A vendedora Francisca da Silva Soares, 55, sentiu, desde o começo do ano, o impacto do aumento da tarifa de ônibus no Corredor ABD (Jabaquara-São Mateus), que passa por São Bernardo do Campo, Diadema e Santo André, no ABC paulista.
Moradora de São Bernardo, ela utiliza os trólebus diariamente para chegar no centro de Diadema, onde trabalha. “Não ganho vale-transporte porque sou autônoma, então tenho que tirar do meu dinheiro o valor do ônibus”, lamentou.
Em seis dias de trabalho por semana, Francisca gastava R$ 51,60 antes do reajuste. Desde fevereiro, passou a desembolsar R$ 57,60 por semana, o que equivale a R$ 24 a mais por mês com transporte.
No entanto, o peso no orçamento de Francisca foi maior do que o de passageiros de outras linhas da EMTU na Grande São Paulo. Por ali, o aumento do preço da passagem foi de 11% – passou de R$ 4,30 para R$ 4,80. Foi a maior alta entre todas as linhas que circulam pela região metropolitana. Na média, o reajuste foi de 6% – a inflação de 2018 ficou na casa dos 3%.
Na época do aumento, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo) afirmou que considerou a inflação, o aumento dos combustíveis e a elevação do custo de mão-de-obra. “A operação do Corredor ABD é o serviço com maior satisfação por parte dos usuários do transporte metropolitano. O IQC (Índice de Qualidade do Cliente), pelo qual a EMTU apura a satisfação dos passageiros, foi de 86,7% em 2018”, afirma a empresa.
Curiosamente é também no ABC onde estão as menores altas. Perto de Francisca, cinco linhas nas cidades de Santo André, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Diadema, cobram R$ 3,50 – 2,9% de reajuste. Confira todos os valores.
“É no mínimo estranho este aumento diferenciado de linhas diferentes do mesmo sistema e órgão gestor”, comentou Rafael Calabria, especialista em mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Ele explica que o intermunicipal, via de regra, atinge usuários de menor renda e que dependem de integração com outros meios de transporte para chegar ao local de trabalho ou de estudo. “Os usuários de sistemas intermunicipais gastam em média muito mais com tarifa do que os usuários dos sistemas municipais, com isso são impactados com mais gravidade pelos aumentos.”
O Idec realizou um estudo no ano passado que aponta que os passageiros avaliam pior os serviços de ônibus intermunicipais do que os municipais. Em São Paulo, o preço da passagem de ônibus foi para R$ 4,30 (7,5% a mais).
“Os sistemas metropolitanos cumprem funções fundamentais nas metrópoles e são muito importantes, porém, são mais menosprezados pela opinião pública e pelo governo do que os sistemas municipais, isso se reflete em menos recursos dedicados a este serviço, e com isso pior qualidade”, completa.
CONSÓRCIOS
A EMTU divide o gerenciamento da Grande São Paulo em seis áreas e cada uma é administrada por um consórcio (grupo de empresas de ônibus que prestam o serviço). O aumento no valor da passagem variou inclusive dentro de um mesmo consórcio.
Na área 1, por exemplo, por onde circulam ônibus em Taboão da Serra, Embu das Artes e Itapecerica da Serra, o reajuste médio foi em torno de 6,45%. Porém, essa não foi a regra da Intervias, grupo que atua na região.
A massagista Maria Moraes, 60, trabalha em Pinheiros e mora no centro de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Ela utiliza o ônibus 032, que sai de Pinheiros e vai até o Parque Paraíso, em Itapecerica da Serra, cuja passagem saltou 7,9%, uma das maiores altas. “Prefiro pagar um pouco a mais, pois saio do trabalho muito tarde”, diz Maria. Ela gasta R$ 5,45 por passagem. No caso das linhas que saem do Jardim São Judas Tadeu, em Taboão da Serra, até o centro de Osasco, são R$ 6,35 – 7,6% a mais do que em 2018.
A estudante de pedagogia, Gabriela Hengles, 17, pega qualquer um dos ônibus intermunicipais que passam no centro de Taboão da Serra para poder embarcar no metrô da linha 4-amarela. A linha 033, que sai do Jardim São Judas Tadeu e vai até o Metrô Butantã, foi para R$ 5,30 – aumentou R$ 0,35 ou 7,1%.
Uma das queixas dos moradores sobre o preço é a qualidade do transporte. No ano passado, os intermunicipais registraram mais de 100 falhas por dia. Por outro lado, Gabriela diz que houve melhora nos veículos. “Acho que melhorou sim. Os ônibus são mais novos agora e não sacode tanto quanto antes.” A EMTU afirmou que, em 2019, a Viação Pirajuçara, que faz parte da Intervias, colocou 20 ônibus novos com ar-condicionado em operação.
EMPREGO
O preço das tarifas dos intermunicipais é um empecilho também para quem trabalha na capital e vive nas cidades vizinhas. É o que comentam moradores de Guarulhos, maior município da região metropolitana com 1,3 milhão de habitantes. Em bairros mais afastados do centro da cidade, como Lavras, Santa Paula e Vila Carmela, a passagem ultrapassa os R$ 7.
Perto do centro, a tarifa é menor como Vila Moreira e Cecap (ambos a R$ 5,10) e Jardim Ipanema (R$ 5,65).
No antigo emprego, a vendedora Josyanne Justo, 29, já havia sido informada de que o valor da passagem estava alto e que dariam preferência para alguém que morasse perto. Ela trabalhava em um quiosque de maquiagem de um shopping na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. O quiosque fechou antes que fosse dispensada.
“Nós que moramos em Guarulhos e trabalhamos em São Paulo sofremos muito. Atualmente estou empregada, porém a empresa quer me pagar a passagem do ônibus até São Miguel Paulista [na zona leste de São Paulo], porque para eles sai mais em conta”, diz Josyane que mora no Jardim Ponte Alta, região do Bonsucesso.
A ligação Guarulhos-São Miguel teve reajuste de 5,4% e foi a R$ 4,85, mas ela ainda precisa arcar com o custo do trem/metrô para chegar ao trabalho em Santana, na zona norte.
No caso de Marcelo Brasil, 35, que atualmente está desempregado, o valor da condução foi o motivo para a dispensa em duas seleções de emprego. Morador do distrito Pimentas, além da passagem intermunicipal (R$ 7,15) da linha 227, que sai do Jardim Leblon e vai até o metrô Armênia, ele também gastaria o valor do metrô (R$ 4,30) para chegar ao trabalho.
“Fiz uma entrevista em Santana e outra no Tucuruvi. Na primeira, o motivo da dispensa foi o preço da passagem. Na segunda, a distância. Tenho alguns amigos que passaram pelo mesmo problema”, conta.
Segundo o estudo “Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil”, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em todo o Brasil, 7,5 milhões de pessoas saem diariamente da cidade onde moram para trabalhar ou estudar em municípios vizinhos.
A maior movimentação, com base nos dados do Censo 2010, acontece entre Guarulhos e São Paulo, onde 118 mil pessoas se deslocam.
De acordo com a EMTU, o reajuste médio das tarifas das linhas intermunicipais na área 3 de operação (Guarulhos, Arujá, Mairiporã e Santa Isabel) gerenciada pela EMTU foi de 4,50%. O preço para a integração do metrô usando o BOM, cartão metropolitano de transporte, continua o mesmo: R$ 1,50.
CUSTEAR O TRANSPORTE
O aumento no preço da passagem vem da ideia de que apenas o dinheiro arrecadado pela tarifa deve custear o transporte, afirma Calabria, do Idec. “Mas o esgotamento desse modelo com o aumento recorrente da tarifa e as quedas de usuários demonstram que isso precisa mudar”.
Ele aponta que a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12) já permite mudanças. Entre as possibilidades para custear o sistema, ele aponta o dinheiro arrecadado com impostos como o IPVA e a Cide tributada sobre a gasolina. “O Idec defende que as esferas de governo criem um fundo organizado, buscando recursos de vários fundos como os citados para baratear o transporte público”, afirma.
Uma ideia antiga é o bilhete metropolitano. Atualmente, os usuários dos ônibus intermunicipais utilizam o Cartão Bom, que serve para linhas municipais de algumas cidades. Mas há prefeituras que adotam um bilhete próprio, e boa parte não conta com integração com os trens.
“Seria importante ter um fundo organizado de transportes. O empecilho atual tem sido a falta de vontade política de confrontar esse problema”, afirma. “O discurso predominante tem pautado uma redução do estado e de investimentos em políticas públicas como a mobilidade, que dificultam a busca por um sistema estruturado com recursos que garantiriam com mais solidez o direito dos cidadãos a um transporte acessível economicamente”.
Paulo Talarico é correspondente de Osasco
Diego Brito é correspondente de Diadema
Julia Reis é correspondente de Taboão da Serra
Rômulo Cabrera é correspondente de Suzano
Thalita Monte Santo é correspondente de Guarulhos
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