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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Milena Vogado

Edição: Paulo Talarico

Arte: Magno Borges

Publicado em 16.08.2024 | 10:11 | Alterado em 16.08.2024| 10:11

RESUMO

A Agência Mural conversou com jovens de 16 a 17 anos para entender o que os motivou a votar nas eleições de 2024 mesmo sem a obrigatoriedade. Dilemas sobre o futuro, a questão do emprego e transporte público estão entre algumas das demandas em meio ao tabu de falar de política nas escolas

Tempo de leitura: 8 min(s)
Esta reportagem foi produzida com apoio da Fundação Tide Setubal logo
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John Lincoln Gonçalves Anacleto, 16, mora na Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, e conta que sempre incentivou outros jovens a buscarem ativamente por direitos. Por isso, também tirou o título de eleitor para votar pela primeira vez neste ano. Onde ele mora, outros 632 estudantes poderão ir às urnas.

A vontade dele é de fazer mudanças, entre elas, alterar a rotina cansativa de ter de trabalhar longe de casa e gastar boa parte do tempo dentro do ônibus. E vê bem os obstáculos.

“A gente vai lá na Câmara [Municipal] ver quem tá decidindo por nós jovens e geralmente não são os jovens. Geralmente, é o pessoal mais velho e que tem uma condição financeira maior do que a da nossa realidade”, destacou.

De fato, dos 55 vereadores da Câmara Municipal de São Paulo, apenas 2 são jovens (têm até 29 anos). São eles: Jorge Wilson Filho (Republicanos) e Fernando Holiday (PL). Além deles, Luana Alves (PSOL) e Luna Zarattini (PT) foram eleitas ainda jovens – hoje, ambas têm 30 anos. A idade média do vereador paulistano é de 54 anos.

A necessidade de votar para fazer diferença mobilizou vários jovens em São Paulo. Levantamento da Agência Mural em dados da Justiça Eleitoral indica que este ano 28 mil eleitores na cidade têm entre 15 e 17 anos e podem participar antes mesmo da votação ser obrigatória. Pelo Brasil, são 1,8 milhão, 78% a mais do que em 2020.

QUANDO ADOLESCENTES COMEÇARAM A VOTAR?

Jovens a partir de 16 anos conquistaram o direito de votar com a Constituição de 1988, após a luta do movimento estudantil. Apenas a partir dela foi possível o voto antes da maioridade. Isto é, antes de o jovem atingir os 18 anos de idade. Contudo, assim como para analfabetos (outra conquista da Constituinte), o voto para adolescentes de 16 e 17 anos é facultativo. Isso quer dizer, basicamente, que vota quem realmente quer.

Do total na capital, zonas eleitorais localizadas nas periferias concentram a maior parte do eleitorado adolescente, casos de Piraporinha e Grajaú, na zona sul de São Paulo.

É no Grajaú que vive Letícia do Nascimento, 17, que também tirou o título este ano. “A maioria dos meus amigos pensam da mesma forma. Também tiraram o título esse ano, e me influenciaram a tirar também”, conta a menina.

Nesta reportagem especial, ouvimos por que três jovens das periferias decidiram tirar o título para participar da disputa que definirá novos vereadores e o futuro prefeito na capital, e o que precisa avançar para as juventudes periféricas.

Trabalho e mobilidade

Quando pensa no que precisa mudar, John tem na ponta da língua. “O principal é a falta de trabalho, realmente, dentre todos [os problemas] que têm aqui”, diz o morador de Cidade Tiradentes.

John conta que tem muitos amigos que gostariam de trabalhar, mas não encontram oportunidades, especialmente próximas ao território onde vivem. Ele trabalha com atendimento ao cliente no Tatuapé, depende do transporte público todos os dias e não tem tempo antes da aula, já que trabalha até 14h10 e estuda entre 14h30 e 21h30.

“O horário que o portão da escola fecha é 14h30, o horário que eu saio do trabalho é 14h10. Então eu chego aqui 15h15, por exemplo. Aí eu tenho que informar para a escola que eu estava no trabalho, mas querendo ou não, a escola tem regras”, diz o estudante.

A ida ao trabalho também é desafiadora. John conta que acorda 5h todos os dias, para dar tempo de se arrumar e sair da Cidade Tiradentes rumo ao Tatuapé, onde começa o expediente às 8h.

‘A gente não tem muito o que fazer, porque procurei bastante por [emprego] na região, não foi falta de procurar. Teve outros amigos meus que procuraram oportunidade de trabalho, e infelizmente eles não acham’

John Lincoln, estudante

A última edição do Mapa da Desigualdade (2023) mostra que a Cidade Tiradentes é o distrito com a menor taxa de oferta de emprego formal de São Paulo.

Conforme o mapa, há 0,3 ofertas de emprego para cada 10 habitantes em idade ativa. O distrito com maior oferta de emprego, por outro lado, é a Barra Funda, na zona oeste, com uma taxa de 70,06 oportunidades a cada 10 habitantes.

De acordo com John, há apenas um depósito e uma gráfica que costumam contratar jovens na região, “em uma das maiores periferias do país”, destaca.

A distância do emprego implica diretamente nas condições de transporte público. John relata ônibus lotados e precários. “Se pelo menos a gente tivesse um transporte de qualidade, o jovem se sentiria disposto a ir trabalhar. Iria fazer diferença”, disse.

Ainda segundo o Mapa da Desigualdade, a Cidade Tiradentes é o segundo distrito com maior tempo médio (em minutos) de deslocamento por transporte público, atrás apenas de Marsilac. São 68 minutos no transporte em média, ante 25 minutos de Pinheiros, distrito com o menor tempo gasto.

Saúde e educação

Há outras demandas para as juventudes periféricas, algumas ligadas às necessidades gerais da capital paulista. Uma pesquisa do Datafolha feita em maio de 2024 questionou os eleitores paulistanos sobre quais áreas de atuação eles consideram mais importantes para definir o voto nas próximas eleições.

O levantamento considerou uma escala de 0 a 10 em que 0 significava nada importante e 10 muito importante. Todos os temas obtiveram notas altas, sendo que a média mais baixa foi atribuída às mudanças climáticas (7,9). Entre as notas mais altas, destacaram-se educação (9,0) e saúde (8,9), seguidas por limpeza e coleta de lixo (8,8), transporte coletivo (8,6) e habitação (8,5).

A pesquisa do Datafolha não focou no público jovem, mas as demandas das juventudes paulistanas estão alinhadas com o que a população quer no geral. “Acho que principalmente a educação e a saúde [são importantes]”, disse Victoria Gicirani Ramalho, 17, moradora de Interlagos.

John, de Cidade Tiradentes, e Victória, da zona sul, vão votar pela primeira vez em 2024

Sobre a educação, Victória cita, por exemplo, o alto custo das taxas de inscrição em vestibulares – que são, predominantemente, de jurisdição estadual, e não municipal. Apesar disso, este é um aspecto que ela leva em consideração na hora de escolher os candidatos.

‘A educação é um direito do ser humano. Vestibular tem que ser o direito e você não tem que pagar por ele. Se tiver que pagar, que seja uma taxa pouca, porque R$ 200 é absurdo. Então acho que a retirada dessas taxas [é importante]’

Victoria Gicirani

Candidatos que escutem as juventudes

Para os adolescentes, um fator decisivo na escolha de um candidato é a escuta que o político deve exercer em relação às juventudes. John, por exemplo, afirma que não precisa se conectar muito com o candidato, mas espera que ele apresente uma boa proposta de planejamento para os jovens. “É uma coisa que eu sempre quis”, afirmou o adolescente.

No primeiro debate entre candidatos à prefeitura de São Paulo, exibido pela Band, a palavra “periferia” foi citada diversas vezes. No entanto, sabe-se que poucos dos políticos presentes tinham uma relação próxima com as quebradas. John é um jovem que está consciente disso.

“Eles que dizem lá o que a gente tem ou não tem que ter aqui na periferia, por exemplo, sendo que muitos ali nem pisaram na periferia”, destacou.

Conforme Victória, escutar a população mais jovem que habita as quebradas da cidade é fundamental. “Tem bastante jovens que têm ideias legais e não são ouvidos, e também você [precisa] melhorar o acesso, escutar as pessoas que moram, que vivem, que sabem o que passam ali [nas periferias]. Ouvir mais e tentar melhorar”, disse a estudante.

Desejo de participação

Desde então, o interesse das juventudes pela política permanece vivo, mesmo que o número de eleitores nessa faixa etária tenha caído durante a pandemia de Covid-19.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 1.836.081 eleitores menores de 18 anos de idade estão aptos a votar nas eleições municipais de 2024. O total representa mais de 30% do número de adolescentes entre 16 e 17 anos no Brasil (5,8 milhões).

Entre 2018 e 2022, a participação de jovens de 16 e 17 anos aumentou 52,3%, de acordo com dados do TSE. Neste ano, o salto foi de 78%, comparado com a votação de 2020. Só nos dois primeiros meses de 2024, mais de 417 mil adolescentes entre 15 e 17 anos solicitaram a primeira via do título de eleitor.

Para o educador e cientista político Daniel Cara, esta ação demonstra uma vontade e um anseio de participação no processo eleitoral, além de um sentido de mudança.

“Tomar uma decisão de voto antes do período obrigatório significa um desejo de participar e de mudar a realidade. Então, é extremamente importante e o país tem que ficar feliz e orgulhoso, inclusive, com esses adolescentes”, destacou o educador.

A sensação do primeiro título

Victoria viu uma movimentação entre os amigos mais próximos para votar este ano. Para ela, a juventude tem voz e força dentro da sociedade, poderes que devem ser usados por meio do voto. “O que a gente quer fazer é uma certa diferença no mundo agora”, diz a estudante.

“Quando é criança é normal votar com a mãe, mas agora sou só eu e é uma responsabilidade muito grande. Dá aquele choque de realidade de que agora estou virando uma adulta”, contou Victoria.

No entanto, após o susto inicial, a mais nova eleitora diz ter sentido uma sensação boa, “de que eu finalmente estou fazendo alguma coisa sozinha, de ter crescido realmente”.

Eleição definirá novos prefeitos e vereadores @Magno Borges/Agência Mural

Letícia diz estar bastante animada porque vai votar pela primeira vez, e está curiosa para saber como é essa sensação. John também sentiu alegria ao tirar o título e, além dos compromissos nos domingos de 6 e 27 de outubro, conta que agora ganhou poder de escolha.

Todos os jovens entrevistados pela Agência Mural fizeram o mesmo caminho para tirar seu título de eleitor: solicitaram o documento on-line, e foram até o cartório registrar a biometria. O próximo passo agora é definir os critérios para escolher em quais candidatos votar.

“Procuro ver as propostas, histórico, basicamente isso, pra ver se ele é uma boa pessoa para comandar a cidade”, diz Letícia.

John lembra, no entanto, que o trabalho como cidadão não termina com a eleição. Além do poder de escolha, o jovem ressalta que ganhou o dever de acompanhar a gestão do candidato em que votar. “Eles são funcionários públicos e a gente tem que cobrar”, enfatizou.

Tema proibido

Apesar da vontade de participar, os estudantes apontam que nas escolas o tema é tratado como tabu, mesmo que a abordagem seja apenas para tirar o título de eleitor.

“Sempre quando falo para alguém eles acham muito eu saber de tudo isso só com 16 anos, e eu falo que não deveria ser estranho, porque para mim as escolas poderiam ensinar. Por exemplo, a minha escola fala que não deve falar de política, mas eu acho muito estranho isso”, relata John.

28 mil eleitores de 16 e 17 anos votarão em São Paulo @Magno Borges/Agência Mural

O jovem conta que já chegou a questionar a diretoria do colégio onde estuda sobre o assunto, mas ouviu em resposta que a ordem para não abordar o tema “veio de cima”. “Aí eu paro pra pensar: será que às vezes os políticos não querem que a gente aprenda isso?”, indaga o estudante.

“Ninguém fez uma pequena campanha para ajudar os adolescentes a tirar o título, se você não incentiva, o adolescente raramente vai ter essa iniciativa de ir atrás”, disse Victória, que contou ter recebido das redes sociais, mas principalmente da família, o estímulo para votar.

Segundo ela, na escola existe um tabu de que política não se discute – realidade relatada por outros tantos jovens do ensino público. No entanto, de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), política se discute sim.

Entre as competências que devem ser trabalhadas nas escolas, o BNCC prevê “Responsabilidade e Cidadania”, que estabelece a necessidade de desenvolver na criança e no jovem a consciência de que eles podem ser agentes transformadores na construção de uma sociedade mais democrática, justa, solidária e sustentável.

Nesse sentido, entre as áreas que os alunos precisam desenvolver, estão a incorporação de direitos e responsabilidades, bem como a participação social e liderança – tudo isso ainda no Ensino Fundamental. No entanto, pouco disso é visto na prática.

Para Daniel Cara, é papel da educação fazer com que os estudantes se sintam responsabilizados por construir um país e uma sociedade mais justa, em que todos de fato tenham direitos e oportunidade de construir uma vida plena.

O especialista lembra que a educação foi fundamental para estimular a participação política. Além disso, foi importante no processo de superação da ditadura, justamente o que resultou na ampliação e na universalização do direito ao voto.

‘A escola tem um papel fundamental de mobilizar os estudantes para que eles decidam e desejem mudar o país, tornando o país mais justo’

Daniel Cara, educador

“Por isso que a escola e a educação são tão atacadas pelos movimentos reacionários, porque sabe-se o poder da escola e da educação na transformação da sociedade.”

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Milena Vogado

Apaixonada pela comunicação desde pequena. Por isso, não deu outra: hoje é jornalista, redatora e roteirista. Com interesse especial na área de direitos humanos. Correspondente do Aricanduva desde 2023.

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