Sentimento de medo, angústia e incapacidade de se mover. É assim que o músico Matheus Balneário, 20, morador da Vila Missionária, na zona sul de São Paulo, relata crises de paralisia do sono.
“Sinto muito medo, parece que meu corpo endurece todo. Meu pescoço começa a formigar, é como se eu estivesse levando um choque, ou que alguém estivesse deslizando as unhas sobre mim”, diz.
A paralisia do sono é uma incapacidade de se mover ou falar ao adormecer ou ao acordar. Por ter relação com noites mal dormidas, excesso de preocupação e ansiedade, as crises podem aparecer com mais frequência neste período de quarentena.
Matheus acredita que as crises que ele tem estão ligadas ao estresse do dia a dia.
Desde que começou a quarentena, Balneário não conseguiu trabalhar em home office. Sair todos os dias da Vila Missionária para o centro de São Paulo, o deixava apreensivo.
“Se você está saindo para trabalhar nesse período pegando ônibus lotado, você já se depara com o medo, com a apreensão. Você não sabe quem está contaminado com o Covid-19, quem segurou na barra do ônibus. Você precisa redobrar a atenção. Essa atenção, mais o medo, gera uma ansiedade”, diz Balneário.
Alguns especialistas indicam que para ter um sono tranquilo e sem crises é muito importante manter uma rotina de sono adequada e ter um local com poucos estímulos, mas nem sempre é possível para quem é morador de periferia, e vive em um ambiente pequeno e com muitas pessoas.
ANGÚSTIA
“A paralisia do sono é uma parassonia, conjunto de alterações que ocorre no processo ou do despertar ou adormecer. E como o nome sugere é uma incapacidade de mover-se voluntariamente”, diz o psiquiatra Cláudio Viegas, 35.
As crises costumam durar aproximadamente 1 minuto, mas podem seguir por mais tempo. Cláudio explica que quando ocorre no despertar pode vir com um fenômeno que se chama “alucinação hipnagógica”, uma sensação de angústia, mal estar e perigo, que por muitas vezes é interpretada como opressão ou perseguição por entidade sobrenatural.
“Todas as crises eu sempre escutava gargalhadas, parecia que eu estava em local cheio de pessoas dando risada, mas nunca via ninguém”, relata a pedagoga Carolina Neves, 35, que sofreu com paralisia do sono por aproximadamente 14 anos. As crises eram recorrentes pelo menos duas vezes por semana.
“Era uma sensação horrível, eu não conseguia me mexer ou falar, ficava de olhos abertos, mas meu corpo ficava totalmente paralisado”, conta.
Uma das primeiras reações de quem sofre com paralisia do sono é pesquisar na internet. Nas buscas, geralmente as alterações estão ligadas a questões espirituais.
“Nunca procurei ajuda médica, toda vez que tinha uma crise contava para minha mãe. Ela só passou a acreditar quando fui crescendo e as crises continuaram”, relembra Carolina.
“A única ajuda que procurei foi em igrejas e centros espíritas e em ambos os locais foram me orientando e ajudando. Desde então isso foi me acalmando e até hoje não tive mais crises”, relata Carolina.
A estudante de publicidade Bianca Sousa, 24, é de uma família religiosa. Diz que o pai sempre associou a paralisia a algum tipo de castigo por pecados. Por outro lado, ela sempre preferiu fazer pesquisas para obter explicações científicas sobre o caso.
Além da falta de informações sobre o tema, uma das questões que os entrevistados levantaram foi a falta de grana para pagar as sessões médicas.
O DJ Rodrigo de Sá, 32, morador de Diadema que também sofre com as crises de paralisia do sono, relata que desde que começou a fazer acompanhamentos médicos com psicólogos as crises diminuíram.
Mas nesse período de quarentena não conseguiu ir a nenhuma consulta por questões financeiras. “Sempre passei em consultas particulares, mas o custo é muito alto. Embora não tenha tido nenhum diagnóstico, sinto que as sessões de terapia me ajudavam”.
Viegas explica que não existe uma causa específica para as crises de paralisia do sono e alucinações. As crises são consideradas normais pela ciência.
“Uma paralisia ocasional pode ocorrer em até 8% dos jovens adultos. Durante a vida, 25% a 50% das pessoas experimentam o episódio pelo menos uma vez, segundo dados americanos”.
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Apesar de assustadoras, essas características podem ser normais e fazer parte do REM (Rapid Eye Movement) como é chamado o movimento rápido dos olhos – fase do sono profundo na qual ocorrem os sonhos mais vividos.
“Não há necessidade para tratamento específico quando os episódios são isolados e de avaliação médica, apenas se os episódios se tornarem mais frequentes ou estiverem associados a algum outro distúrbio”, relata Viegas.
O psiquiatra relata que existe uma correlação entre alterações gerais na qualidade do sono e situações de ansiedade ou estresse. “Em um momento de pandemia existiria uma relação teórica para aparecimento desse tipo de parassonia, mas certamente em associação com outros sintomas relacionados ao estresse agudo”, conta Viegas.