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Candidatas das periferias de SP sofrem intimidação durante disputa eleitoral

Por: Ana Beatriz Felicio e Halitane Rocha e Lucas Rodrigues e Lucas Veloso

Não ler os comentários e simplesmente continuar rolando o feed. Foi quando ainda era uma jovem militante no movimento estudantil que a candidata a vereadora em São Paulo, Erika Hilton (PSOL), 27, aprendeu uma das estratégias que utiliza até hoje para evitar o desgaste emocional que comentários de ódio e xingamentos podem causar nas redes sociais. De acordo com dados do MonitorA, projeto realizado pela Revista AzMina, junto ao InternetLab, com parceria do Instituto Update, Erika foi a candidata ao legislativo paulistano mais ofendida no Twitter durante a campanha eleitoral.

“Um dia em contato com uma ativista mais velha, ela me falou: ‘ler comentário dá câncer, não faça isso, não leia, eles estão aí para te paralisar, para te desestimular’. E desde então eu aprendi a não ler comentários”, relembra a candidata, que já foi eleita em 2018 como co-deputada no estado de São Paulo pela Bancada Ativista (PSOL).

O estudo coletou e analisou comentários com engajamento (likes e/ou retweets) direcionadas a diversas candidatas entre 27 de setembro e 27 de outubro, revelando que elas recebem uma média de 40 xingamentos por dia no Twitter durante o período.

Utilizando um filtro de termos feito por uma linguista, foram coletados 93.335 tuítes que citam 123 candidatas na Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Deles, 11% tinham algum teor agressivo e 1.261 eram xingamentos diretos às candidatas.

Erika Hilton foi a que recebeu mais ataques na disputa pela Câmara de SP, segundo levantamento @Rafael Canoba/Divulgação

Na capital, por exemplo, a candidata à prefeitura Joice Hasselmann (PSL) recebeu mais de 4.000 xingamentos nas redes sociais. Além disso, as agressões não envolvem a capacidade política das candidatas, mas têm teor machista.

Caso vença a disputa no próximo domingo (15), Erika será a terceira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara de São Paulo e a primeira travesti. Nascida em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, ela já viveu em Francisco Morato e no interior paulista antes de começar a atuar pela causa na capital.

Na análise do MonitorA, 8,5% dos tuítes direcionados à candidata tinham xingamentos, muitos deles com caráter transfóbico.

O termo pejorativo mais associado a ela foi “nojenta”, que apareceu 432 vezes. “É difícil conversar com traveco, não tem propostas concretas, só conversa mole! Dá mais a impressão que está nesta só para ganhar um salário às custas dos trouxas com a ladainha LGBT. Não confiem neste estrume de ser humano!”, diz um dos tuítes.

No caso de Erika, as ameaças se concretizaram em violência fisica fora da internet. Na terça-feira (10) durante uma campanha na Avenida Paulista uma apoiadora e funcionária da campanha de Erika, sofreu ataques transfóbicos, foi agredida com mordidas e golpes de bastão. Em entrevista realizada antes do incidente, Erika contou que a receptividade das pessoas nas ruas está sendo muito positiva.

Esta não é a primeira vez que a candidata sofre ataques. Quando venceu as eleições em 2018, com a Bancada Ativista, chegou a ser ameaçada de morte, quando pediu inclusive uma escolta ao partido.

“Foi um episódio muito terrível que me gerou pânico porque eu recebi e-mails horrorosos, dizendo coisas absurdas que iam arrancar minha cabeça, que iam me estuprar, o muro da faculdade onde eu estudava foi pichado”, relembra.

“Fiquei surpresa em saber que sou a primeira candidata [ao legislativo] mais atacada nas redes sociais. Surpresa não por achar que isso não aconteça, mas eu não estava olhando com essa frequência os comentários, então realmente não estava sentindo esse impacto, porque a receptividade das pessoas reais nas ruas tem sido mundo boa”.

‘ME CHAMANDO PRA SER FAXINEIRA’

Assim como Erika, outras candidatas das periferias de São Paulo e negras também foram atacadas no ambiente digital.

Moradora de Guaianases, no extremo leste da capital, a candidata a vereadora Tamires Gomes Sampaio (PT), 26, relata que tem recebido ataques nas redes, principalmente no Facebook, até mesmo antes da campanha oficial começar.

O evento de transmissão ao vivo do lançamento de sua pré-candidatura foi hackeado e houve o compartilhamento de cenas de pornografia infantil.

“A maioria dos comentários agressivos são de conteúdos relacionados a me desqualificar enquanto mulher negra, me chamando pra ser faxineira, comentários sobre minha aparência, em especial o cabelo”, conta.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco, oito a cada 10 candidatas negras sofreram violência virtual. Dessas, 20,72% receberam mensagens machistas e/ou misóginas no ambiente online; 18% recebeu mensagens racistas e 17% teve uma reunião virtual invadida.

A dificuldade em conseguir alguma punição para quem comete ataques virtuais ainda é um empecilho. Tamires conta que costuma denunciar os comentários e ataques de ódio nas redes sociais.

Já Erika Hilton relembra que o caminho até um possível processo é caro e lento. “A justiça não é uma coisa acessível aos mais pobres, aos mais vulneráveis”, ressalta. “A gente acaba achando melhor deixar pra lá e não ler comentários porque a justiça não é uma coisa acessível para nós”.

Carolina Iara Ramos de Oliveira, 27, também tem recebido ataques. Moradora de Itaquera, na zona leste, a candidata intersexo faz parte da Bancada Feminina, candidatura coletiva do PSOL.

“A principal dificuldade têm sido os ataques transfóbicos que recebo”, diz Carolina. “Tenho de destacar o ataque que tivemos numa live, em que muitos homens xingavam e faziam ameaças”, cita.

‘MULHER NÃO CONSEGUE NADA’

Lidar com os ataques dificulta ainda mais as chances de candidatas das periferias, em um sistema político que ainda é composto majoritariamente por homens.

Em São Paulo apenas 16,4% das cadeiras da câmara municipal são ocupadas por mulheres, em cidades da Grande São Paulo esse número pode ser ainda pior. Das 664 cadeiras nos 39 municípios, apenas 56 são ocupadas por vereadoras.

Em Cotia, por exemplo, nenhuma mulher é eleita há mais de 30 anos. A candidata a vereadora Carolina Rubinato, 38, do Mandato Coletivo Feminino em Cotia (PSOL), conta que além da cidade ter um histórico político patriarcal onde quatro famílias se revezam no poder executivo, as mulheres que concorrem complementando as chapas e cotas de 30% muitas vezes não recebem apoio para as campanhas, tendo candidaturas laranjas.

Ela diz que, além disso, é perigoso entrar na corrida eleitoral da cidade. “Muitas vezes somos ameaçadas e coagidas só por estarmos participando do processo eleitoral”, relata.

Conta que, em 2016, a candidata Lucila Celete (Rede) foi sequestrada na cidade por uma tarde inteira. Em 2018, a educadora e então presidente do diretório municipal do PSOL, Vanessa Gravino, sofreu ameaças durante a eleição. “Fica na sua no segundo turno ou então saberá o que é um estupro coletivo”, disse um homem que a abordou.

Uma das co-candidatas do grupo, Silvana Bezerra, recebeu mensagens de uma pessoa que disse que iria até a casa dela, depois que ela fez uma crítica a um vereador da cidade.

No Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, a candidata Mônica Ferreira Bitencourt de Almeida (Cidadania), 42, também vem sentindo na pele o machismo estrutural. “A primeira pergunta que os homens aqui do bairro me fazem quando vou falar da minha campanha é como eu, mulher, vou conseguir resolver o que os homens não conseguiram?”.

Mônica conta que percebe que no imaginário masculino da região, as mulheres não teriam força para lutar pelas melhorias do bairro. “Só que aí é onde eles se enganam porque a gente pode conseguir muitas coisas. A gente só precisa de espaço e de oportunidades”, defende. “Um senhor que é comerciante aqui, falou pra mim o seguinte: ‘Se o prefeito não conseguiu resolver os problemas da água encanada, você mulher vai conseguir fazer o quê? Mulher não consegue nada, mulher nasceu para lavar, passar e cozinhar’’’.

Tamires disputa primeira eleição e é de Guaianases @Divulgação

‘COMEÇAR A HUMANIZAR A NOSSA EXISTÊNCIA’

Para a co-fundadora do coletivo “Vote Nelas”, que incentiva e conscientiza sobre a importância do voto em mulheres, Duda Alcantara, 31, esses ataques revelam como nossa sociedade ainda é machista e como mulheres ainda são vistas de forma sexualizada.

Arquiteta, urbanista e presidente da Rede, Duda já foi candidata no passado e também acompanha de perto as candidaturas no partido e conta que tanto já viveu ataques como já ouviu relatos de colegas mulheres. “Lembro de entregar um santinho e o cara me chamar de gostosa, é muito nojento e eu recebia também nudes na minha caixa do Facebook”, relembra.

Ela defende que, para uma maior igualdade, não basta apenas haver mais mulheres candidatas, mas também eleitas. “A nossa sociedade é machista e ela vai continuar sendo enquanto a gente não tiver mais mulheres nesses espaços de poder. Mulheres que queiram lutar, ganhar o espaço e fazer com que outras também entrem para que a gente consiga reequilibrar”.

A importância da representatividade também é defendida pela candidata Erika Hilton como caminho para reduzir os ataques e o preconceito contra mulheres na política. “Quando nós começarmos a pautar essa política, vamos começar a humanizar a nossa existência, vamos sair desse lugar de cidadãs de segunda classe e vamos talvez começar a sonhar”, enfatiza.

“Ao ocupar uma cadeira a gente não vai revolucionar de imediato toda a sociedade, mas é um grande passo. Precisamos caminhar, porque quando avançamos, toda a sociedade avança”.

PROJETO MONITORA

O MonitorA é um observatório de violência política contra candidatas nas redes, um projeto da Revista AzMina e do InternetLab, com parceria do Instituto Update. A ferramenta de análise de dados foi desenvolvida pelo Volt Data Lab e os glossários de termos pesquisados foi desenvolvido pela pesquisadora em discurso de ódio Yasmin Curzi. O MonitorA conta ainda com a parceria de veículos locais que produzem reportagens sobre violência política com o recorte de seus territórios. Esta matéria, sobre o cenário da Bahia, foi produzida pelo Marco Zero Conteúdo. Participam do MonitorA ainda o BHAZ (MG), a Agência Mural de Jornalismo das Periferias (SP), a Amazônia Real (PA) e o Portal Catarinas (SC).

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