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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Jacqueline Maria da Silva

Edição: Sarah Fernandes

Arte: Magno Borges

Publicado em 14.10.2024 | 16:58 | Alterado em 12.11.2024| 16:54

RESUMO

Internação prolongada revela fragilidade do sistema de saúde, assistência social e Justiça e coloca em xeque direitos das crianças e o ECA

Tempo de leitura: 3 min(s)
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Uma criança dorme em uma cama. No quarto, ela não compartilha espaço com brinquedos ou materiais escolares, mas com um profissional de saúde. Às 7h, ambos devem estar obrigatoriamente de pé para desmontar a cama e liberar o espaço para o primeiro atendimento médico do dia. Só à noite, quando as consultas terminam, a mesa será recolhida e o consultório se transforma novamente em um dormitório improvisado.

Estamos em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Infantojuvenil 24 horas de Diadema, na Grande São Paulo. O local foi, por por mais de um ano, o endereço de Amaro*, 11, após ele ser encaminhado para um abrigo e passar a apresentar episódios de agressividade.

O que era para ser um acolhimento noturno de 14 dias, período máximo previsto por portaria do Ministério da Saúde, se tornou uma internação psiquiátrica em um ambiente improvisado, já que o CAPS em questão não possui estrutura para permanência noturna de pacientes.

CAPSs são divididos por público: Adulto, Infantojuvenil e AD Álcool e Drogas; e subdivididos por nível de atenção e cuidado: CAPS I (em municípios com menos de 15 mil habitantes), II (em municípios com mais de 70 mil habitantes, que podem funcionar 24 horas para atendimento) e III que possui leitos para acolhimento noturno. Diadema não possui CAPS infantojuvenil III.

Em parte desse período, Amaro não esteve sozinho: as duas irmãs do garoto, sua gêmea Olívia*, na época com 11 anos, e Nina*, 12, também passaram períodos maiores que o pré-estabelecido na instituição improvisada. A internação foi autorizada pelo Ministério Público a pedido do abrigo onde as crianças viviam, após elas serem retiradas da família por relato de negligência.

Os dois últimos Censos Psicossocial do estado de São Paulo, realizados em 2008 e 2014, apontaram a presença de adolescentes entre 12 e 18 anos internados em hospitais psiquiátricos por até 15 anos consecutivos.

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Magno Borges/ Agência Mural

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Magno Borges/ Agência Mural

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Magno Borges/ Agência Mural

Sobre o caso dos irmãos de Diadema, especialistas em saúde mental, assistência social e direitos da criança afirmam se tratar de uma situação incomum e perigosa. Eles concordam que o modelo foi arbitrário, com impactos na vida das crianças, e o mais grave: com a possibilidade de abrir precedentes para novos casos de internações psiquiátricas prolongadas, sobretudo de crianças periféricas.

Três irmãos, uma história

Fontes ouvidas pela Agência Mural, em condição de sigilo, afirmam que as três crianças permaneceram por mais de um ano vivendo em um CAPS do município de Diadema sem perspectiva de alta e sem um laudo, quadro ou diagnóstico específico que justificasse a conduta e permanência.

Lá, elas seguiram uma rotina muito distante do que deveria ser o cotidiano de uma criança. Houve períodos de interrupção de estudos, falta de convívio com outras crianças e distanciamento de outros familiares não envolvidos nos casos de negligência.

“Elas perderam o direito de estar na vida, de estabelecer relações e de ter escolhas até sobre o que comer e para onde ir. Não podiam dizer: ‘eu vou ali brincar’, porque estavam ‘presos’ em um serviço de saúde”, revela uma das pessoas ouvidas nesta reportagem.

Quem são as crianças?

Magno Borges/ Agência Mural
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Magno Borges/ Agência Mural

Sem estigmas

O caso é grave, mas é preciso ter cuidado para não estigmatizar os serviços públicos de saúde e o papel essencial que desempenham nas periferias de São Paulo.

A investigação da Mural durou seis meses, a partir de entrevistas e leitura de documentos que embasam o processo, obtido com exclusividade.

“É importante tomar cuidado para não reforçar ideias de que o serviços de atenção psicossocial não funcionam e que, portanto, o ideal seria que as instituições fossem fechadas”

Flávia Blikstein, psicóloga e pesquisadora sobre saúde mental de crianças e adolescentes

Por ser um caso sensível, em que crianças estão em situação de vulnerabilidade, ocultamos informações que possam identificar as crianças, os familiares e os profissionais, assim como detalhes do quadro clínico dos envolvidos.

Cabe ressaltar que toda a rede de apoio e atendimento falha quando direitos das crianças são postos em xeque. Partimos para o debate sobre o papel do poder público na proteção das crianças e garantia de acesso à saúde mental de qualidade.

*Os nomes foram alterados para preservar os envolvidos, conforme prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)

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Linha do tempo

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Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World.

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Jacqueline Maria da Silva

Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

Como fizemos?

Uma fonte procurou a Agência Mural para denunciar a história de Amaro e de suas irmãs. A partir desse contato, outros envolvidos no caso foram convidados a participar da reportagem e aceitaram falar. Como se trata de uma denúncia grave, que pode prejudicar diretamente os envolvidos, nos baseamos no direito constitucional de sigilo da fonte, optando por não revelar seus nomes .

Para garantir esse sigilo, decidimos não identificar empresas e entidades envolvidas, evitando assim qualquer possibilidade de chegar até às fontes.

O mesmo procedimento foi  adotado em relação às crianças – que tiveram seus nomes alterados, respeitando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) – e seus familiares. O contato com eles exigiu um cuidado especial, devido à gravidade do caso.

A delicadeza e o cuidado pautaram todo o processo de apuração,desde o contato inicial com  as fontes por meio de plataformas digitais até as entrevistas presenciais.

Entramos em contato com familiares e órgãos públicos, como Secretarias de Saúde, Assistência Social, Ministério Público e SAICA, para acompanhar todos os aspectos da história.

Optamos por divulgar apenas os fatos que pudessem contribuir para um debate mais amplo sobre acesso à saúde mental e garantia de direitos das crianças periféricas.

Consideramos que a opinião de todas as fontes envolvidas  é essencial em uma apuração. As crianças são sujeitos de direito e podem falar sobre si mesmas. No entanto, neste caso de violação grave, a escolha editorial foi por não iniciar o complexo processo de obter autorização para falar entrevistá-las, não devido ao tempo que isso levaria, mas por reconhecer nosso limite e evitar revitimiza-las, entendendo como um fator de proteção.  

Questionamos diretamente os órgãos envolvidos caso. Entretanto, nenhum quis comentar, respaldados pelo ECA. 

É fundamental ouvir todos lados e garantiro direito de resposta prévia. Ainda que nem todos escolham se pronuncierou  responder às perguntas feitas, esse é um dever, especialmente em um um tão caso sensível. 

É preciso compreender  que, às vezes, o silêncio também é uma forma de resposta.

Republique

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