Um dos cuidados para combater o novo coronavírus é simples: lavar as mãos. No entanto, conseguir água para isso não tem sido fácil para parte dos moradores do distrito de Marsilac, no extremo sul de São Paulo.
Quem mora no Jardim Emburá não tem acesso a saneamento básico, e precisa buscar água em minas ou, em alguns casos, poços caseiros.
Em um outono seco, a situação piora: até mesmo nestes locais, abastecidos pelos lençóis freáticos do solo, está faltando água. “Estamos sem água até para lavar o rosto. Pior que o sertão. A gente não tem 5 litros de água por dia aqui”, revela o conselheiro gestor da UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro, Mariano Ferreira de Queiroz, 64.
O motorista de aplicativo Alex Souza Amaral, 32, relatou situação parecida. “O poço de casa está quase vazio, então temos recorrer a água de uma mina que o pessoal aqui da rua utiliza. Essa é a nossa única fonte, se não fosse essa mina, provavelmente teríamos que comprar”, conta.
Moradores requisitaram, por meio da associação do bairro SOS Marsilac, um caminhão-pipa à Sabesp, mas até terça-feira (2), não o receberam. Questionada, a companhia afirma que não há registro do pedido de um caminhão-pipa para a região.
ÁGUA CONTAMINADA
Em janeiro de 2018 a Agência Mural mostrou que a região aguardava há mais de 10 anos a construção de uma estrutura de saneamento. Além de os moradores terem que ir até minas ou poços caseiros para buscar água, o líquido vinha contaminado com amônia, nitratos e bactérias coliformes fecais.
A última análise feita pela prefeitura demonstra que a situação não mudou. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, em 2019, a água da região ainda estava imprópria para consumo humano.
“Quando detectada alguma contaminação, a população é orientada a realizar a desinfecção da água com o uso de hipoclorito de sódio”, afirma o órgão.
COVID-19
Entre os pouco mais de 8.000 habitantes do distrito do Marsilac, já há casos de Covid-19. A Secretaria Municipal de Saúde não detalhou quantos são eles, mas estima que há 136 pessoas infectadas ou com sintomas da doença. Até 27 de maio, o distrito tinha registrado 7 mortes entre casos suspeitos e confirmados da enfermidade.
Maria Rocha Souza Amaral, 61, é dona de casa e mãe do motorista Alex. Após ter febre e buscar atendimento na unidade de saúde, foi testada e diagnosticada com o novo coronavírus. Ela não precisou de internação, e se curou em casa.
Dias depois, os filhos sentiram falta de olfato e paladar, sinais da Covid-19, mas não foram testados por serem considerados assintomáticos. Todos eles estão isolados em casa, dependendo da água do solo para desinfectar os objetos que usam.
De acordo com Luís Nali, biólogo, virologista e professor da Universidade Santo Amaro, até o momento não há nenhum caso confirmado de transmissão de coronavírus por meio de alimentos higienizados por água contaminada.
Apesar disso, o consumo de água não-potável pode prejudicar ainda mais a saúde de quem já está com o vírus. “Temos uma série de doenças que podem debilitar o sistema imune do indivíduo. E as consequências da união da covid-19 com essas outras doenças podem ser impactantes”.
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SANEAMENTO PROIBIDO?
O Jardim Emburá fica dentro de uma área de proteção permanente em São Paulo, mas a instalação de sistemas de água e esgoto no local não é proibida pela legislação estadual.
As restrições impostas por lei exigem apenas que as obras sejam submetidas a uma licença da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), além de autorizações da prefeitura.
Quando questionada se pretendia ampliar a rede de saneamento básico da região, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente apenas endossou que a Sabesp não pode atuar sem autorizações ambientais e do município, mas não esclareceu se tem planos de levar sistemas de água e esgoto no Jardim Emburá.
Em 2019, uma obra de mais de R$ 2 milhões implantou a infraestrutura de saneamento básico no bairro vizinho ao Emburá e que dá nome ao distrito: o Marsilac.
Ao todo, 280 famílias foram beneficiadas pelo projeto, que incluiu tanto a implantação de Estação de Tratamento de Água do local, quanto as redes de distribuição e ligações domiciliares.
Mas o avanço terminou por ali, a poucos quilômetros da casa Eleno Marques Bezerra, 84, conselheiro gestor da UBS Jardim Emburá e um dos principais militantes pelo saneamento na região.
Para sobreviver aos dias de seca e pandemia, Eleno conta com a ajuda da neta, que doa para ele parte dos litros de água que consegue coletar no poço de casa. Parte do grupo de risco do novo coronavírus, Eleno economiza cada gota que recebe. “Só temos água quando chove”.