Graduanda em Ciências Sociais, Débora Dias, 22, é moradora de Sapopemba, extremo leste da capital paulista, e atua como voluntária na Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras, Negros e Classe Trabalhadora). Desde o começo da pandemia, tem visto as dificuldades de alunos e professores em conseguir manter o ensino à distância.
Ela coordenadora de núcleo no bairro da Fazenda da Juta e Jardim Grimaldi. Entre as atividades que realiza, o trabalho mais conhecido é o cursinho pré-vestibular comunitário, com atendimento gratuito a estudantes de escolas públicas, principalmente negros e negras. Atualmente, são 26 alunos inscritos na região.
Com a pandemia da Covid-19 e a determinação de isolamento social, Débora relata as dificuldades enfrentadas pelos alunos que acompanha. “A gente observa que o ensino à distância não garante que os estudantes tenham aprendizagem. É difícil falar em sentar e estudar quando você está preocupado com o que vai comer e como pagar água, luz e aluguel”.
Para ela, antes mesmo da pandemia, no bairro, as pessoas sofriam com problemas estruturais, mas com a Covid-19, eles foram agravados. O desemprego e a informalidade são questões presentes no cotidiano de quem é atendido pelos cursinhos e impacta diretamente no processo de aprendizagem.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, Sapopemba tinha 3.896 casos e 179 mortes até 18/05
No núcleo da zona leste, também chamado de Ilda Martins de Souza – Angela Davis, há aulas para quem deseja ingressar no ensino superior e ações culturais no território, com pessoas a partir de 14 anos.
“Aqui, o EAD deixa de fora uma parcela muito grande dos nossos alunos, seja aqueles que não tem acesso, seja aqueles que possuem deficiência e dificuldade ou quem não consegue acessar essas plataformas”.
Para ela, o formato de ensino online não resolve as demandas trazidas pelos alunos pobres. “Essa forma pode até cumprir o calendário, mas não traz o saber e a troca dos nossos alunos em sala de aula, isso afeta diretamente como será o desempenho no vestibular ou em outras questões”, acrescenta.
Débora diz que mesmo se o Estado providenciasse internet e computador à todos os alunos da rede pública, outros fatores econômicos e estruturais precisariam ser considerados. “O aluno teria um espaço com cadeira e mesa?”, questiona. Além disso, ela cita o desemprego e a falta de alimentação, situações que atingem os estudantes.
A pesquisa TIC Domicílios 2017 ponta desigualdade em relação à internet. Os números mostram que mais de um terço (39%) dos domicílios brasileiros ainda não tem nenhuma forma de acesso à internet. São cerca de 27 milhões de residências desconectadas.
Enquanto outras 42,1 milhões de famílias acessam a rede via banda larga ou dispositivos móveis. O índice de residências sem acesso é maior nas classes D e E: 70%. Na classe A, 99% dos domicílios têm alguma forma de acesso, na classe B, 93% e na classe C chega a 69%.
As questões levantadas pela educadora também suscitaram protestos contra a data prevista para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), nos dias 1º e 8 de novembro.
Depois de mobilizações de estudantes e professores, o Ministério da Educação (MEC) adiou o Enem 2020. “As datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais“, disse a nota conjunta do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Cercada por problemas estruturais que atingem seus alunos, Débora diz que a preocupação do Estado não é com a educação de qualidade. “Se a preocupação fosse outra, teríamos resultado diferente, mas como não é, estamos aí de mãos atadas com nossos alunos passando por muitas dificuldades”, resume. “A gente segue tentando garantir o mínimo, que é comer e não ser despejado”.