Começou a contagem regressiva: daqui há pouco menos de um ano, em 6 de outubro de 2024, os brasileiros voltarão às urnas para o primeiro turno das eleições municipais, quando escolherão os prefeitos e vereadores.
Um grupo, em especial, deve fazer a diferença: os jovens periféricos. Eles já estão em movimentos populares, partidos políticos ou trabalhos comunitários em seus bairros e territórios, provando que existem muitas formas de participação e que, ao contrário do que prega o senso comum, são sim interessados em participar de debates e movimentos pelas pautas que acreditam.
Nas últimas semanas, a Agência Mural conversou com jovens envolvidos com política das periferias da Grande São Paulo para saber deles quais os anseios e desejos com a política municipal.
Cada vez mais, os jovens periféricos ocupam espaços, institucionalizados ou não, para fazer debates políticos – incluindo as redes sociais, onde conseguem dar visibilidade aos discursos. O fato é que a participação política dos jovens, com os anseios, desejos e questionamentos próprios da idade, é fundamental para o desenvolvimento da sociedade, como concordam especialistas.
Política partidária
Nas últimas eleições, realizadas em 2020, a hoje vereadora de Mogi das Cruzes Maria Luiza Fernandes (Solidariedade), 23, se tornou uma das pessoas mais jovens a assumir o cargo nas Câmaras Municipais do estado de São Paulo.
Conhecida como Malu e moradora do bairro Ponte Grande, ela atribui a vitória ao engajamento na política desde cedo, que a tornou uma referência entre jovens da sua geração na cidade.
"Não me identificava com a questão do jovem na política até que, em 2019, decidi me candidatar para poder contribuir nesse quadro de Mogi, que na época era composto por 23 vereadores e somente uma mulher. Não havia nenhum jovem"
Maria Luiza Fernandes, 23, vereadora
A situação reflete uma realidade da Grande São Paulo: apenas 10 das 39 cidades da região elegeram jovens de até 24 anos para ocupar uma cadeira no parlamento municipal entre 2020 e 2024.
Dentro dos partidos a situação não é diferente. Na cidade de São Paulo, não chega a 1% o total de filiados entre 16 anos, idade mínima para ingressar em um partido, e 24 anos. O distrito de Pedreira, na zona sul, é o com o maior número absoluto de jovens filiados a partidos políticos: 237. Na sequência vem Parelheiros (186), também na zona sul, e Perus (174), na zona norte.
É lá onde mora a socioeducadora Nica Gonçalves, 21, vinculada há dois anos a um partido de extrema esquerda. Ela prefere não revelar a sigla. Sem pretensão de concorrer a cargos políticos, Nica se filiou para participar deste espaço de debate sobre questões que considera importantes para os jovens das periferias, em especial o combate ao racismo e à políticas higienistas, duas pautas em que está bastante envolvida.
Ela acredita que, para além dos partidos, a atuação como comunicadora e educadora na comunidade também é uma forma de militância, de posicionamento e de denúncia das "dores" vivenciadas nas periferias.
"Minha reivindicação é só por existir. Um dia mais já é uma grande resistência para mim. Por isso, eu geralmente utilizo de diversas linguagens artísticas e histórias para o meu reconhecimento e dos outros nesse território", diz Nica, que tem a ancestralidade ligada a cultura indígena da etnia Tupinambá e a população negra.
"Corpo político" e outras formas de ativismo periférico
"Não fazia sentido ‘atravessar a ponte' para tentar buscar algo diferente para mim, sendo que minha intenção era estar com os meus. Tudo que eu faço é pensar no meu território, de forma política, porque meu corpo é político", relata Nica sobre o rompimento com um grupo de teatro na região central de São Paulo, onde sentiu que prevalecia o racismo estrutural.
Ela decidiu, então, se voltar para coletivos culturais da zona norte de São Paulo, como a Batalha da Encruzilhada, Casa de Cultura da Brasilândia e as batalhas de Slam. "Aqui é muito potente", complementa.
A falta de representatividade da quebrada também levou o estudante de letras Rafael Lucas Leonel Cyríaco, 25, a se afastar dos movimentos de esquerda que frequentava para cofundar o Maloka Socialista, em 2019, no extremo sul da capital paulista. O coletivo é ligado ao PSOL (Partido Socialista e Liberdade), do qual é filiado há três anos.
"Trabalhamos com pautas de quebrada, como as eleições do Conselho Tutelar, por compreender que este é um espaço importante para a gente ocupar. Também atuamos com outras pautas de sobrevivência, chamadas identidades, como as questões de negritude, LGBT, mulheres, trabalhadores, leis culturais e hip-hop"
Rafael Lucas Leonel Cyríaco, 25, cofundador do Maloka Socialista
A defesa e valorização dos territórios periféricos são assuntos que também fazem parte das atividades cotidianas de Rafael. O morador da Vila da Paz em Cidade Dutra, zona sul, ele ouve outros jovens de periferia e com os relatos ajuda a produzir o podcast Memórias Quebradas, criado por eles e outros estudantes da Universidade de São Paulo (USP), onde estuda, para trazer discussões e histórias de distritos do extremo sul de São Paulo.
O engajamento de Nica e Leonel representa um comportamento bastante presente entre os jovens das periferias: ocupar espaços políticos, institucionalizados ou não, para fazer debates e dar visibilidade às pautas que defendem. As redes sociais são, inclusive, um desses locais, justamente pela visibilidade que proporcionam.
"A juventude pode identificar demandas comuns e de interesse dos jovens no Brasil. Ela pode olhar para uma política pública de desenvolvimento nos lugares em que moram e avaliar como equacionar os débitos com esse público"
Rafael Araújo, cientista político
Política, pra que te quero?
Um dos avanços possibilitados com a atuação política de jovens foi a inclusão de debates historicamente importantes para as periferias na esfera pública, como políticas de acesso à cultura, educação e emprego.
"Uma das pautas exitosas mais recentes foi a luta contra a privatização das Casas de Cultura em que estivemos muito próximos enquanto periféricos. Era uma das propostas da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que após pressão foi suspensa, por enquanto", lembra o estudante Rafael.
Na Câmara de Mogi das Cruzes, a vereadora Malu também debate temas que impactam diretamente a vida dos jovens, como educação, transporte, violência de gênero, emprego e profissionalização. Muitas das demandas, inclusive, chegam até ela por meio dos jovens, já que a vereadora participa frequentemente de debates e rodas de conversa nas periferias e escolas.
“Não conseguimos criar a tarifa zero [no transporte público] para os estudantes por falta de orçamento, mas aprovamos essa política nos dias das provas do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Se não tivesse um jovem na Câmara, um projeto como esse nem seria pensado”, explica.
Porém, apesar das vitórias, Malu pontua que a atuação de jovens no parlamento tende a ser ainda mais desafiadora. Além das batalhas legislativas e ideológicas, eles precisam comprovar a capacidade de gestão a todo momento, o que não ocorre com as pessoas mais velhas, principalmente com os homens. Ela avalia, no entanto, que têm ajudado a desconstruir estereótipos sobre jovens com a atuação na Câmara de Mogi, e ampliado a visibilidade às mulheres, sobretudo das periferias.
"Entrei com mil expectativas, mas a máquina pública tem um tempo e uma metodologia próprias. Eu tinha vontade de apresentar um projeto, mas não tinha noção que precisava cumprir um caminho para isso".
Fica explícito que falar em juventude e política é falar de renovação e a transformações benéficas para a sociedade. “Contudo, um dos desafios da juventude é não ser contaminada pelo conservadorismo e pelo modus operandi da velha política”, alerta Araújo, lembrando que os jovens são a ponte entre os adultos, que já estão no universo político, e as novas gerações.