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Falta de ecopontos nas periferias causa dificuldades para moradores e gera pontos viciados

Léu Britto/Agência Mural

Distribuição do serviço é desigual e metade das subprefeituras têm menos de um ecoponto para 100 mil habitantes

Por: Jacqueline Maria da Silva | Luís Antônio

Notícia

Publicado em 12.06.2024 | 16:22 | Alterado em 14.06.2024 | 16:00

Tempo de leitura: 5 min(s)

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Móveis, colchão, madeira, entulho, material de construção presentes em ruas, avenidas, vielas e calçadas. Uma cena frequente para Izilda Rodrigues, 64, do bairro Gráficos, em Cidade Tiradentes, desde que o prédio onde mora e atua como síndica virou um ponto viciado de descarte irregular no distrito da zona leste de São Paulo.

O amontoado tem trazido pragas, poluição visual e impacto no bolso dela e dos 40 moradores do conjunto habitacional. Certa vez, eles tiveram que arcar com a reforma do muro pelas trincas causadas pela queima dos materiais descartados por vizinhos próximos do condomínio.

Como o Cata Bagulho, serviço da Prefeitura para recolhimento de entulhos, aparece uma vez por mês, ela afirma que a solução seria ter mais ecopontos, além dos três existentes na região.

Distrito de Cidade Tiradentes têm apenas três ecopontos @Léu Britto/Agência Mural

‘Tem tanto terreno, espaço pra poder fazer. Pelo menos, evitaria aquela imundice na minha esquina’

Izilda, moradora de Cidade Tiradentes

A falta do serviço vivido por ela é a mesma de diversas periferias da cidade, em meio a falta de cumprimento das metas para melhorar a coleta desses materiais.

No PGIRS (Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos), de 2014, estavam previstos a implantação de  300 ecopontos até 2020. Segundo a atual gestão, a meta atual é de chegar a 200 ecopontos até o final deste ano. A cidade atualmente conta com  137 ecopontos entregues, e só 127 estão em funcionamento.

O QUE É ECOPONTO?

Ecopontos, ou Estação de Entrega Voluntária de Inservíveis, são pontos de entrega voluntária de materiais que não são mais úteis.

São recebidos nesses locais:

  • Móveis velhos, madeiras, entulhos, podas de árvores ou restos de jardim, cal, latas de tintas;
  • Materiais recicláveis como papelão, vidro, metal e plástico.
  • Alguns locais aceitam o descarte de gesso.

Existe um limite de até 20 sacos de entulho para serem levados diariamente por pessoa. Já os móveis, não são aceitos inteiros, é necessário quebrar e levar em partes.

Entre os ecopontos existentes, a localização deles pela cidade é desigual. Dados obtidos pela Agência Mural, via Lei de Acesso à Informação, mostram que a Subprefeitura da Mooca, na área central, concentra 11 ecopontos, mesma quantidade do que seis distritos periféricos da zona sul juntos: Cidade Ademar (2), Parelheiros (0), Campo Limpo (5), Capela do Socorro (1), M’Boi Mirim (1), Jabaquara (2).

Para se ter ideia de como essa dimensão afeta o descarte, a Mooca que tem 11 ecopontos teve 3.716 pedidos de remoção de entulho e grandes objetos em vias públicas em 2023, sendo a nona com mais solicitações. Capela do Socorro que tem apenas um registrou 4,5 mil.

Em Cidade Tiradentes, Izilda se queixa que a quantidade é insuficiente. O ecoponto mais próximo fica a três quilômetros, sob o risco de encontrá-lo lotado, obrigando um novo deslocamento para outras regiões.

Outro problema é que os serviços que foram concluídos desde o ano passado, como os ecopontos Paulistinha e 24 de Agosto, na Cidade Tiradentes, continuam de portas fechadas e sem caçambas.

Léu Britto/Agência Mural

Léu Britto/Agência Mural

Léu Britto/Agência Mural

Léu Britto/Agência Mural

Léu Britto/Agência Mural

Léu Britto/Agência Mural

No distrito há três ecopontos para uma população de 237 mil habitantes – o equivalente a 1,26 para cada 100 mil moradores. Há locais em São Paulo ainda piores. Em 16 subprefeituras há menos de um equipamento para 100 mil habitantes.

É o caso de Cidade Ademar, na zona sul, onde há apenas um para quase 400 mil moradores.

“Se é longe, eles [prefeitura] podiam pelo menos fazer um transporte e deixar um valor unitário para retirar na casa da pessoa”, acrescenta Elisa Cavalcante, 34, que mora no Jardim Zaíra, em Cidade Ademar, zona sul da capital.

Elisa reclama da falta de informação sobre o serviço. A jovem só descobriu que morava a um quilômetro e meio de um deles pelo cunhado que é catador, depois que já tinha descartado uma beliche e um sofá no caminhão de lixo comum, orientada pelos próprios agentes de limpeza urbana.

‘Nunca passaram na minha casa. Ninguém sabe deste ecoponto. Acredito que eles tinham que dar mais visibilidade, alguém entregando um panfleto e explicando, porque você vai lá na rua de baixo e tem um monte de coisa jogada fora’

Elisa, moradora de Cidade Ademar

Cadê meu Ecoponto?

A percepção sobre a falta dos equipamentos, de informação e de fluxo de descarte é real, aponta Carlos Henrique Andrade de Oliveira, arquiteto e urbanista especialista em gestão ambiental.

Em 2004, a Prefeitura firmou contrato de terceirização com duas concessionárias que seriam responsáveis pela limpeza urbana e tratamento dos resíduos, entre outros serviços, por um período de 20 anos.

No ano de 2014, as atribuições e serviços foram organizados no PGIRS (Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos), que estipulou a meta de 300 equipamentos até 2020.

O plano inclui ainda ferramentas de eficiência no descarte correto, como caçambas em regiões de difícil acesso, a educação da população sobre os pontos e a criação de um fluxo de economia solidária com a reciclagem de materiais. Nenhum deles foi executado, reforça o especialista.

Moradores reclamam da quantidade de serviços na capital @Léu Britto/Agência Mural

Carlos ressalta que o plano foi construído por meio de audiências públicas nas 32 subprefeituras, da participação popular de moradores e de catadores e catadoras de materiais recicláveis, assim como do levantamento de mais de 2.000 pontos viciados na cidade de São Paulo.

O arquiteto estima que 65% dos resíduos orgânicos e 85% dos resíduos secos/recicláveis teriam sido recuperados e mais de 30% de postos de trabalho teriam sido criados, caso o plano tivesse sido efetivamente implementado.

Este ano, o contrato com as concessionárias completa 20 anos e chega ao fim. A Prefeitura tenta desde 2023 a renovação dos acordos por mais 20 anos sem licitação.

Segundo o G1, o governo municipal anunciou que recebeu o aval do Tribunal de Contas do Município para a renovação do contrato de cerca de R$ 80 bilhões com a Ecourbis e Loga, empresas que não cumpriram o plano.

Em nota, a Secretaria Municipal das Subprefeituras confirmou a presença de 127 ecopontos espalhados pela capital com a meta de chegar a 200 até o final deste ano e que segue como guia para obras e ações o Programa de Metas de Gestão

A Agência Mural pediu esclarecimentos para a subprefeitura de Cidade Tiradentes sobre a ampliação dos ecopontos, de caçambas de gesso, se existe alguma iniciativa que evite o descarte irregular, além da data de inauguração dos equipamentos instalados, mas, até a publicação desta reportagem, não tivemos resposta.

Trabalhador carrega entulhos em Cidade Tiradentes @Léu Britto/Agência Mural

Preocupação nas periferias

“Quando a gente anda pela [Avenida] Paulista, por exemplo, dificilmente vemos o lixo escancarado”, lembra a cientista social Gabriela Alves dos Santos, 25, da Brasilândia, na zona norte, atribuindo a questão dos pontos viciados ao racismo ambiental.

Para a especialista em urbanismo social, co-fundadora do Perifa Sustentável, instituto que atua em prol do desenvolvimento sustentável, e Gota do Oceano, movimento de co-criação de soluções para comunidades marginalizadas, os déficits na gestão de resíduos ferem direitos humanos nos mais diversos aspectos.

Os moradores das periferias, sobretudo a população negra, que são maioria nesses territórios, acabam sendo os mais afetados com as consequências com alagamentos, sobrecarga nos serviços de saúde pública por agravos de saúde e até na influência do meio construção da autoestima e na saúde mental dos jovens.

Em contrapartida, a questão ambiental nem sempre é uma prioridade de pessoas em maior vulnerabilidade por conta de preocupações básicas, como a garantia de sustento. “A pessoa que está passando fome, vai querer lidar com lixo?”, questiona.

Ela pontua que os ecopontos são parte de uma solução, e não o todo e que é necessário construir estratégias micro territoriais com envolvimento da população.

“A construção de políticas públicas vem do exercício de olhar um problema da minha rua e pressionar as estruturas, provocar os agentes que já estão no território, como Ongs e movimentos, se organizando para subir esta demanda para o governamental”, diz Gabriela. “Nenhuma construção pública ou solução vem individual.”

SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA DO DESCARTE:

  • Adequar horários dos pontos de coleta para que trabalhadores consigam acessar em outros horários
  • Criar moedas sociais de troca
  • Conscientizar sobre a separação dos materiais
  • Refletir sobre o consumo.

Esta reportagem foi produzida com apoio daReport For The World

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.

Luís Antônio

Jornalista, tenho um pezinho na música e sou curioso por tecnologia. Além de fazer carinho nos cães e gatos de rua, curto boas histórias, filmes, séries e memes, sou bom de garfo e gosto de andar por aí. Correspondente de Cidade Tiradentes

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