“Não existe justificativa para comer miojo”, diz a dona de casa Josefa Soares, 50, moradora de Sussuarana, em Salvador, mais conhecida como Jô. Com a alta dos preços, a horta no quintal, reaproveitar alimentos e frequentar a xepa em supermercados e feiras livres são algumas das dicas de donas de casa para economizar nas compras, escapar de produtos industrializados e manter a saúde.
A crítica de dona Jô ao produto se dá por conta da massiva utilização dele no cardápio do brasileiro em tempos de inflação. Segundo levantamento da Associação Mundial de Macarrão Instantâneo, o consumo do miojo teve alta de 11% em 2020, no país, em relação ao ano anterior. Foram cerca de 2,7 bilhões de porções de miojo consumidas no Brasil. Contudo, a opção, prática e econômica, não é considerada saudável.
“As famílias, principalmente pretas e pobres, infelizmente têm precisado fazer escolhas muito difíceis para conseguirem se alimentar”, observa a nutricionista Rejane Viana, que faz um alerta sobre os perigos do consumo desses produtos.
“Substituições de carnes por salsicha e mortadela, arroz por macarrão, aumentar consumo de miojo, comer mais biscoitos que raízes, acrescentar farinhas para render e dar mais sustância, reduzir leites e queijos, trocar manteiga por margarina, reduzir o número de refeições, enfim, tudo isso claramente se repercute na saúde, aumentando o risco de nutricídio, que são formas de morrer através da alimentação”, diz Rejane.
Dona Jô, que considera o consumo de miojo inaceitável, indica alimentos como o cuscuz por ser igualmente barato, render mais refeições e ser mais nutritivo. “Você pode fazer uma sopa, um cuscuz, um omelete com o resto da comida que sobrou meio-dia”, indica.
E exemplifica: “No almoço, pode ser feijão, arroz, um tipo de salada que tenha verdes, pois é muito importante para nossa nutrição, como alface, repolho, acelga. O alface é a melhor opção, já que é um produto muito barato”.
De olho nos preços e em uma alimentação mais saudável, a dona de casa Roseni do Nascimento, 39, ou Rose, como prefere ser chamada, resolveu investir no cultivo da sua própria horta.
“Sempre gostei muito de plantas, elas tornam o ambiente mais leve e gostoso. Então, com o absurdo dos preços decidi expandir meu olhar. Agora cultivo hortelã, algumas suculentas e temperos que posso aproveitar com as raízes que compro na feira”.
A moradora do Nordeste de Amaralina se diz satisfeita com os resultados. “É ótimo acompanhar o processo da nossa comida e não tem ciência no plantio. E ao invés de comprar o monte de hortelã, você colhe da sua hortinha e adiciona na comida ou naquele suco verde”, indica Rose.
Para manter uma alimentação equilibrada mesmo na crise, a autônoma Ana Paula de Jesus, 42, tem suas estratégias. “Estou sempre buscando pechinchar na feira aqui do Nordeste de Amaralina, costumo ir entre 10h30 e 11h00 horas porque os valores são mais baixos e encontro beterrabas, cenouras, batatas e outras verduras com boa qualidade, mas precisei reduzir a quantidade de carne”.
Para substituir a carne, dona Jô costuma explorar sementes que são fontes de proteína, a exemplo da adição de quinoa e amaranto no preparo do arroz. Assim como cozinha a lentilha e o grão de bico separadamente para adicionar em receitas com soja e feijão fradinho.
A nutricionista Rejane Viana recomenda que a substituição no cardápio inclua ovos e frango, que têm custos reduzidos quando comparados com carnes e peixes. Ela também indica, uma a duas vezes na semana, o consumo de vísceras, como fígado e moela e revezar até dois dias para almoço sem carne, investindo em proteínas de origem vegetal, presentes no feijão, soja, grão de bico, lentilha e outras leguminosas.
Dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto Pandêmico, divulgados neste ano, apontam que 55,2% da população brasileira, ou seja, mais da metade do povo, passava por alguma insegurança alimentar no final de 2020.
“Aqui em casa separamos o dinheiro das compras para o mês e quando vai acabando ficamos sem, vamos segurando a boca, porque com o pouco salário não sobra dinheiro para repor. O jeito é esperar chegar o próximo mês e fazer as compras”, contou a dona de casa Ana Paula.
INFLAÇÃO E SAÍDAS
O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2021” das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apontou que 23,5% da população brasileira, entre 2018 e 2020, deixou de comer por falta de dinheiro ou precisou reduzir a quantidade e qualidade dos alimentos ingeridos.
A inflação, responsável pelo aumento dos preços, está próxima a 10%. O economista Cairo Andrade explica que a taxa causa o aumento generalizado dos preços e ocorre, por exemplo, quando muitas pessoas começam a procurar um mesmo produto, ou quando por algum motivo produtivo a mercadoria torna-se difícil de encontrar.
Segundo Andrade, a alta também está relacionada à negociação dos gêneros alimentícios produzidos no Brasil (soja, arroz, carne bovina, café) diretamente na bolsa de valores, pois quanto mais outros países compram, menos sobra para o consumo interno.
O economista ainda aponta outras razões que impactam nossa economia, como a cotação dos produtos em dólar, considerando a desvalorização do real diante da moeda estrangeira, e a atual crise hídrica em paralelo com a alta dos preços dos combustíveis e energia (gasolina, gás de cozinha).
Andrade entende que não existe fórmula mágica para a população pobre enfrentar e sair dessa crise, mas ressalta a importância de fomentar a economia local.
“É preciso adotar a estratégia de comprar o máximo de mercadorias possíveis nas mãos de pessoas que se assemelham com a gente. O efeito é gerar emprego e renda dentro da própria comunidade, ao invés de ir para as mãos de grandes empresas multinacionais que não tem nenhum compromisso com a sociedade”, disse ele.
Dona Jô é uma dessas consumidoras atenta aos preços locais. “Tem que comprar frutas e verduras em lugares no bairro que têm muitas opções, e você pode fazer uma pesquisa sem precisar de transporte”, diz dona Jô.
Pesquisando, ela viu que o melhor dia para comprar frutas e verduras em Sussuarana era terça e quinta-feira, quando consegue 50% e até 70% de desconto em frutas e verduras mais maduras que não chegaram na hora.
O melhor dia é o dia da xepa, que é quando as sobras dos alimentos precisam ser vendidas ou são descartadas. Saber os horários e dias da xepa é o grande segredo da economia para dona Jô.
A dica dela para aproveitar o baixo preço de alimentos mais maduros e não desperdiçar é congelar. “Após higienizar, é preciso cortar, guardar em vasilhas e congelar, assim é possível consumir em até três meses, utilizando por exemplo, bananas, mangas, goiabas etc em sucos, vitaminas, geleias e outras receitas”, indica.
“Abóbora eu cozinho e boto no congelador, mas as outras verduras aguentam. Se no caso achar que o tomate é bem maduro, faço a higienização e faço o molho de tomate. A última vez que comprei foi a R$ 0,79 o quilo. Comprei mais de quatro quilos e fiz meu extrato de tomate. Basta colocar para cozinhar, é muito mais saudável, não tem química nenhuma. Além de mais barato”, explicou dona Jô.
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Ela contou também como tem substituído o leite nas refeições. “É só colocar qualquer tipo de semente de molho e no outro dia passar no liquidificador para substituir o leite, que foi um dos itens que aumentou muito o preço. Pode fazer o leite de banana também, você pega a banana, coloca no congelador, no outro dia pega a porção de banana, bate no liquidificador com água, aí já é um leite maravilhoso que tem mais cálcio ainda do que o próprio leite, pode ser consumido com chocolate em pó, outras frutas, e em vitaminas”, receita.
Conforme a nutricionista Rejane, a preocupação com a alimentação é fundamental e alerta: “Manter uma alimentação com baixos níveis de qualidade tem impactos diretos na saúde. A pouca qualidade dos alimentos podem trazer doenças crônicas como problemas cardiovasculares (hipertensão, colesterol elevado), obesidade e diabetes, baixa disposição do corpo, prejuízos no desenvolvimento físico e mental, além da má nutrição em caso de idosos e gestantes”, diz.
E conclui com uma dica importante na hora de escolher a alimentação. “Descascar mais e desempacotar menos”, resume Rejane.
DICAS DA ROSE PARA INICIAR SUA PRÓPRIA HORTA
Pegue a raiz do tempero que deseja cultivar (ex: hortelã) e ponha em um copo d’água;
Após dois ou três dias, retire e ele estará com raiz;
Separe uma vasilha antiga e faça cinco furos no fundo. Eles irão ajudar na fluidez da água e ventilar as raízes;
Consiga uma quantidade de terra suficiente para encher o recipiente;
Fortaleça sua terra colocando alguns adubos caseiros, como ovos e resto de verduras;
Molhe diariamente sua planta entre 6h e 7h da manhã, quando o Sol ainda está fraco;
Realize esse trabalho diário e logo você terá bons frutos!