Dentro de um barracão, de camiseta roxa e boné do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Regivaldo Oliveira da Silva, 43, recebe a reportagem da Agência Mural na ocupação Vila Nova Palestina, a maior da organização, no extremo sul de São Paulo.
Há nove anos morador da ocupação do Jardim Ângela, estabelecida à beira da estrada M’Boi Mirim, ele espera pelo dia em que todos os barracos levantados darão espaço à construção de moradias populares.
A espera é longa. Silva aguarda por esse momento desde que a ocupação foi fundada, em 2013. “Hoje em dia todo mundo sabe que você não consegue comprar uma casa, mal hoje em dia você consegue comprar comida”, diz o morador.
Do outro lado da ponte, a história é a mesma. Na ocupação Copa do Povo, em Itaquera, na zona leste da cidade, Kelly Cristina Silva, 38, tem um discurso parecido.
“A gente tem que escolher se vai pôr comida na mesa ou se vai pagar o aluguel”
Kelly Cristina Silva, 38, moradora da ocupação Copa do Povo
Sentada ao lado de outros membros da ocupação, ela reforça a importância da luta por moradia. “Porque a gente não tem condições de ir lá e financiar uma casa.”
Situada a poucos quilômetros do estádio que foi palco da abertura dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, a segunda maior ocupação do MTST está há oito anos aguardando a construção de habitação no local.
Apesar de distantes fisicamente, essas duas ocupações têm em comum o tempo de espera por uma resolução do poder público que viabilize obras de moradia popular, em meio aos cortes de verbas direcionadas a programas como o Casa Verde Amarela (o antigo Minha Casa, Minha Vida).
Segundo a Sehab (Secretaria Municipal de Habitação), cerca de 97 mil famílias vivem em ocupações. só na cidade de São Paulo. São pessoas em terrenos vazios, que não cumprem sua função social, e que buscam garantir o direito à moradia, assegurado pela Constituição.
Copa pra quem?
“Vizinhos” da Neo Química Arena, o “Estádio da Copa” em Itaquera, cuja construção envolveu um acordo de R$ 1,6 bilhão em empréstimos junto à Caixa Econômica Federal e ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), os moradores da Copa do Povo esperam há oito anos pelo início das construções no terreno.
Além de Kelly, mais de 2.000 acampados resistiram a ordens de despejo, transições de governos e uma pandemia que afetou fortemente a articulação da ocupação. Hoje, eles compartilham a esperança de receber a chave do apartamento.
O espaço já tem projeto desenhado e liberação judicial para início das obras, após uma negociação e aquisição do terreno pelo MTST. Contudo, a Caixa tem apontado pendências que impedem o início das construções no local.
Egídio Coelho de Sousa, 57, conhecido como Coquinho, e Carlos Roberto Costa, 65, o “seu Carlinhos”, também são moradores da área de 155 mil metros quadrados.
Coquinho entrou no movimento por meio da indicação do filho, em 2014, ainda um pouco em dúvida sobre se um dia iria sair do aluguel. Segundo ele, apesar do longo tempo de espera, “sonhar” é o motor para continuar persistindo.
“O povo, hoje, está desacreditado nas lutas”, diz. “Se fosse tão fácil a moradia, ninguém pagava aluguel em São Paulo, e ninguém morava dentro das favelas. Então tem que acreditar nos seus sonhos.”
Carlinhos também está esperançoso. Nem mesmo o insucesso em uma ocupação anterior desanimou o catador de recicláveis que, assim como Egídio, entrou para a Copa do Povo em 2014.
“Minha luta era lá, como lá não deu certo, tive que mudar para aqui”, conta o morador, que tinha 57 anos quando trocou de ocupação devido a uma reintegração de posse.
No início de outubro, moradores da ocupação participaram de um ato em frente à agência da Caixa, reivindicando uma reunião presencial para acelerar a resolução dos trâmites burocráticos para início das obras.
“A partir do momento que entrar a primeira máquina a gente vai (pensar)… ‘Caramba, deu certo!’”, disse Kelly.
Procurada, a assessoria da instituição financeira afirma que, para conclusão da análise dos projetos dos empreendimentos Copa do Povo A e Copa do Povo B, há pendências técnicas que foram comunicadas ao MTST e à construtora que executará as obras.
“Assim, tão logo os documentos sejam apresentados, a análise será realizada”, respondeu o banco à Agência Mural.
A instituição alega que “tem mantido contato com a Entidade Organizadora responsável, bem como com a construtora, para esclarecer dúvidas e prestar as orientações que se façam necessárias”, acrescentou.
Vila Nova Palestina
Enquanto isso, na maior ocupação do MTST, com cerca de 1 milhão de metros quadrados de extensão, o processo está mais “lento”, conta Regivaldo, o Gordinho.
O local ainda aguarda um decreto de desapropriação, para posterior aquisição e construção das moradias populares. O movimento conseguiu inicialmente a liberação, mas ela foi prescrita devido à pandemia da Covid-19.
O decreto 58.996 que declara a área da ocupação Vila Nova Palestina como de interesse social para ser desapropriada judicialmente ou adquirida mediante acordo foi publicado em outubro de 2019.
No entanto, segundo a Sehab, devido à emergência do coronavírus e a situação de calamidade pública incorrida no município, o decreto foi prescrito.