No dia 18 de julho, a Avenida Paulista reabriu para pedestres depois de passar um ano e quatro meses fechada para a circulação de pessoas aos domingos e feriados por causa da pandemia de Covid-19.
A 15 quilômetros dali, a Rua Koshun Takara, no Jardim Peri,continuou tomada pelos carros naquele domingo, assim como outras vias espalhadas pelas periferias da capital.
O endereço que fica no distrito da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da cidade, é um entre vários que faziam parte do programa Ruas Abertas antes da pandemia e que agora têm circulação normal de carros aos fins de semana.
O programa, que interrompe o trânsito de carros aos fins de semana desde 2015, foi suspenso no começo da pandemia. Mas na hora da retomada voltou apenas na principal avenida de São Paulo e, por enquanto, está esquecido nas periferias da capital.
Dona de um salão de beleza na rua Koshun Takara, Marília Henrique, 36, diz que o programa faz falta para os moradores da região. “Era muito bom porque as crianças não têm lugar para ir. Elas ficavam andando de bicicleta na rua, os adultos também”.
A situação é a mesma na região em que ficam a Avenida Milene Elias e a Rua Antônio de Castro Lopes, em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo. Diego Ferreira, 26, era um dos frequentadores do espaço antes do começo da pandemia: “Gostava do programa porque, querendo ou não, era uma área de lazer para o pessoal”.
ABANDONO
O esquecimento do projeto nas periferias é um novo impasse de um programa que sofreu desgaste antes da crise causada pela Covid-19.
O programa se tornou lei em 2016, na gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT). A iniciativa surgiu como uma expansão da Paulista Aberta, que vigorava na cidade desde 2015 e recebia críticas por beneficiar apenas a região central da capital paulista.
Na época, a Prefeitura anunciou que todas as 32 subprefeituras da cidade teriam vias abertas nos fins de semana. A promessa nunca foi totalmente cumprida e até o fim da gestão Haddad, 29 ruas tinham sido liberadas aos domingos.
Em 2017, já sob a administração de João Doria (PSDB), o programa foi suspenso em algumas avenidas sem aviso prévio aos moradores. Nos anos seguintes, várias subprefeituras desistiram do projeto, alegando falta de demanda ou reclamações de vizinhos.
A fundadora da ONG SampaPé, Letícia Sabino, participou ativamente da construção do programa em 2016. Para ela, a falta de articulação da Prefeitura com os moradores dos bairros era um dos principais problemas que levava à baixa adesão da população em determinados endereços.
“São avenidas em que já não passa ninguém. Nenhum morador sabe que ali está bloqueado para usar, porque é, por exemplo, uma avenida do lado do muro do trem”.
O comerciante João Clementino, 59, mora no Parque Residencial Oratório há 12 anos e diz que o trecho que era fechado na rua Luis Pereira da Silva ficava sempre vazio. “Não vingava. A CET vinha, fechava a rua, mas não tinha movimento.”
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Já no Ipiranga, o movimento de pedestres na Rua Aida, famosa por receber eventos culturais, era bem maior, segundo o rapper Josiano Antero, 43. Conhecido no bairro pelo apelido de “Fant”, o artista era um frequentador assíduo da rua aos domingos e feriados e chegou a organizar saraus no local durante o período em que o programa ficou em vigor.
“Frequentava com o meu filho, para brincar, jogar bola, andar de bike. A gente tinha essa rua como uma referência”, comenta.
Segundo Sabino, outro fator que causava diferença de adesão nos bairros era a falta de divulgação por parte do município.
Ainda hoje não é possível encontrar no site da Prefeitura a lista de endereços que estão incluídos no Ruas Abertas. A última notícia que contém uma relação dos locais é de 2018.
LAZER
Para a arquiteta e urbanista Marieta Colucci, o programa representa uma estratégia importante para garantir o acesso dos moradores da capital a espaços públicos de lazer.
“Os equipamentos de lazer são muito mal distribuídos na cidade. Existe uma grande concentração no centro expandido. O Ruas Abertas é um facilitador de acesso”, afirma a fundadora do APĒ, organização que debate a mobilidade urbana.
“São espaços de socialização para as crianças encontrarem vizinhos, poderem brincar juntos. Principalmente agora em pandemia, as crianças perderam muito desse contato com o outro, com o diferente”, ressalta Colucci.
Para Sabino, é importante que o programa seja retomado e revisado. “Precisava passar por uma revisão, fazer um processo de incluir a população, de entender onde estão as avenidas que já têm dinâmicas sociais e ir abrindo esses espaços”.
Em nota, a Prefeitura disse que a suspensão foi necessária para conter a transmissão do coronavírus e que a experiência com a reabertura da Avenida Paulista será utilizada para definir quando e como haverá a retomada nas demais ruas.
Ainda de acordo com a nota, a Prefeitura vai retomar as análises dos locais onde o programa é aplicado para planejar possíveis adequações. No entanto, não respondeu sobre quais vias ainda fazem parte do programa.