Valquíria dos Santos, 34, é mãe de Theo Lorenzo dos Santos, 5, diagnosticado em fevereiro de 2024 com TEA (Transtorno do Espectro Autista), nível 1 de suporte. Moradora do Gardênia Azul, bairro periférico de Suzano, na Grande São Paulo, ela tem se deparado com obstáculos para obter o acompanhamento médico necessário, um direito de quem tem TEA.
“Foram 10 meses de espera para ser atendida pelo neurologista e conseguir o diagnóstico do meu filho”, afirma. Atualmente, ela e o marido dependem do SUS (Sistema Único de Saúde) e da rede municipal para garantir o tratamento adequado à criança.
Mesmo com o diagnóstico, Valquíria relata que não está conseguindo uma vaga na UBS Jardim Alterópolis, que é o posto mais próximo de casa. Ela tem procurado o atendimento desde fevereiro e, em março, ouviu da enfermeira que iriam avaliar se o filho dela “realmente necessita do acompanhamento.”
Valquiria deixou o emprego como cuidadora para se dedicar integralmente aos cuidados de Théo. O menino nasceu com espinha bífida, uma condição em que a medula espinhal do bebê não se desenvolve normalmente durante a gestação, com isso, ele enfrenta dificuldades de locomoção.
Desde os primeiros anos de vida do filho, Valquíria tem buscado por um cirurgião pediátrico pelo SUS para realizar uma reparação na coluna. No entanto, de acordo com ela, devido à escassez de especialistas disponíveis na rede pública de saúde, não tem conseguido prosseguir com o tratamento.
Além da dificuldade de acesso à saúde, Valquíria também enfrenta desafios na educação. Matriculado na Emef (Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental) Esther Hidalgo Leite Rondinelli, ele não tem o acompanhamento de um AAI (Agente de Apoio à Inclusão), o que dificulta o aprendizado.
Théo tem transtorno alimentar seletivo, uma condição comum em crianças com TEA, em que apresenta uma preferência restrita por certos alimentos e recusa de outros. Por esses motivos, Valquíria está solicitando, há alguns meses, a presença de um agente, mas também não obteve sucesso.
Questionada pela mãe, a responsável pelo AEE (Atendimento Educacional Especializado) da escola informou que não há necessidade de um auxiliar de apoio, pois Théo está recebendo a assistência necessária para se alimentar.
“O Théo precisa da assistência de um agente, não apenas de ajuda das ‘tias’ da escola para comer”, relata Valquíria.
Vale ressaltar que a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/12), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, determina que as crianças diagnosticadas com TEA têm o direito à disponibilização de um acompanhante especializado em sala de aula quando constatado a necessidade.
De acordo com dados divulgados em fevereiro pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em parceria com o MEC (Ministério da Educação (MEC), as matrículas na educação especial ultrapassaram 1,7 milhão em 2023. Em comparação com 2022, houve um aumento 0,8%.
Apesar desses números, os obstáculos ainda estão presentes no dia a dia. “Confesso que eu cansei. Já tentei contato com a Secretaria de Educação de Suzano para pedir o apoio de um auxiliar em sala de aula, mas não consegui nada”.
Outras histórias, os mesmos desafios
Valéria dos Santos, 37, é mãe solo de Nathan dos Santos, 10, diagnosticado aos 4 com TEA, nível 1. Moradora do bairro Jardim Varan, outra periferia de Suzano, ela depende dos serviços da rede municipal para assegurar o acompanhamento médico para o filho.
Nathan passou cerca de quatro anos sem terapia com psicólogo, o que resultou em um retrocesso no tratamento dele. Valéria conta que até 2020 ele fazia sessões na UBS Jardim Alterópolis, mas após o período de quarentena da pandemia, não conseguiu mais.
‘A psicóloga do posto me disse que não poderia atender o meu filho, pois a unidade está sem estrutura, mas não entendo por que antes da pandemia [de Covid-19] tinha’
Atualmente, depois de muita insistência, Valéria conseguiu um acompanhamento psicológico em grupo quinzenalmente. No entanto, ela ressalta que o período em que Nathan ficou sem esse auxílio prejudicou o desenvolvimento e ele passou a ter algumas crises.
“Na escola, por exemplo, devido ao som alto, ele precisa andar com abafador no ouvido. Isso representa um retrocesso no tratamento para mim”, afirma.
Além disso, Valéria está enfrentando dificuldades para adquirir os medicamentos receitados pelo neuropediatra. Nathan precisa tomar diariamente risperidona, centralina, entre outros remédios.
“Eu vou à UBS e dizem que esses remédios estão em falta. Não tenho condições de comprar todos esses medicamentos. Isso me preocupa bastante, pois esse mês eu conseguir me virar e comprar, mas e no mês que vem?”, questiona.
Abrindo os olhos para o autismo
O projetista mecânico Osmar Matsuki Tobita, 29, e Rayanne Castro, 31, autônoma, são pais de Arthur Matsuki, 5, diagnosticado com TEA, nível 1. Moradores do bairro Jardim América, eles estão em busca de um psicólogo infantil, mas não estão encontrando um profissional da rede municipal disponível na região. Eles lamentam a escassez de profissionais em Suzano.
“Sinto que os poucos profissionais disponíveis estão bastante sobrecarregados”, comenta Osmar.
Hoje, após muita luta, Arthur conseguiu realizar sessões quinzenais com o fonoaudiólogo na UBS Palmeiras. Os pais ressaltam a importância desse especialista no desenvolvimento da fala e expressam o desejo de que as sessões ocorressem semanalmente.
Rayanne lamenta a falta de compreensão da população sobre o Transtorno do Espectro Autista, pois já testemunhou expressões de desaprovação quando Arthur está em crise em locais públicos.
‘As pessoas que não conhecem TEA, associam as crises do Arthur como se fosse pirraça, mas está longe de ser isso. Claro que isso é reflexo da falta de conhecimento, mas é preciso abrir os olhos para o autismo’
Situação atual de Suzano
Em relação à falta de fonoaudiólogos e psicólogos na UBS Jardim Alterópolis, a Secretaria de Saúde de Suzano afirma que aguarda a apresentação de dois novos profissionais para dar continuidade à reorganização das agendas. Porém, não informou uma previsão de chegada.
A pasta ainda acrescentou que todas as 24 unidades da Atenção Básica contam com psicólogos. No entanto, os casos são priorizados de acordo com a gravidade, o que acaba influenciando no tempo de espera para início do tratamento.
Em relação à cirurgia de Théo para correção da espinha bífida, a secretaria afirmou que em 2018 foi solicitada à Secretaria de Estado da Saúde uma vaga para consulta com neurocirurgião pediatra. No entanto, a pasta estadual vem tentando contato com os pais desde 2022, mas não obtiveram retorno. Mesmo assim, o município tem renovado o pedido.
Sobre a solicitação dos auxiliares na EMEIF, a Secretaria de Educação diz que a Equipe do Atendimento Educacional Especializado avalia a necessidade do Agente de Apoio à Inclusão, mas foi verificado que a criança tem boa autonomia, por isso não foi indicado um AAI.
Quanto à falta de medicamentos na UBS Jardim Alterópolis, a Prefeitura afirmou que esta unidade não conta com dispensação de medicamentos sob controle especial, sendo necessário adquirir em outras unidades.
Além disso, em março, o medicamento risperidona em comprimidos sofreu um atraso na entrega por parte do fornecedor, que solicitou prorrogação no prazo e está sendo notificado para normalizar a situação.
Já em relação à ausência de psicólogos infantis na UBS Palmeiras, a pasta relatou que a Secretaria Municipal de Saúde não informa ao público não ter psicólogo infantil, pois os profissionais lotados nas 24 unidades da Atenção Básica são generalistas e atendem pessoas de todas as idades.