Todos os dias, Aparecida Maria Antônia Inocêncio, 77, é carinhosamente chamada de ‘mãe’, seja em casa, na calçada, na praça ou nas ruas do bairro BNH, no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.
Em 1975, Aparecida chegou ao Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, conhecido como BNH pelos moradores, o único bairro planejado do Grajaú. Ela veio com cinco filhos – Edemilson, Edméia, Edna, Edelise e Edson – e o marido, Geraldo.
O BNH, como é chamado pelos moradores, foi projetado em 1965 e financiado pelo extinto Banco Nacional de Habitação, na época em que a capital paulista estava em processo de industrialização. Os primeiros moradores vieram para a região apenas dez anos depois.
Naquela época, a comunidade estava em desenvolvimento, mas as opções educacionais eram escassas. “Só tinha a Escola Joaquim Bento. Samuel Vale não existia, Adelaide não existia. Era só o Joaquim, uma única escola para todos”, recorda Dona Aparecida, como é conhecida.
Diante dessa necessidade de mais colégios, Aparecida e outros moradores mobilizaram-se para melhorar as condições educacionais para os filhos. “Estávamos reivindicando uma classe de segunda série para as crianças que vieram para cá”, relembra. No entanto, enfrentaram resistência inicial da diretora da escola municipal Joaquim Bento Alves de Lima Neto.
Para fazer a diferença, ela se uniu à comunidade e começou a trabalhar como servente na escola. Apesar das dificuldades, encontrou apoio em colegas como Uta, uma professora que a incentivou a persistir.
Trabalhou 27 anos na prefeitura, sendo mais de dez na nessa escola. Isso explica por que muitos moradores e vizinhos a chamam de mãe.
“Um dia, estava no bar e uma moça ouviu um ex-aluno me chamando de mãe. Ela veio e me disse: ‘Dona Cida, eu não tenho mãe, posso te chamar de mãe também?'”
Quando chegou ao bairro aos 28 anos, Aparecida testemunhou a transformação de uma região sem infraestrutura em uma comunidade crescente. “Quando cheguei aqui, praticamente não existia nada”, recorda, descrevendo as condições precárias. “Não havia luz de rua, tínhamos apenas postes que acendíamos dentro de casa. A água era fornecida por uma única caixa d’água compartilhada por várias casas.”
Ela relembra os desafios com o abastecimento de água, que era frequentemente interrompido. “Quando começou a juntar muita gente, não tínhamos água suficiente. Íamos buscar água nos poços dos prédios vizinhos, cada um com sua corda e balde.”
Além das dificuldades com água e iluminação, o transporte público era escasso e inadequado. “Não tínhamos ônibus regulares”, conta. “A única opção era a Auto Viação 7 de Setembro, que mais tarde se tornou Cidade Dutra. Os ônibus eram antigos e muitas vezes superlotados.”
Uma das primeiras moradoras do bairro, ela vive há 50 anos na mesma casa. Além dos cinco filhos, tem 12 netos e 6 bisnetos, além de ser mãe simbólica de milhares de ex-alunos, filhos desses ex-alunos, vizinhos e pessoas que não têm mãe.
“A mamãe é muito querida e amada por todos no bairro. A força, resistência e persistência que ela transmite são fundamentais para que continuemos a caminhar e melhorar nossa região”, comenta Mara Luiza Carvalho, 59, moradora do bairro há mais de 40 anos.
Aparecida se sente satisfeita com essa trajetória. “Me sinto um passarinho fora da gaiola, aproveito tomando minha cerveja e ouvindo samba. Quem quiser me chamar de mãe pode chamar”, conclui a matriarca do bairro.