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Especialista tira dúvidas dos leitores sobre a imunização contra o coronavírus

“Você gostaria de se candidatar a participar de um estudo clínico? Estes são os estudos disponíveis no momento: 1. Vacina Covid-19”. O convite que circulou em grupos nas redes sociais nos últimos meses recrutava voluntários para entrar em um suposto teste de vacinas.

Ainda nas redes sociais, a frase ‘eu nunca quis tanto uma vacina’ se popularizou. Nas periferias da capital e da Grande São Paulo, as dúvidas sobre a vacina que pode imunizar do novo coronavírus são recorrentes.

As dúvidas ganharam força com os recentes anúncios de avanço nos estudos e por se tornar alvo de uma disputa política entre governo do estado de São Paulo e o governo federal. Ambos têm investido no desenvolvimento do imunizante realizado por empresas de outros países.

Para esclarecer essas dúvidas enviadas por leitores, a Agência Mural falou com a infectologista e médica Maria Aparecida de Assis Patroclo, 67, mestre em epidemiologia e doutora em ciências da saúde.

Um ponto importante para adiantar: não há previsão, ainda faltam testes e também ainda irão avaliar o modelo mais eficiente quando os estudos avançarem (e quando uma das vacinas desenvolvidas for aprovada).

Ainda é preciso cuidado. Apesar da redução no número de novos casos, 22,3 mil pessoas morreram por causa da doença na Grande São Paulo, até a última terça-feira (20) — 362 em uma semana –, enquanto o país ultrapassa as 150 mil perdas.

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Imunização depende do avanço dos estudos @Magno Borges/Agência Mural

QUANTO TEMPO LEVA?

Uma mensagem recorrente foi sobre o tempo e quais são as fases de desenvolvimento de uma vacina e quantas pessoas são testadas.

O processo começa com a fase pré-clínica, com experimentos laboratoriais para identificação se o material testado tem capacidade de provocar resposta protetora em animais, metabolização, excreção e toxicidade.

Depois começam as fases de pesquisa clínica já com seres humanos, sendo que a fase 1 envolve a segurança e o perfil das propriedades farmacológicas, como o metabolismo, excreção e a toxicidade com 10 a 30 voluntários. Na fase 2, o teste se preocupa com a eficácia e a segurança. Ele envolve 70 a 100 voluntários.

Na fase 3, os cientistas buscam a efetividade do remédio para comparar a solução e segurança em condições reais. São 100 a 1.000 voluntários. A infectologista explica que nesta fase parte das pessoas recebem o produto em teste e parte um produto inofensivo, o placebo.

“A distribuição das pessoas que deverão receber cada tipo de produto deve ser feita de forma aleatória, nem as pessoas, nem os pesquisadores devem saber antes do final do estudo”, acrescenta.

Na quarta e última fase, são feitos estudos de custo, monitoramento dos riscos e benefícios do uso a médio e longo prazo, além da vigilância do remédio após a comercialização.

DEPOIS DE PRONTA, FUNCIONA IMEDIATAMENTE?

Na Vila Matilde, zona leste de São Paulo, o estudante de arquitetura Eric Mol tem dúvida sobre quanto tempo após a aprovação e aplicação da vacina há a certeza de estar protegido do coronavírus. No mesmo bairro, o assistente de professor Henrique Moraes questiona quanto tempo levaria para haver a imunização após a vacina.

Professora e moradora da Penha, também na zona leste, Maria Madalena de Oliveira quer saber se as vacinas podem ter efeitos colaterais.

Maria Aparecida explica que as vacinas precisam ter comprovação de proteção nos testes laboratoriais e em humanos. O estabelecimento do número de doses e volume de cada uma são outros aspectos importantes na pesquisa.

A infectologista diz que a eficácia, proteção comprovada em maior número de pessoas com características comuns, a efetividade e a garantia de que os efeitos adversos sejam mínimos e leves são importantes para garantir a segurança.

Sobre o tempo que a vacina levará para funcionar e proteger contra a Covid-19, ainda é impossível dizer. A eficácia da vacina, quantas doses serão necessárias ou mais detalhes sobre o funcionamento delas, depende dos testes. Além disso, depende de qual vacina conseguir comprovar primeiro a eficiência.

QUEM VACINA PRIMEIRO?

Uma leitora perguntou à Agência Mural se a vacina será aplicada por grupos, como os idosos e profissionais de saúde. Ela questiona se há algum formato ideal.

A infectologista diz que o Ministério da Saúde deverá fazer uma avaliação técnica para identificar quais das vacinas com registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deverá ser adquirida ou aceita como doação para distribuição nos serviços públicos de saúde. Em seguida, deve ser pensada a estratégia de vacinação.

Segundo informações preliminares, serão vacinados primeiro os profissionais de saúde com alto risco de serem infectados e idosos em asilos, pessoas com doenças crônicas e comorbidades com alto risco de morte, se infectadas.

Nas últimas semanas, perguntas sobre a criação da vacina têm sido cada vez mais comum @Magno Borges/Agência Mural

Na fase dois, seriam os profissionais dos setores essenciais à sociedade, como os entregadores e vigilantes, professores e demais trabalhadores em escolas, além da população de rua, pessoas no sistema prisional e todos os adultos com comorbidades e médio risco de morte.

Por último, seriam os adultos jovens, as crianças. Por fim, seria liberada para toda a população brasileira.

Apesar do cronograma, a infectologista aponta que essa pauta ainda não entrou em debate e depende dos discursos políticos. “Essa discussão ainda não está acontecendo no Brasil e corre risco da ideologização pelas diferentes correntes, a exemplo do que vem acontecendo durante toda a pandemia”, conta.

VOLTAR AS AULAS SEM VACINA?

Outra dúvida frequente dos leitores se refere à flexibilização e o retorno das aulas presenciais. Segundo Maria Aparecida, a retomada sem uma vacina tem como grande risco a disseminação do vírus com risco alto de morte para os adultos inseridos no sistema de ensino, além dos familiares desses alunos que estejam no grupo de risco.

“No ambiente escolar considero difícil que se consiga manter os cuidados que reduzem o risco em função de falta de investimento na estrutura das escolas, número de alunos/turma, além do comportamento infantil e de adolescentes”, pontua.

E OS COMÉRCIOS ABERTOS?

No caso dos comércios, ela diz que os mais arriscados são bares e restaurantes, pois eles oferecem perigo aos frequentadores e seus contatos domiciliares. Nos demais serviços, com os cuidados, como distanciamento social, uso de máscaras e limpeza das mãos, o risco é menor.

De qualquer forma, um perigo que é difícil de se livrar é o transporte público. “Tanto no comércio quanto nas escolas, todos os trabalhadores e frequentadores, enfrentam os riscos do trajeto em transportes coletivos”, avalia a infectologista.

O SUS PODE AJUDAR?

A médica explica que, mesmo antes do SUS (Sistema Único de Saúde), os serviços públicos de saúde eram responsáveis pela vacinação já que o Programa Nacional Brasileiro de Imunização surge na metade dos anos 1970. Com o SUS, há maior potencial para alcançar os diferentes grupos populacionais e ampliar a cobertura.

“É necessário que profissionais dialoguem, desde já, com a população para esclarecer sobre as dúvidas, reduzindo o medo, desmentindo as propagandas enganosas”, observa.Para ela, os serviços de saúde também precisam ofertar vacinas fora do horário comercial e nos fins de semana.

NÃO TEM CHIP

No Em Quarentena, podcast da Agência Mural, um dos episódios abordou um dos boatos que se espalharam pelas redes sociais. Um deles era de que haveria um chip implantado junto com a vacina, o que é falso.

PAÍSES MAIS POBRES TÊM PRIORIDADE?

Alguns leitores questionaram ainda sobre a distribuição das vacinas para as nações pobres, que podem ficar sem dinheiro para comprar a proteção à população. A infectologista pontua que no mundo não existem leis para nenhum tipo de proteção para os mais pobres.

Para a médica, cabe à OMS garantir a equidade na distribuição de produtos cujo financiamento esteja sob sua coordenação.

”Os países mais pobres correm o risco de terem acesso mais tarde do que os países ricos. Entretanto, sabemos que, se forem importantes para os países ricos, seja devido a turismo, manter negócios e a exploração dos bens naturais, eles podem ser ‘beneficiados’ precocemente.”

QUAIS VACINAS ESTÃO EM ANDAMENTO?

Existe a expectativa de que os cientistas encerrem as pesquisas da vacina até o final deste ano e alguns com registro na Anvisa. Porém, é preciso aguardar, pois há vários estudos em andamento. Não é possível cravar uma data para elas.

A médica diz que no Brasil há cerca de três testes diferentes sendo realizados, incluindo a da Universidade de Oxford, nos EUA.

Até a última atualização da OMS (Organização Mundial da Saúde), nesta semana, cerca de 200 propostas de vacinas estão sendo estudadas, sendo que 44 chegaram à fase de experimentação em humanos — os chamados estudos clínicos. Do total, nove estão na terceira e última fase.

Além disso, existem outras vacinas no mundo em desenvolvimento sem que parte dos estudos sejam realizados em brasileiros, mas que podem vir a ter registro na Anvisa para comercialização.

Outra consideração é que no Brasil, por meio da USP (Universidade de São Paulo), há pesquisa em curso, como outros projetos em desenvolvimento para saber se vacinas já existentes como o BCG, para tuberculose e a ‘Tríplice Viral’, que protege contra o sarampo, caxumba e rubéola, oferecem algum tipo de proteção no combate ao SARsCoV2, o vírus da Covid-19.

NÃO INTERFERE NO MATERIAL GENÉTICO

Outro mito que se espalhou é de que a vacina interfere no material genético, o que não é real. A questão também foi tema do Em Quarentena.

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