Durante os últimos dias, a TV teve diariamente um horário exclusivo para propaganda eleitoral gratuita. Houve debates na internet e em jornais, além de discussões sobre o problema da cidade. Em Pirapora do Bom Jesus, São Lourenço da Serra e Vargem Grande Paulista, no entanto, nada disso ocorreu. Pior: pouca coisa chegou também por meio da cobertura da imprensa.
É nesse voo quase cego que boa parte dos eleitores da região metropolitana irá votar nas eleições 2020. No caso dessas três cidades, onde vivem 64 mil habitantes, a situação é mais delicada. Apesar de estarem na Grande São Paulo, esses municípios atualmente são “desertos de notícia”.
O termo designa pequenas cidades que não têm nenhuma organização jornalística produzindo notícias, apurando o dia a dia, a realidade das Câmaras Municipais, e explicando para os eleitores os desdobramentos de casos de corrupção. Além delas, outros três municípios são ‘quase desertos’, pois correm o risco de perder a pouca imprensa local que ainda existe.
O termo deserto de notícias vem do Atlas da Notícia, estudo que mapeia o jornalismo local no país desenvolvido pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e Vol Data Lab.
Segundo o levantamento, no Brasil, 18% da população precisa de acesso ao jornalismo local. O cenário ainda traz a situação apurada em 2019. Ou seja, com a crise econômica e a pandemia do novo coronavírus, a situação pode ter se agravado.
A Agência Mural ouviu eleitores dessas três cidades e conta como elas chegam nessa véspera de eleição.
ELEIÇÕES NO DESERTO
PIRAPORA DO BOM JESUS
Cidade turística, Pirapora do Bom Jesus, na Grande São Paulo, é famosa entre as pessoas que gostam de viajar e conhecer lugares novos.
Em 1725, uma imagem de madeira do Senhor Bom Jesus, padroeiro da região, foi encontrada numa corredeira, apoiada numa pedra do Rio Tietê. Depois disso, anualmente, o município recebe charreteiros, ciclistas, cavaleiros e veículos motorizados para reverenciar a imagem do santo.
Além da imagem, é comum ouvir indicações de atrações locais, como conhecer a igreja matriz, a vista do Rio Tietê (apesar da poluição afetar essa paisagem), que passa pela cidade, e visitar lojas e barracas no centro. O lugar também é conhecido como o berço do samba paulista.
Apesar de toda fama, não há sequer um meio de comunicação para os 20 mil habitantes da região.
Um dos impactos da ausência de uma cobertura local é a falta de informação no período eleitoral sobre os candidatos, além da impossibilidade de fiscalizar a gestão do poder público.
Em 2016, por exemplo, o prefeito eleito Raul Bueno (PTB) teve os votos anulados após a eleição. O que levou a uma nova votação no município, dois anos depois. Enquanto isso, a cidade foi comandada por um vereador. No novo pleito, o ex-prefeito Gregório Maglio (MDB) foi eleito em um processo conturbado. Houve suspeita de compra de votos naquele ano.
Morador do bairro de Laranjeiras, o pizzaiolo Ewerton Alexandre, 33, concorda que um veículo de comunicação faz falta nesse cenário.
Para se informar sobre os candidatos, ele costuma conversar diretamente com os candidatos, já que a cidade é pequena. Também diz usar o Whatsapp para receber informações.
Com isso em mãos, diz ir atrás das pessoas envolvidas no governo, amigos e órgãos competentes para chegar aos fatos e entender o cenário político na cidade.
“Precisamos mais de jornal, de repórter na cidade para termos mais transparência em tudo que acontece”, diz. “Sendo uma cidade de grande potencial e bem localizada, acho importante essa comunicação para chegar ao povo de modo prático e fácil”, completa.
CONFIRA OS PLANOS DE GOVERNO DOS CANDIDATOS EM PIRAPORA
A dona de casa Daniela Rocha da Silva, 38, diz que ali é ‘fácil ser corrupto’, pois não há cobrança de ninguém, nem dos moradores, nem da mídia. “Eles [os políticos] só fazem as coisas no último ano de eleição”, comenta.
Conversas nas redes sociais e entre amigos são bem comuns para obter informações sobre o governo local, mas isso não é o ideal, nas palavras de Daniela. “As pessoas falam uma para as outras. Tem muita ‘boca de urna’ porque a cidade é pequena, além de gente comprando e vendendo voto”, aponta.
“Corrupção é fácil porque não há investigação do que eles fazem ou deixam de fazer” – DANIELA ROCHA, MORADORA DE PIRAPORA DO BOM JESUS
Moradora do Parque Paiol, Danieladiz diz votar apenas por ser obrigatório, já que, para ela, não há outros motivos que a façam escolher um candidato bom. Para tentar diminuir a falta de informação sobre o governo, ela sugere que a cidade poderia ter uma cobertura local em alguns momentos do ano, como nas eleições.
“Era bom que, de vez em quando, um repórter viesse aqui fazer entrevista. Procurar saber o que o prefeito e os vereadores fazem. Moro aqui há 24 anos, e é complicado”, lamenta. Na sequência, diz que espera do próximo prefeito políticas de melhorias, como na área da saúde e segurança, algo que não viu no atual governo.
Durante a fala, Daniela usa expressões como ‘jogada às traças’ e ‘ao deus-dará’ para se referir ao abandono da cidade por parte dos atuais governantes. Sem fiscalização da imprensa e cobrança da população, afirma que, se pudesse, sairia da cidade e procuraria outro lugar para morar.
Nas eleições deste ano, Pirapora do Bom Jesus tem sete candidatos à prefeitura. São 12.800 mil eleitores. Por lá são nove vereadores.
O fantasma da anulação das últimas eleições segue pela cidade. No pleito anterior, Raul Bueno teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral por ter tido um convênio reprovado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), quando governou entre 2005 e 2008. Porém, a decisão veio apenas depois da votação.
Neste ano, o atual prefeito Gregório apoia Dani Floresti (PSD), enquanto o grupo de Bueno lançou Andréa Bueno para a disputa. Alessandro Costa (PSB), o advogado Doutor Altair (PSOL), Haroldo Ortega Brito (PSL), Paulo Soares disputa a campanha pelo Republicanos e Rilton Galvão, PRTB, também concorrem pela vaga.
SÃO LOURENÇO DA SERRA
Uma estradinha de terra esburacada é o caminho que leva até a Prefeitura de São Lourenço da Serra. Em dias de chuva, subir os 200 metros a pé dificulta ainda mais a vida do morador que precisa resolver algum problema por lá.
Emancipada há 29 anos, a cidade é ‘mais jovem’ da Grande São Paulo. Antes pertencia à Itapecerica da Serra e faz parte da região sudoeste, com 15.825 habitantes. Ao chegar na cidade, é fácil perceber o clima de interior.
Próximo à igreja matriz no centro, ao lado do busto de Edgard Schimidt, um dos fundadores da cidade, idosos conversam sobre futebol, sem esquecer de comentaras eleições que se aproximam, enquanto as crianças andam de bicicleta e outros trabalhadores esperam ônibus para ir trabalhar.
O empresário Gustavo Litrenta, 23, diz acreditar que para a cidade deixar de ser “dormitório” é preciso investir no turismo. “Temos atrativos para isso. Hoje o que falta são projetos. Temos cachoeiras, lugares para fazer trilhas, rafting, entre outras coisas”.
Residente do bairro dos Godóis há 20 anos, Bruno Holanda, 26, trabalha como almoxarife em Itapecerica da Serra, cidade vizinha. Por passar a maior parte do dia fora, ele conta que usa a internet para se informar sobre os acontecimentos de onde mora.
“Aqui nós acompanhamos tudo pelas páginas de notícias na internet, algumas vezes olhamos grupos no Facebook. Quem não tem acesso à internet, fica sabendo pelo boca a boca”, ressalta.
A participação dos moradores em sessões na Câmara Municipal é pequena, tanto na casa quanto na internet. O canal da Câmara Municipal no Youtube transmite há quatro anos as sessões realizadas no legislativo, mas o número de visualizações e de inscritos não chega a 200.
De acordo com Bruno, a fiscalização sobre o legislativo acontece com mais rigor quando “há interesses políticos”. Na mesma linha de pensamento está Géssica Esteves, 23, supervisora técnica, moradora do bairro Portal.
“De todas as vezes que eu vi fiscalização, era de interesse pessoal e que logo torna-se político e serve de ataques em campanhas eleitorais”, afirma.
Morando há 11 anos em São Lourenço, Géssica é bem participativa no “Espaço Aberto”, grupo do Facebook onde mais circula informações sobre a cidade. Para ela, a rede social ajuda a informar os munícipes pois “muita gente está conectada a internet”. Em contrapartida, ela não acredita que o serviço preencha o espaço do jornalismo local.
“Em alguns momentos, o grupo é construtivo quando postam fotos avisando de acidentes, documentos achados e perdidos, aviso de falta de água. Mas, ao mesmo tempo, são propagadas muitas fake news, principalmente agora em campanha eleitoral”, afirma Géssica.
A falta de imprensa local pode ser um motivo a mais para o crescimento das fake news. É o que acredita a auxiliar de limpeza Vera Lúcia, 46. “Um jornal que não fosse partidário facilitaria na questão da credibilidade, porque informação qualquer um dá. Sem ele, a informação vira mais boato do que fato”.
Eleito em 2016, Arizinho (Solidariedade) comanda a cidade com os 4.519 votos recebidos (48,29% do total). Porém, ao contrário de boa parte dos prefeitos da Grande São Paulo, não concorrerá à reeleição.
CONFIRA OS PLANOS DE GOVERNO DOS CANDIDATOS DE SÃO LOURENÇO
Seis candidatos seguem na disputa ao cargo do executivo, enquanto 124 ao legislativo na Câmara Municipal.
Doze mil eleitores deverão escolher neste domingo (15) quem governará a cidade nos próximos quatro anos. Estão na disputa: Doutor Júnior (Republicanos), os ex-prefeitos Fernando Antonio, conhecido como Fernandão (PSDB), e Lener do Nascimento, o Capitão Lener (PSDB)– este último conquistou o pleito em 2008.
Vanderlei Goes, o Vanderlei PM (PSL), concorre pelo PSL. No MDB, Washington Japa é o representante do partido. Fecha a lista Gilson Silva, pelo PROS.
VARGEM GRANDE PAULISTA
Além de parecer uma cidade do interior, Vargem Grande Paulista é conhecida como uma “cidade-dormitório”: as pessoas saem para outras cidades para trabalhar ou estudar, e retornam no fim do dia.
Com 52 mil habitantes, localizada na região sudoeste da Grande São Paulo, o município fazia parte de Cotia até o começo dos anos 1980, quando se emancipou.
A auxiliar de classe Karina Rodrigues, 23, ainda sofre com a precariedade do transporte.
“O ônibus passa de hora em hora, às vezes atrasa, demora, e o último é às 18h30 da noite”, desabafa. “Antigamente não tinha nada, era só a pé mesmo. Mas não tem um comprometimento [dos governantes]”.
Karina mora no bairro Cidade Jardim, mais conhecido como Candinha, em homenagem à bisavó, uma das primeiras moradoras do local, em meados de 1910.
Há 2 km do centro do município, o bairro ainda sofre com a falta de calçadas e problemas com iluminação.
É pelos jornais de Cotia e São Roque (cidades vizinhas), e também pelo grupo do Facebook, que a auxiliar de classe tenta ficar por dentro das notícias da cidade. Quando o assunto é eleição, é ainda mais complicado. “A única forma de se informar sobre alguns candidatos é pelas redes sociais ou então se você for num comício”.
“A falta de uma imprensa atrapalha nas decisões de voto, até porque os candidatos com menos verba para candidatura acabam sendo um dos mais prejudicados”, completa Karina.
O músico Maurício Violante, 29, também diz se informar pelas redes sociais e em rodas de conversa com os amigos.
Foi deste modo que ele soube do recente escândalo da Operação Raio X – cujo objetivo era a suspeita de desvios de dinheiro público na área de saúde. A cidade foi alvo de um mandado de busca e apreensão.
“Soube através de uma nota de esclarecimento, sem pé nem cabeça, da própria prefeitura, que foi divulgada nas redes sociais dos eleitores do mandato atual”.
“É o que sempre acontece em qualquer denúncia de corrupção em qualquer lugar. Eles negam, muitos acreditam e depois todos esquecem”, finaliza Maurício.
CONFIRA OS PLANOS DE GOVERNO DOS CANDIDATOS EM VARGEM GRANDE PAULISTA
O momento em que Vargem Grande mais apareceu no noticiário foi por conta do programa Tarifa Zero, em 2018, após um longo imbróglio sobre o transporte público da cidade.
Há um projeto na cidade que tem buscado atuar para ajudar os moradores. O Voto Consciente VGP fez entrevistas com alguns candidatos a vereador e prefeito na cidade.
Com 39 mil eleitores, o município tem quatro candidatos à prefeitura. O prefeito Josué Ramos tem o apoio de seis partidos. Já João Neto concorre pela segunda vez, após ganhar 6% dos votos em 2016. Estão também na disputa, Piter Santos (Republicanos) e Jorge Rojas (PCdoB).
OS DESERTOS DA GRANDE SP
A FALTA DO JORNALISMO
Mesmo nas cidades onde há cobertura de imprensa, muitas vezes, os veículos são dependentes dos anúncios das prefeituras para sobreviver. Por essa razão, acabam reproduzindo a informação oficial enviada pelas assessorias de comunicação das gestões para não fustigar o governante local.
Com a crise da pandemia do coronavírus, a situação ficou ainda mais alarmante. Há cidades em que o poder da comunicação da própria prefeitura é o que tem mais capilaridade no município.
“Em uma cidade que tem apenas notas oficiais, os cidadãos ficam muito no escuro”, diz o coordenador de dados do Atlas de Notícia, Sergio Spagnuolo, 35.
Mas Sergio é otimista sobre o poder do jornalismo para a democracia. “A imprensa tem um papel fundamental na hora de votar. Se houver um caso de corrupção, é por ela que os cidadãos vão se informar”, ressalta. “Em uma cidade que tem cobertura jornalística, o político precisa ter mais transparência pública, vai ter mais cuidado com o que fazer”. Entretanto, esta não é a realidade de 1.002 cidades brasileiras
“Existe pouco incentivo econômico para veículos alternativos, o que é mais difícil para cidades com menos população, pois não tem condições para pagar. É preciso criar um ambiente de incentivo econômico para que os veículos surjam em desertos de notícias e permaneçam”, propõe Spagnuolo
* Esse conteúdo foi produzido com apoio do programa de bolsas de reportagem da Énois Laboratório de Jornalismo.