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A cada 4 horas, um ciclista sofre acidente na Grande São Paulo

Por: Cleberson Santos e Katia Flora e Lucas Veloso e Renan Omura

Você verá aqui
– Guararema, a cidade com mais uso de ciclistas e também mais colisões com quem pedala
– Grupos de Mogi das Cruzes buscam garantir direitos aos ciclistas
– Apenas 12 das 39 cidades da Grande SP possuem um Plano de Mobilidade Urbana
– Para ciclistas e especialistas as bicicletas, a ausência de políticas públicas inviabiliza quem percorre as vias da região
*Esta reportagem teve apoio do ICFJ (International Center for Journalists)

No dia 6 de junho, o ciclista Alessandro Palazzi, 40, foi atropelado por um carro na Avenida Yoshiteru Onishi, em Mogi das Cruzes. O motorista fugiu do local sem prestar socorro e Alessandro teve a perna amputada.

O acontecimento gerou protestos na cidade, mas, infelizmente, é um fato que se tornou comum em toda a Grande São Paulo. Só em Mogi, 136 ciclistas sofreram acidentes – 15 deles fatais – entre 2019 e 2020.

Pelas 39 cidades da região metropolitana, foram 4.986 ocorrências envolvendo ciclistas nos anos de 2019 e 2020. É como se todo dia sete ciclistas se acidentassem ou um a cada 4 horas. Nesse período, 167 deles morreram.

Os dados compilados pela Agência Mural são do Infosiga, plataforma estadual que monitora os acidentes de trânsito. A situação mostra que, embora a pauta da mobilidade esteja mais frequente no noticiário e também nas promessas eleitorais, é difícil afirmar que as cidades sejam convidativas a quem se locomove em bicicletas.

Ciclista Maurício Keido lamenta a falta empatia no trânsito @Renan Omura/Agência Mural

Nem a pandemia mudou isso. Apesar das reduções de circulação por conta das medidas de isolamento social para evitar propagar o coronavírus, o ano de 2020 registrou alta no número de acidentes com ciclistas – 466 a mais.

Mas quais são os desafios para mudar esse cenário? A Agência Mural conversou com moradores, cicloativistas e especialistas para entender a situação da região metropolitana e também cruzou os dados para saber quais as cidades estão com mais ocorrências e o que pode ser feito para mudar esse quadro.

TURISMO E MAIS COLISÕES

Das ocorrências com quem anda de bicicleta na Grande São Paulo, 63% dos acidentes foram na capital, o que se justifica pela cidade ter mais de 50% da população da região metropolitana.

Para ter uma noção da gravidade em cada município, a Agência Mural dividiu as ocorrências envolvendo ciclistas por cada 10 mil habitantes. O resultado surpreendeu. A pequena Guararema, no Alto Tietê, liderou a lista proporcional. O município teve 6,97 acidentes a cada 10 mil habitantes nos últimos dois anos. O número é bem superior ao da capital, que foi de 2,64.

Além disso, Guararema é a cidade com mais viagens por bicicleta em toda a Grande São Paulo. Segundo a Pesquisa Origem Destino, divulgada em 2019 pelo Metrô, 12,2% dos guararemenses usam a bike no dia-a-dia. A quantidade é muito superior aos 0,9% de média de toda região metropolitana.

O ciclista e empreendedor José Mauro, 57, mora em Guararema e pedala todos os dias. Além de praticar cicloviagens nos momentos de folga, ele faz entregas do próprio restaurante usando bike.

José afirma que em comparação a outras cidades vizinhas, Guararema é um bom lugar para pedalar, porque os moradores estão familiarizados com os ciclistas.

Para o ciclista José Mauro, 57, é necessário campanhas de educação no transito, para motoristas e ciclistas @Arquivo Pessoal

No entanto, ele relata que os motoristas que visitam o município, muitas vezes, não têm esse costume. “Percebo que boa parte das fechadas ou desrespeito que sofremos são cometidos por veículos com placas de outras cidades”, afirma.

Com cerca de 30 mil habitantes, Guararema recebe muitos visitantes e é classificado como um “município de interesse turístico” por conta do patrimônio histórico, como a antiga estação ferroviária, e também atrações naturais.

A cidade também é bastante frequentada por praticantes de “mountain bike” (modalidade do ciclismo praticado em estradas rurais ou terrenos irregulares).

Além de ciclovias, sinalização e melhor fiscalização, José diz que campanhas de conscientização no trânsito são fundamentais para a segurança em todos os modais.

“Existem motoristas irresponsáveis, mas também existem ciclistas que não respeitam as leis e acabam se machucando. Muitos não conhecem a região e abusam.”

Apesar de ser a cidade proporcionalmente com mais ciclistas, Guararema não possui um Plano de Mobilidade.A Prefeitura afirma que está trabalhando na elaboração de um projeto que priorize o modal de bicicleta, porém não informou uma data para conclusão do plano. A gestão também não informou se tem projetos em andamento para reduzir os sinistros no modal de bicicleta.

A falta desse plano é a regra na maioria das cidades da Grande São Paulo.

CADÊ O PLANO DE MOBILIDADE?

Chamado de PlanMob ou PMU, o Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob ou PMU) é o documento que define os parâmetros de deslocamentos nos municípios e indica as metas das estruturas cicloviárias nas cidades.

Segundo relatório do Ministério do Desenvolvimento Regional apenas 12 das 39 cidades da Grande São Paulo possuem o documento elaborado e aprovado, apesar de ele ser obrigatório para todo município com mais de 20 mil habitantes, segundo a Lei Federal nº 12.587/2012.

Apenas duas cidades, Pirapora do Bom Jesus e Salesópolis, tem população menor. Mesmo assim, 27 municípios não adotaram ainda um plano.

“É importante ressaltar que cidades que possuem um Plano de Mobilidade Urbana, tem que ter ciclovias”, destaca Creso de Franco Peixoto, 64. Ele é ciclista, engenheiro civil e mestre em Transporte, mais especificamente o rodoviário.

Itapecerica da Serra não cumpre esse requisito. Seu Plano de Mobilidade, publicado em 2016, prevê a priorização do transporte não motorizado e, em seu artigo 11, a garantia de segurança e conforto para pedestres e segurança. Porém, a cidade não entregou ciclovia em nenhuma das 35 vias tratadas como “possíveis” no plano de 2016.

A Agência Mural questionou a Prefeitura de Itapecerica da Serra a respeito da ausência de ciclovias, mas a Secretaria de Turismo informou apenas que fez um mapeamento das principais rotas urbanas e trilhas utilizadas por praticantes que, segundo a Prefeitura, “tem um perfil voltado mais ao lazer e esporte”.

“Ter um plano é um fator básico que aponta se as autoridades se importam ou não com o modal de bicicleta. Porém, apesar de ser importante, não garante que o município é seguro para os ciclistas”, ressalta Creso.

A cidade de São Paulo é uma prova disso. O PlanMob da capital prevê a implantação de 1,3 mil quilômetros de ciclovias até 2028, entretanto a criação de novas faixas ficou estagnada nos primeiros anos da gestão de João Doria (PSDB) e Bruno Covas (PSDB) na prefeitura da cidade.

Entre 2013 e 2016, na gestão Fernando Haddad (PT) foram implantadas 400 km de faixas. Depois, entre 2017 e 2019, não houve novas faixas implantadas na cidade até o lançamento do Plano Cicloviário. No último ano da gestão Covas, foram mais 177 km implantados totalizando agora 600 km.

Para ciclistas, ampliar as faixas é uma das soluções para reduzir os acidentes.

MOBILIZAÇÃO

Muito do esforço para garantir um pouco mais de segurança a quem pedala vem do trabalho de grupos de ciclistas e cicloativistas.

No ABC Paulista, por exemplo, atua o Fit Girls Team, fundado por Daniella Pretel Coelho, 39, em Ribeirão Pires. Ciclista amadora e analista de atendimento, ela lidera o grupo que é formado por 230 mulheres de várias idades.

Pretel costuma reunir as mulheres aos fins de semana para passeios de até 50 km em estradas como Índio Tibiriçá e Sapopemba. Ela relata que em alguns trechos dessas estradas não há acostamento.

"Sem uma sinalização adequada a atenção é dobrada", conta Daniella, que sempre orienta as participantes a ocupar apenas uma faixa no lado direito.

Ciclista na faixa da Avenida Lauro Gomes, em São Bernardo do Campo @Kátia Flora/Agência Mural

O perigo de pedalar nas vias da região são uma preocupação na região dela. Três cidades do ABC (São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires) estão entre as dez piores em colisões que atingem ciclistas, segundo levantamento da Agência Mural. Juntas, as três somam 272 casos, sendo 12 fatais.

Em São Bernardo, a atleta de Mountain Bike e cicloativista Graziane Nabarro, 39, faz parte do ciclo-comitê "Pedala São Bernardo", fundado em agosto do ano passado.

O objetivo do grupo é buscar apoio junto ao Poder Público para projetos de implantação de ciclovias e bicicletários. "Mas nem sempre somos atendidos", lamenta.

Graziane, que é ciclista há seis anos, relata a dificuldade de dividir espaço com os carros em vias como a Avenida Lauro Gomes, a Rodovia Anchieta e a Estrada Velha de Santos. "Essas são as principais vias para os treinos, mas alguns condutores trafegam em alta velocidade e desrespeitam o acostamento. Isso coloca a nossa vida em risco".

Para o cicloativista Jair Pedrosa, 62, Mogi das Cruzes não é uma cidada segura para andar de bicicleta @Arquivo Pessoal

Em Mogi das Cruzes, o gestor de rede Jair Pedrosa, 62, é um dos fundadores do coletivo Bicimogi e pedala há mais de 30 anos na cidade. Ele aponta os desafios de pedalar na cidade.

“Algumas avenidas tem ciclovias, mas estão mal sinalizadas e precisam ser alargadas para garantir a segurança dos ciclistas”, relata.

“Acidentes como o do Alessandro acontecem com certa frequência em Mogi”, afirma o cicloativista, citando o caso que abre esta reportagem.

O coletivo que Jair faz parte, junto com outras organizações, apresentou uma carta aberta à Secretaria de Transporte em junho. Entre as solicitações está a reforma da ciclofaixa na avenida Governador Adhemar de Barros, em Jundiapeba, e uma melhor sinalização na ciclorrota da Avenida João XXIII, no distrito Cézar de Souza.

No ano passado, o MTB Mogi (Mountain Bike) solicitou a criação de uma “ciclovia Leste-Oeste” para ligar Suzano com o bairro Cezar de Souza, em Mogi das Cruzes. O trajeto irá facilitar o acesso entre os ciclistas das duas cidades.

Os grupos também sugeriram a instalação de bicicletários, campanhas de educação de trânsito e novas ciclofaixas emergenciais leste-oeste.

Referente às reformas, a Secretaria afirmou à Agência Mural que projetos para reformas de vias e ampliação das ciclofaixas já estão em andamento. A pasta também informou que a nova administração está elaborando um Plano Cicloviário para a cidade.

Avenida João XXIII em Mogi das Cruzes não tem ciclofaixas @Renan Omura/Agência Mural

As prefeituras de São Bernardo e Mogi das Cruzes afirmaram que estão desenvolvendo um plano cicloviário. A administração são bernardense afirma ainda que a Estrada Velha de Santos está entre as 154 vias estaduais contempladas pelo Programa Estrada Asfaltada e será totalmente revitalizada. As gestões não falaram quando.

A Prefeitura de Ribeirão Pires afirma que iniciou tratativas com o DER (Departamento de Estrada e Rodagem) para apresentação de demandas relacionadas à utilização dessas vias pelos ciclistas da cidade e região.

AS MAIS SEGURAS, SERÁ?

Embu Guaçu, na região sudoeste da Grande São Paulo, teve apenas quatro acidentes envolvendo ciclistas em 2019 e 2020 e uma taxa de 0,57 por 10 mil. Levando em conta que 0,9% dos moradores usam bicicletas, daria para chamá-la de segura.

Não é assim que o vereador Isaías Coelho (Cidadania) enxerga, entretanto. À Mural, ele contou que a baixa quantidade de ocorrências na cidade tem mais cara de “coincidência”.

“A bicicleta ainda está começando a fazer parte da rotina dos moradores", afirmou o vereador, autor do projeto de lei que prevê a criação do Dia do Ciclista na cidade.

Priscila Rodrigues, 38, é um exemplo disso. Ela começou a pedalar em 2020. Por conta da pandemia e do fechamento do comércio, a bicicleta passou a ser a principal companhia dela para esportes e passeios.

"Observei que aumentou muito a quantidade de pessoas pedalando, pegando gosto pelo esporte e até indo para o trabalho de bike", conta a vendedora.

No momento, Embu Guaçu tem apenas uma ciclovia, entre a rua Manoel Pires de Moraes e Avenida Ernesto João Marcelino, conhecida como “estrada do condomínio”, onde estão alguns dos empreendimentos mais caros da cidade.

“Há um pouco de resistência de cuidar dela, mas é uma faixa bastante usada para atividades físicas. Seria importante ter uma iluminação melhor, uns bancos para descanso dos idosos", conta Isaías.

PELO BRASIL E PELO MUNDO

Quando se fala em exemplo de mobilidade, a cidade de Bogotá, capital da Colômbia, costuma ser uma das mais citadas. A região possui uma área total bem semelhante à São Paulo, na casa dos 1,5 milhão de km², porém com uma população bem menor. São 7 milhões em Bogotá contra 12 milhões na capital paulista.

No Copenhagenize Index de 2019, ranking bienal das cidades mais amigáveis para ciclistas, Bogotá foi escolhida como a melhor cidade para se pedalar na América Latina e a 12ª entre todas as cidades do mundo, à frente de grandes metrópoles, como Barcelona, Berlim e Tóquio.

No ano de publicação do ranking, Bogotá contava com 540 quilômetros de ciclovias, mas com a meta de ter uma faixa exclusiva a pelo menos 500 metros de cada morador. A participação da bicicleta no trânsito da cidade em 2019 era de 9%, superior aos 0,8% de São Paulo.

Bogotá também conseguiu unir as bicicletas ao sistema de ônibus. São pelo menos 13 bicicletários presentes nas estações de BRT e 2.500 vagas de estacionamento para bicicletas no transporte público.

Pedalando pelas ruas de São Paulo @Renan Omura/Agência Mural

Tudo isso significa que Bogotá poderia ser um modelo a ser seguido por São Paulo? A arquiteta e consultora em mobilidade urbana Suzana Leite Nogueira tem suas dúvidas.

"Não acho Bogotá tão amigável ainda, cheguei em avenidas que me deram medo. Não é só a ‘estrutura ciclovia’, mas o entendimento social de que a bike é um meio de transporte. A Colômbia é mais próxima do Brasil em aspectos culturais, mas não como inspiração”.

Ela cita Fortaleza, no Ceará, como um exemplo de mudança, com a implementação de estrutura cicloviária que consegue alcançar regiões periféricas.

Atualmente, a capital cearense, que é litorânea, logo mais plana que São Paulo, conta com mais de 300 km de rede cicloviária, divididos entre 179 km de ciclofaixas, 111 km de ciclovias, 9,4 km de ciclorrotas e 0,2km de passeio compartilhado.

Há menos de 10 anos, em 2012, Fortaleza contava com apenas 68,2km dedicados aos ciclistas. A meta do PDCI (Plano Diretor Cicloviário Integrado) da cidade é ter um mínimo de 524 km até 2030.

Segundo o documento, publicado em 2015, os dados de colisões envolvendo ciclistas, tal como o feito pelo Infosiga em SP, foram determinantes para definir quais vias teriam prioridade para receber as faixas:

“As vias onde foram registrados mais acidentes, provavelmente são as que circulam, atualmente, mais ciclistas dentro de Fortaleza, seja por estes trechos proporcionarem o trajeto mais curto, ou mais rápido, ou até mesmo mais seguro, considerando a existência de alguma infraestrutura de ciclovia ou ciclofaixa, mesmo que deficiente nos trechos em destaque”, diz o PDCI.

Mas, assim como na Grande São Paulo, ainda faltam muitas pedaladas para garantir mais segurança. Em Fortaleza, o número de ocorrências foi de 1.555 ocorrências entre os anos de 2019 e 2020 - 5,79 para cada 10 mil moradores - acima da proporção da capital.

*Essa reportagem foi produzida sob mentoria do jornalista Rogério Viduedo e financiado pelo ICFJ (International Center for Journalists)

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