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Periferias votam em campanha marcada por preconceito

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Por: André Santos e Cleberson Santos e Gabriel Lopes e Matheus Oliveira

O segundo turno das das eleições no próximo domingo (30) marca uma disputa em que as periferias entraram em pauta, mas com pouca ênfase em propostas. Ao longo dos dias de campanha, as quebradas ficaram marcadas por declarações que criminalizam as regiões periféricas, tanto nas disputas presidenciais quanto para governador de São Paulo.

Nesse cenário, como os eleitores chegam na reta final? A Agência Mural ouviu moradores e líderes comunitários de vários bairros da capital para mostrar como essas declarações foram recebidas, os anseios dos moradores e também o comportamento do eleitorado.

No 1º turno, a maioria das zonas eleitorais da cidade deu vitória a Lula (PT) e, em muitas delas, houve um aumento de pessoas que deixaram de votar em Jair Bolsonaro (PL). No entanto, na zona norte da cidade, distritos seguem com a polarização forte e seguidores que ainda defendem o presidente.

Nesta reportagem, algumas cenas da disputa nas periferias e os desejos para os próximos quatros anos.

Mudei para Lula

No primeiro turno, Lula teve uma porcentagem maior que Bolsonaro em 41 das 58 zonas eleitorais da capital paulista, sendo a maioria delas nas periferias. As principais mudanças foram registradas na zona leste da cidade.

Na Cohab José Bonifácio, Lula (PT) teve 52% dos votos, oito pontos a mais do que em 2018, quando Haddad conquistou 44% já no segundo turno, no momento em que já não havia opção de outros candidatos. Um dos eleitores que mudou de voto por ali foi o analista comercial Washington de Lima Alcântara, 38.

Lima é contra a reeleição e avalia que a mudança faz bem para o país. A primeira opção dele era Ciro Gomes (PDT), porém entendeu que o único que tinha chances de vencer o atual presidente na disputa seria Lula, por isso migrou seu voto para o petista.

Apesar da mudança ser o principal fator para o voto de Washington, ele analisa que o mandato atual do presidente Jair Bolsonaro teve erros e acertos: “Sou contra algumas coisas que aconteceram no governo Bolsonaro e a favor de outras, mas os contra para mim são bem maiores e têm mais peso que os prós.”

A avaliação sobre os erros também pesaram para a consultora de vendas Kátia Santana, 36, moradora do Conjunto Teotônio Vilela, na zona leste da cidade, outra periferia que deu vitória a Bolsonaro em 2018, mas que votou mais em Lula em 2022.

Apesar disso, Kátia votou em Simone Tebet (MDB) no primeiro turno e ainda está indecisa sobre votar em Lula. “A única certeza é que não voto no Bolsonaro, foi uma decepção muito grande”, afirma, citando a pandemia de Covid-19. Na Grande São Paulo, foram 80 mil mortes pela doença.

“Quando o Brasil mais precisou, na área da saúde, ele fez chacota. Não deu atenção para o problema que estava acontecendo no mundo”

Katia Santana, moradora da zona leste

A escolha dela em 2018 foi por conta da segurança pública, que ela acreditava que teria melhorias. Esta área que segue sendo citada por eleitores que ainda votarão em Bolsonaro neste segundo turno.

Seguem com Bolsonaro

“A divisão política infelizmente acabou desfazendo muitas amizades de décadas”, diz o autônomo Anderson Henrique, 32, eleitor de Bolsonaro e morador do Jardim Fontális, na zona norte da cidade.

O eleitor admite a falta de propostas para a decisão. “Esse candidato não tem propostas, igual os outros também”, diz, mas vê no candidato quem mais se adequa ao pensamento dele. “Acredito na intenção dele de melhorar a segurança, diminuindo a criminalidade e as drogas”, diz.

Henrique também afirma acreditar na meritocracia, na ideia de crescer por conta própria, e diz que é necessário mais cuidados com a segurança e com atividades para crianças.

“Faltam atividades, esporte e cursos para a evolução delas. As crianças ficam sem atividades e com isso pode começar no caminho errado”

Anderson Henrique, morador da zona norte de São Paulo

Das 17 zonas eleitorais que deram mais votos para Bolsonaro, seis estão na zona norte da cidade, locais em que também se encontrou o cenário mais dividido. No Jaçanã, por exemplo, Lula teve 43% a 42% dos votos. No Tucuruvi, a conta foi de 44% para Bolsonaro e 41% para Lula. Os votos em Tebet e Ciro pesaram no bairro e está em aberto quem será mais votado nessa região.

O comerciante Marcelo Monteiro, 22, tinha o desejo de ser militar, mas desistiu. Hoje ele diz que se sente representado pelo atual presidente e também cita a questão da segurança. “As políticas para o bairro tem que aumentar: a economia e gerar empregos. Só assim entrará um novo ciclo de vida pós pandemia”.

Já o auxiliar administrativo Wellington Araújo, 35, também vê a segurança como um dos temas necessários de mudança, tal como o transporte e as questões sociais. Mas entende que Lula é a melhor opção para estes temas. Araújo vê a situação de divisão no dia a dia da região.

“Sinto que essa divisão foi se criando pelas fakes news, pelo ódio, preconceito de candidatos e que tantas pessoas foram se identificando com isso”, opina. “O diálogo foi deixando de existir, infelizmente”.

Preconceito como discurso

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sugeriu tanto na propaganda eleitoral quanto no debate transmitido pela Band no último dia 16 que Lula (PT) seria “amigo de bandidos” ao se referir ao evento de campanha do petista, em 12 de outubro, no Complexo do Alemão, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro.

Seguidores do presidente chegaram a publicar nas redes sociais que a sigla CPX presente no boné usado por Lula seria referência a uma facção criminosa. Na verdade, trata-se de Complexo.

“Não tinha nenhum policial ao seu lado. Só traficante. Tanto é verdade, a sua afinidade com traficantes, com bandidos, que nos presídios do Brasil, a cada 5 votos, o senhor teve 4 votos”, afirmou.

Para Adriano Sousa, militante da Uneafro Brasil e integrante do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica) Guaianás, em Guaianases, zona leste de São Paulo, esse tipo de fala de Bolsonaro tem como objetivo “tentar mobilizar o lado mais conservador da sociedade”.

“Ele cria uma realidade paralela em que a criminalidade é negra e de iniciativas comunitárias”

Adriano Souza, educador e morador da zona leste de São Paulo

“O fato de o Lula se reunir com tanta gente desse tipo de iniciativa faz com que o Bolsonaro se sinta ameaçado politicamente e tente criar uma imagem deturpada desse tipo de iniciativa. Além de tudo isso ser extremamente racista.”

No dia seguinte ao debate presidencial, o candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) participou de um evento na comunidade de Paraisópolis, segunda maior favela da capital, que foi interrompido por um tiroteio.

Em um primeiro momento, o próprio candidato afirmou que havia sido vítima de uma “tentativa de atentado”, mas a Polícia Militar, que ainda prossegue com a investigação, descartou a possibilidade dos tiros terem relação com a presença do candidato na favela.

Paraisópolis tem mais de 100 mil moradores e foi envolvida em polêmica da candidatura de Tarcísio @Léu Britto/Agência Mural

Na visão de Guilherme dos Santos, 26, que é morador de Paraisópolis, tanto as falas de Bolsonaro quanto o episódio supostamente envolvendo Tarcísio não passam de tentativas de “queimar” o lado adversário.

“Na verdade isso [associar favela com o crime] não tem nada a ver. Na favela tem muita gente boa, criança querendo esporte. No meu ponto de vista é uma tentativa de queimar o outro lado”, afirma. “Em todo lugar existem bandidos, mas na comunidade é outra visão, comunidade abraça a comunidade”, ressalta Guilherme, que é trabalhador da construção civil.

Morador de Paraisópolis desde 2008, ele conta que nenhum candidato enfrenta problemas em fazer campanha dentro da comunidade: “quando chega essa época [eleitoral] abre várias portas para a saúde, educação, lazer e esporte. Os mais bem vindos são aqueles que ajudam a comunidade”.

Impacto na votação

Questionado sobre a possibilidade de Bolsonaro perder ou ganhar votos por conta dessas falas preconceituosas às populações periféricas, Adriano acredita que elas têm maior influência em quem já tem o voto convicto no atual presidente.

“Acaba sendo mais uma agitação política que ele [Bolsonaro] faz, uma reafirmação do voto daqueles que já tem uma opinião preconceituosa. O movimento dos indecisos é uma incógnita”, conta.

Presidente da Unas, Cleide vê reação às falas de Bolsonaro sobre as favelas @Léu Britto/Agência Mural

Em Heliópolis, maior favela da capital, Antônia Cleide Alves é presidente da UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) e aponta que tem observado nas ruas reação sobre as declarações.

“A sociedade que exclui, que é racista e machista, não é a maioria. Mesmo com essa estrutura que a gente vê, a grande maioria das pessoas não são isso. Tem muita gente preocupada com a democracia, com o racismo, com os preconceitos”, afirma.

“Tem muita gente sabendo que a favela não é lugar de bandido, é lugar de gente trabalhadora. Acredito que as ‘pessoas do bem’, que defendem a família como ele diz, sabem que a realidade não é essa”

Antônia Cleide, presidente da Unas, associação de moradores em Heliópolis

Para Cleide, uma forma possível de mudar a visão que parte da sociedade e da classe política têm das periferias passa por visitar esses lugares.

“É andar no meio do povo, conhecer as comunidades. Eles têm que conhecer esse povo que o elegeu, e também o povo que não votou, mas que são seres humanos e que precisam das políticas públicas, da transparência dos orçamentos.”

Adriano aponta que esse cenário só vai mudar com a ampliação da educação e comunicação comunitária, que possa mostrar mais o que são as periferias.

“É preciso que chegue a outros lugares a informação de que tudo que se faz numa comunidade é trabalho coletivo, que gera renda e que há vida nas comunidades, não é só um lugar para dormir ou onde você tem o desfile de atos de violência de quem quer que seja”, aponta.

“Acredito em uma educação que valorize, até para o próprio morador se ver de forma mais positiva.”

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