Antônio Bezerril, 76, mora no distrito do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, há mais de 50 anos e, desde 2018, fez da escada ao lado de casa um dos pontos mais conhecidos da região. É ali que ele atuou para revitalizar um escadão que liga as ruas Comandante Murilo Marx a Maria Batista.
Com a ajuda dos vizinhos, ele conseguiu fazer a restauração e ainda criou um acervo dentro da própria garagem que denomina como o “Museu do Escadão”.
Antônio nasceu em Canguaretama, Rio Grande do Norte. Mudou-se para São Paulo aos 20 anos e, após 11 dias, conseguiu um emprego em uma metalúrgica onde trabalhou durante 16 anos. Depois, se tornou dono de uma lanchonete até se aposentar.
Desde a chegada ao bairro, sempre morou ao lado da escada e já cuidava antes mesmo de surgir a ideia de revitalizá-la.
Ele pensou em renovar o escadão após assistir uma reportagem na televisão sobre a escadaria Selarón, localizada no bairro da Lapa, Rio de Janeiro. Pensou em fazer algo semelhante em São Paulo e na praticidade de limpar – inicialmente, ele havia pintado com cal, mas pegava muita sujeira.
Foi também um trabalho que ajudou a passar a aposentadoria.“O escadão era minha atividade física, ter o que fazer, já estava desesperado (por estar parado). Veio a reportagem do Rio de Janeiro e falei: caramba! Arranjei o que fazer”, relembra.
Na frente da casa dele há a inscrição: “Se no Rio de Janeiro tem uma escadão bonito, São Paulo também tem um.”
A obra
Antônio nunca havia trabalhado com esse tipo de obra, mas aprendeu com um pedreiro que estava reformando a cozinha. Treinou e foi desenvolvendo habilidades como azulejista. Fez o primeiro degrau e viu que a ideia podia ter continuidade.
O segundo passo foi conseguir dinheiro para a empreitada. Criou uma vaquinha pedindo contribuição de ao menos R$ 1 para o desenvolvimento do projeto, mas qualquer valor era aceito.
A divulgação era feita no “boca a boca” pela vizinhança, e colava placas próximas ao escadão pedindo doações. Para doar, bastava depositar a quantia desejada dentro de um cofrinho que está no local.
Também recebeu ajuda com cerâmica, azulejo e argamassa, além de procurar materiais descartados. “Não podia ver um entulho no meio da rua que eu parava o carro e ia vasculhar pedaços de azulejos”, destaca.
São 60 degraus. As medidas padronizadas, e os azulejos não se repetem. “Eu aceitava todo tipo de ajuda, menos mão de obra, ninguém vinha ser ajudante que eu não aceitava. Por quê? Para não tirar a concentração. Não é que estava sendo egoísta”, explica Antônio. Era uma forma das medidas se manterem milimetricamente iguais.
“Faça chuva ou faça sol, estava ali, bonitinho e com muito amor. Um degrau que ele achasse que não ficava bom, ele tirava tudo e colocava de novo, porque cada degrau tinha que ornar”, diz a empresária Ana Roberta, 44, vizinha de Antônio que acompanhou a obra desde o início.
Museu do escadão
Uma vez Antônio foi ao museu do Ipiranga e após visitar o local, teve a ideia de criar o museu do escadão no ano de 2018, e para que fosse possível, usou a garagem. Por ser em ambiente fechado, conseguiu preservar todo material.
“Não vou deixar isso ficar simplesmente só na cola do azulejo, então resolvi registrar tudo, como um acervo. Quando eu morrer isso aí vai ficar, toda história está escrita aí”, diz.
No museu, há várias fotos de momentos marcantes, como o início das obras e as matérias sobre o escadão nas mídias. Há anotações do passo a passo das reformas e das manutenções mensais. Ele tem uma lista com todos os doadores, que é usada como prestação de contas.
As obras duraram 22 meses, com início em 2016 e término em 2018. Desde então, ainda recebe doações para fazer a manutenção da escada. Foram 1.667 doações e um valor total de pouco mais de R$ 12 mil ao longo de quatro anos, contando a implementação e os reparos.
“Essas doações eu preciso muito para fazer a manutenção, comprar tinta, trocar saco de lixo para manter o padrão”
Após ver duas idosas descendo a escada com muita dificuldade, onde uma se apoiava na outra por não ter corrimão, Antônio teve a ideia de pegar canos de PVC e improvisá-los como corrimão, já que não trabalhava com ferro.
Os degraus são pintados com uma faixa amarela. A ideia veio de um vizinho que sugeriu a pintura para que idosos tivessem uma melhor visualização dos degraus na hora de andar sobre eles. A ideia foi acatada e realizada.
Esse padrão tem ajudado a mudar a cara do bairro e a receber visitas de pessoas localizadas em várias partes do país, e até do exterior, como um casal de portugueses que assistiram a uma reportagem sobre a obra e visitaram o local. “Olha a dimensão, rapaz. Isso aqui está conhecido no mundo inteiro”, ressalta.
“Muitas pessoas que vêm tirar fotos no escadão, acabam passando aqui para comprar uma coisa ou outra. No calor então, vendo muito sorvete e água de coco”, destaca José Evandro da Silva, 45, dono de um mercado na rua do escadão.
Desde a inauguração da obra em 2018, o escadão, além de trazer visibilidade ao Jardim Neide, também criou uma conscientização entre os moradores, avalia Antônio, especialmente os mais jovens. Eles jogam lixo e bitucas de cigarro nas lixeiras, preservando o local.
Mesmo após dimensão que o projeto teve, o poder público nunca apareceu para realizar uma visita ou oferecer alguma ajuda para o escadão, segundo Antonio.
Houve um episódio em que ele foi à prefeitura buscar o cartão do idoso e, quando chegou, coincidentemente estava tendo uma exposição sobre escadarias. Não encontrou o que ele revitalizou. ”Nunca vieram aqui para ver ou perguntar.”
“Se isso aqui [o escadão] talvez fosse em um bairro como Pinheiros, talvez a visibilidade e o interesse fosse maior. Como é na periferia, às vezes só o pessoal da periferia valoriza.” afirma.
Em resposta a Agência Mural, a Subprefeitura do M’boi Mirim afirma que a escadaria foi revitalizada pelo munícipe Antônio Bezerril por conta própria em 2018. “Ressaltamos que o local recebeu limpeza nesta semana e foi incluído na programação semanal, marcada para todos os sábados.”
Endereço: Rua Comandante Murilo Marx, 24 – Jardim Neide, São Paulo – SP
Instagram: @escadaomaisbonito