Nesta sexta-feira (20), se comemora o chamado dia do amigo, o que lembra o quanto depender dos ônibus na periferia foi importante fazer novas amizades. Mudei para o bairro de Jova Rural em 1998, ano que completei 15 anos. Em 1999 comecei a estudar numa escola na região do Jaçanã, também na zona norte de São Paulo.
Comecei a usar ônibus de segunda a sexta-feira para ir às aulas. Estudei os dois últimos anos do ensino médio no colégio estadual Professor Eurico Figueiredo, apelidado de CEPEF.
Ainda nos primeiros meses de 1999, cheguei atrasada com outras meninas que vieram no mesmo ônibus Tietê, linha 1702. Graças ao trânsito do caminho nós não pudemos entrar na escola e voltamos para casa. Começamos a conversar e vimos que morávamos perto uma das outras, apesar da diferença de poucos anos de idade fazer cada uma estar numa série diferente. Assim nascia uma amizade.
O núcleo inicial de estudantes atrasadas no ônibus eram: as irmãs Patrícia e Rejane, Vanessa e eu. Depois vieram Roselaine, que estudava na escola Alfredo Inácio Trindade, conhecida como Verdão, que ficava alguns pontos de distância da nossa, a Juliana que estudava no Colégio Estadual Dr. Otávio Mendes, conhecido como CEDOM no bairro de Santana e saía mais cedo que nós, e as primas da Vanessa.
Começamos a combinar de nos encontrarmos de manhã no ponto de ônibus do bairro para irmos juntas. Nessa época, a passagem custava R$ 1,25, a meia de estudante era R$ 0,63. Ainda não existia bilhete único, nem integração, coisas que só foram aparecer lá para 2004. Os passes eram feitos de papel. A gente comprava de uma vez todos os passes do mês e ia destacando.
Na época nenhuma de nós tinha celular, ainda não existiam redes sociais. Não havia acesso a computadores nas residências. Nem telefone fixo eu tinha. Na ausência da tecnologia nossa amizade foi construída por conversas na ida e volta entre casa e escola. Íamos nas casas umas das outras, éramos adolescentes antes do primeiro emprego, ainda tínhamos as tardes livres após a escola.
Além do transporte, a coincidência entre nós eram nossas famílias com origens nordestinas e católicas. Frequentávamos as missas na mesma comunidade.
Participamos do grupo de jovens, fomos em retiros e fizemos amizades com jovens de outros bairros de paróquias da zona norte: Tucuruvi, Jardim Peri, Santana, Casa Verde, etc. Como ninguém tinha idade para dirigir, muito menos carro, os ônibus continuavam fazendo parte dos nossos passeios.
Quando uma de nós fazia aniversário, a gente se reunia e preparávamos um bolo simples de chocolate com cobertura de brigadeiro e cantava parabéns. Depois, vieram as baladas, conhecemos lugares que tocavam samba, outros que tocavam rock, para agradar o gosto de todas.
Mais uma vez os ônibus entravam como personagens das nossas aventuras. De esperar o dia amanhecer para os coletivos voltarem a circular, ainda não existia ônibus da madrugada (surgiu em 2015), muito menos Uber (que começa em 2014 na capital), táxi ficaria muito caro para chegar a Jova Rural.
Em quase 20 anos, a amizade passou das câmeras analógicas, que a gente aguardava ansiosamente para serem reveladas em uma hora, para as digitais. Depois nos celulares, indo para as redes que surgiram como o hoje o antigo Orkut, e o ainda existente Facebook.
Hoje em dia, mulheres adultas, chegamos ao ensino superior, algumas casadas e com filhos como Vanessa, Patrícia, Rejane. As duas últimas hoje vivem no Ceará. Outras como eu e Roselaine solteiras, sem filhos, donas de gatos (risos).
E as redes sociais que nos ajudam a manter o contato. Ver como cada uma cresceu como pessoa e matar saudade da nossa adolescência. De uma amizade que nasceu graças ao atraso de um ônibus. E das outras amizades que nasceram graças a isso.
Aline Kátia Melo é correspondente da Jova Rural
alinekatia@agenciamural.org.br