’
Maria Edméa Augusto, 82, poetisa
Ainda na escola, Edméa teve o lado poético estimulado por meio de atividades, como ter que escrever uma poesia a partir da observação de uma gravura.
“Me transportava para dentro do quadro e minhas palavras já tinham inspiração poética. Expressões como ‘gotas de orvalho caídas na madrugada’. Sempre inovava, o que me rendia boas notas”, diz Edméa.
Ela lembra até hoje da fala de uma professora da terceira série, Dalila, que incentivou que ela não parasse de escrever. “Ela me disse assim: ‘menina, se você tiver quem te dê a mão, você vai longe com essa criatividade’”, recorda, emocionada.
DIA DA POESIA: Com o propósito de incentivar a criação poética, em 1999, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) instituiu o dia 21 de março como o Dia Mundial da Poesia. Data ideal para promover a leitura e a escrita dessa arte literária, que também se faz muito presente nas periferias.
Folhas de papel
Natural da cidade de Cambuquira (MG), a poetisa se mudou com uma tia para Santo André, no ABC paulista, aos três anos, após a morte da mãe. Há 57 anos mora em Perus.
Já adulta, Edméa passou a andar com um caderno onde escrevia a qualquer momento. Hábito que se mantém até hoje, e ela coleciona cadernos e papéis com os versos. “Houve um período em que trabalhei na Consolação [no centro de São Paulo]. Ia e voltava no trem escrevendo. Tudo era inspiração, o céu, o que via pela janela e as pessoas”, relembra.
Durante 22 anos, ela se dedicou a um salão de cabeleireiro que montou em casa. Mas isso não limitou a inspiração. Houve uma época em que ela registrava os versos em um gravador. Depois passava para o papel.
Casada há 59 anos, a escritora conta com o apoio do marido, dos três filhos e da neta, que teve participação essencial na concretização do sonho. “Quando minha neta nasceu, meu sonho aflorou mais. Me convenci que precisava realizar esse feito para ela ver que lutei e consegui”, destaca Edméa.
O primeiro foi lançado em 2015 e o segundo em novembro de 2022. Em ambas as obras, há poesias com reflexões pessoais que vão desde situações ocorridas próximas dela e, também, o que afeta o coletivo, como a morte trágica e prematura, em 2021, da cantora Marília Mendonça.
Vidas que nascem com a poesia Aos setenta e cinco anos Meu sonho se realiza Sinto a alma de poeta Uma cabeça de jovem E um coração de menina E digo para todos Não deixe a esperança morrer Passe o tempo que passar Seu sonho pode acontecer. Maria Edméa na capa do primeiro livro, lançado em 2015
Edméa também revela muita personalidade quando se trata da edição das poesias antes de publicá-las.
“Não gosto que mudem uma vírgula. Algum erro de ortografia até tolero, mas não muito. Nada de incluir uma exclamação ali ou interrogação aqui. Quero que fique como me expressei. Se mudarem, não será mais minha poesia”, frisa.
Em 2017, Edméa recebeu a cadeira de número 108 da ALP (Academia de Letras dos Professores) da cidade de São Paulo. Foi graças a uma sobrinha, que é professora e apresentou a obra dela na rede municipal.
“Isso representa muito para mim. Não estava sendo vista e de repente recebi essa homenagem. É como uma flor que abre um botão”, discorre Edméa.
Ciente de que pode inspirar outras pessoas, sobretudo, nas periferias, Edméa faz questão de compartilhar as poesias e a trajetória sempre que convidada. Já falou sobre o tema na igreja, no centro de convivência e em CEUs (Centro Educacionais Unificados).
“Faço questão de dizer que sou de Perus. Amo meu bairro. Sei que contribuo para fazer a diferença por meio da minha poesia. Ainda mais sendo mulher”, acrescenta.
Se tiver oportunidade, Edméa pretende organizar um terceiro livro com versos que retratam o período da infância em que ela se sentia sozinha. “Embora, recapitulando esse tempo, me conscientizei de que nunca estive só”, reflete a escritora. “A poesia me fez muita companhia.”
Onde está você - Maria Edméa Tudo parecia tão triste A solidão doía demais Uma onda quebrou Lá na praia E voei para tempos atrás Recordei coisas tão lindas Que jamais poderei esquecer Lembrei do teu rosto alegre Que sorrindo corria para mim Juntinhos sentados na praia Assistíamos a lua nascer As estrelas surgindo no céu Ali felizes estávamos, eu e você Pairava uma certa magia Entre dois seres que se amam São lembranças que guardamos Que jamais poderemos esquecer Onde você estiver Ouça o que vou dizer Um amor puro Como o nosso Ainda está pra nascer O que me dói profundamente E que ao olhar tudo isto Fico muito entristecida Pois não tenho mais você.