Jacqueline Maria da Silva/Agência Mural
Por: Redação
Reportagem: Aline Kátia Melo, Ariane Costa Gomes, Bruna Nascimento, Cleberson Santos, Egberto Nunes, Estela Aguiar, Guilherme Silva, Humberto Muller, Jacqueline Maria da Silva, Jariza Rugiano, Kaliny Santos, Karine Gomes, Katia Flora, Luiz Lucas, Renata Leite,
Arte: Magno Borges
Edição: Paulo Talarico
Publicado em 17.10.2022 | 16:41 | Alterado em 21.10.2022| 12:27
Durante a campanha eleitoral, 16 correspondentes da Agência Mural receberam mais de 1.011 materiais de campanha na porta de casa; média foi maior do que em 2018, mas qual o impacto desse tipo de ação em que o eleitor não tem direito de decidir se receberá ou não
Tempo de leitura: 7 min(s)Na caixa do correio de uma casa em Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo, havia um envelope sem remetente ou destinatário, apenas com a palavra em letras maiúsculas: URGENTE. O estilo, semelhante aos avisos de cobrança, guardava outra surpresa: era a família Leite.
Flyers e santinhos com colinha indicavam os nomes de Milton Leite Filho (União) para deputado estadual, e de Alexandre Leite (União) para federal – os dois são filhos do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite.
Havia ainda uma lista de ações, como fila de creche zerada, asfaltamento de ruas e reformas de escolas, atribuídas aos deputados. Os dois foram eleitos e usaram um recurso utilizado por boa parte das campanhas eleitorais: o envio de material de propaganda para as casas durante a disputa eleitoral.
Para medir esse tipo de ação, o longo dos 45 dias de campanha, 16 correspondentes da Agência Mural guardaram os materiais que mostram um retrato de como esse tipo de propaganda ainda é a aposta mesmo em tempo de redes sociais. Foram mais de 1.000 papéis recolhidos ao todo.
O resultado desse levantamento, feito pela Mural desde 2016, é o Santinhômetro, que mostra como jogar papel nas casas ainda têm impacto não só em sujar os quintais, mas uma possível relação com as votações.
OBSERVAÇÃO: Este levantamento é uma amostra de como a campanha chega nas casas das periferias de São Paulo. No entanto, há fatores que podem influenciar na quantidade, como a localização da residência (se fica no final da rua, por exemplo) e a ação individual dos entregadores (que podem não seguir a determinação da campanha).
Durante os 45 dias da campanha no 1º turno, houve quem recebesse 4 papéis por dia em casa, num total de 166 no Jardim Ângela, na zona sul da capital, lugar que liderou as propagandas. Se você quiser fugir desse tipo de papel, o lugar é a Ilha do Bororé, no Grajaú, também na zona sul, onde não chegou nenhum santinho – único local a registrar essa situação.
Na média, foram 63 materiais distribuídos em 16 casas nas periferias da Grande São Paulo, o que indica uma alta em relação a 2018, quando os materiais chegaram a 49 papéis por residência.
“Deu para ficar literalmente de saco cheio dos santinhos”, aponta Bruna Nascimento, correspondente de Suzano, na Grande São Paulo, onde foram entregues 122 materiais de campanha no bairro Miguel Badra.
O número grande de santinhos na casa dela teve um motivo: a campanha do candidato a deputado federal Maurício Neves (Progressistas) despejou 50 santinhos de uma vez na casa – ele foi eleito deputado federal, mas obteve apenas 560 votos em Suzano.
Algo parecido foi visto no Jardim Ângela, na zona sul da capital, onde 45 propagandas foram entregues de uma vez só pelo deputado estadual eleito Barba (PT) ao lado do deputado federal Alfredinho (PT), que não se reelegeu. Ao longo da campanha, a casa do correspondente Luiz Lucas recebeu 166 materiais.
“Recebi papel todos os dias, fosse pelo correio, inserido na caixa de correio ou jogado no quintal”, relata Jacqueline Maria da Silva, correspondente de Cidade Ademar, também na zona sul.
Por lá, havia a presença de nomes conhecidos no bairro como George Hato (MDB) e Goulart (PSD) – ambos não foram eleitos. Reeleita, Tabata do Amaral (PSB), que é de Cidade Ademar, utilizou o atributo da carta. “Dos 32 partidos inscritos no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], recebi panfletos de 14 deles”, continua Jacqueline.
Um dos problemas desse volume é justamente o que acontece com os papéis. Alguns deles, colocados nos portões, voavam e se perdiam nas calçadas, parando em bueiros.
“Nos dias de chuva, o ponto de atenção sempre era recolher as várias propagandas do chão em tempo, já prevendo o possível entupimento da via de escoamento de água que liga a casa do vizinho, na rua debaixo”
Renata Leite, correspondente no Capão Redondo
O formato carta, apesar de menos usado do que as colinhas, se repetiu bastante. Foram 14 ao todo. Além da família Leite, a família Soares também escreveu para algumas casas para apoiar os candidatos David Soares (União) e Daniel Soares (União), eleitos deputado federal e estadual. Uma delas chegou ao Jardim Planalto, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
A dupla também enviou um santinho para o Jardim Ângela que trazia um QR Code “fale conosco”, que encaminhava para uma página dos candidatos e possuía a imagem do Missionário R.R. Soares, dono da igreja Internacional da Graça de Deus.
A criatividade também chamou a atenção. No Capão Redondo, a biografia do candidato a deputado estadual Juarez Pereira (União Brasil) veio em formato HQ (história em quadrinhos). Já os com mais volume depositados foram os santinhos com colinha para preencher no verso de Antonio Carlos Rodrigues para deputado federal, e Isac Félix para deputado estadual, ambos candidatos do PL.
Não é possível garantir que esse tipo de estratégia funcione, mas entre os políticos que mais apareceram nas caixas de correio, a indicação é que sim.
Dos candidatos que mais tiveram o nome divulgado em várias casas, apenas dois não foram eleitos: Ricardo Tripoli (PSDB) e Eli Corrêa Filho (União), ambos deputados federais que buscavam mais uma reeleição.
Venceram Mauricio Neves (PP), Barba (PT), Milton Leite Filho (União), Alexandre Leite (União), Bruna Furlan (PSDB), Reis (PT), Gerson Pessoa (Podemos) e Renata Abreu (Podemos).
Além disso, as propagandas impressas representam uma boa parte do gasto dessas campanhas, em um cenário em que o financiamento público de campanha chegou a R$ 5 bilhões.
Quem teve o maior gasto total com “publicidade por material impresso” foi Alexandre Leite. Segundo a plataforma Divulgacand, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a campanha do deputado gastou R$ 466 mil em santinhos, panfletos e similares. O valor, contudo, corresponde a apenas 20% dos R$ 2,3 milhões declarados até 15 de outubro.
Em Osasco, campanha do candidato apoiado pelo prefeito teve as maiores propagandas Paulo Talarico/Agência Mural
Quem mais gastou proporcionalmente com material impresso foi Reis, que investiu 62% dos R$ 182 mil que ele teve de despesas durante a campanha. Contudo, apesar da presença eles não conseguiram levar junto vários candidatos que participaram como coadjuvantes dos santinhos nas dobradas.
SANTINHOS DAS DOBRADAS: Na prática, os santinhos costumam vir com dois nomes – um estadual e um federal. Um dos integrantes da dupla costuma ser o nome “mais forte” e com mais dinheiro para as campanhas. Esse nome mais forte faz a chamada “dobrada” com nomes espalhados pelo estado.
Leite, por exemplo, apareceu junto com Carol Cerqueira (União) em uma casa de Osasco, na Grande São Paulo – Carol não se elegeu. Barba (PT) esteve em dobradas com Alfredinho (PT) e Vicentinho (PT), que ficarão de fora do próximo legislativo.
Há casos em que não houve resultado. Em Poá, também na Grande São Paulo, a Bomboniere Dogão, no bairro Nova Poá, recebeu 43 santinhos durante a campanha eleitoral para o primeiro turno de 2022. No entanto, o que mais enviou perdeu a disputa: Douglas Izzo (PT), candidato a deputado estadual, com 11 impressões.
Dos 22 candidatos encontrados nos santinhos, apenas 7 são de Poá: Douglas Izzo (PT), Douglas Belchior (PT), Dr. Rafú Jr (PL), Junior Orosco (União Brasil), Marquinhos da Indaiá (MDB), Professor Jucá (PSOL) e Saulo Pedroso (PSD).
Em geral, foram poucos papéis relacionados à campanha nacional. Foram entregues sete flyers de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) , candidato a presidente, e Fernando Haddad (PT), que disputa o governo estadual, e 1 de Ciro Gomes (PDT) nas 16 casas. As demais menções aos candidatos vieram nas propagandas de candidatos a deputado federal e estadual.
“Me chamou a atenção não ter recebido materiais do PL, partido do atual presidente da República. E nenhum outro partido usou foto dele”, afirma a correspondente da Jova Rural, Aline Kátia Melo.
Jair Bolsonaro (PL) apareceu em dois santinhos que faziam a menção a outros nomes da coligação, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o Astronauta Marcos Pontes (PL). Um deles apareceu em Mairiporã, na Grande São Paulo.
Em Osasco, candidato aposta na causa animal e em propaganda personalizada. Ele não se elegeu @Ariane Costa Gomes/Agência Mural
Cartas chegaram em vários bairros, assinados por políticos @Ariane Costa Gomes/Agência Mural
Na cidade de Poá, políticos que enviaram propaganda não se elegeram @Egberto Nunes/Agência Mural
Na Vila Piauí, no limite com Osasco e São Paulo, candidatos das duas cidades apareceram na caixa de correio @Kalliny Santos/Agência Mural
Deu para quase cobrir uma mesa no Capão Redondo com excesso de propagandas @Renata Leite/Agência Mural
Pela Grande São Paulo, os líderes em materiais distribuídos nas casas costumam ser de nomes apoiados pelos prefeitos.
No ABC, em São Bernardo do Campo, chama a atenção o tamanho das peças de propaganda. Jornais maiores da deputada estadual Carla Morando (PSDB) e do vice-prefeito Marcelo Lima (SD) serviam tanto para divulgar os candidatos quanto para fazer propaganda da gestão municipal de Orlando Morando (PSDB). Ambos se elegeram.
Em número, os candidatos do PT apareceram com mais santinhos e colinhas, em especial do ex-prefeito Luiz Marinho (PT), eleito deputado federal. Mas há variações. Enquanto o bairro Planalto contabilizou mais de 50 materiais de campanha, o Jordanópolis teve apenas 11.
Em Osasco, foram mais de 100 materiais de 17 partidos diferentes. Quem mais apareceu foi o deputado estadual eleito Gerson Pessoa (Podemos). No Jardim Santo Antônio, foram 28 materiais incluindo próprios e, a maioria, em parceria com outros candidatos.
Pessoa foi ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e cunhado do prefeito de Osasco, Rogério Lins (Podemos), que apoiou sua candidatura. Um dos materiais, inclusive, era uma “carta” assinada pelo prefeito apontando o ex-secretário como opção.
Em Mairiporã, a cidade contava apenas com um candidato do município, mas materiais da dupla Maurici e Kiko (pai e filho, ambos do PT), que são de Franco da Rocha, cidade vizinha, apareceram bastante. Contudo, o volume foi bem menor do que em eleições passadas: apenas 26.
Na cidade de Suzano, houve mais azul, verde e amarelo dos materiais de partidos de direita como Progressistas, Republicanos e PL. Um material indicava apoio de um pastor em candidatos de direita trocava o sobrenome do senador eleito Marcos Pontes para Marcos Fontes.
A cor vermelha estava presente nos materiais do PT e do PCdoB. Entre santinhos, flyers e poucos jornaizinhos, uma carta chamou a atenção. Ela estava endereçada aos “moradores do Badra Alto”, com palavras sobre a importância do voto. Nela vinha a biografia e apoio a Orlando Silva (PC do B) e Leci Brandão (PC do B), mas não era escrita pelos candidatos.
Apenas “Arlindo e equipe” assina como remetente. O apoiador foi candidato a vereador em 2020 na cidade, mas conquistou apenas 84 votos.
Para fazer o Santinhômetro, 16 correspondentes guardaram toda a propaganda que fosse entregue em casa durante os 45 dias de campanha eleitoral.
Ao fim da campanha, os papeis foram contabilizados para quantificarmos quem enviou mais material impresso, quais foram os tipos desses materiais e quem foi eleito e não.
Os correspondentes que participaram são das seguintes regiões: São Paulo (Capão Redondo, Grajaú, Cidade Ademar e Cidade Dutra, na zona sul; Jova Rural, Vila Piauí, na zona norte; Jardim João XXIII, na zona oeste), Mairiporã, Osasco (Jardim Santo Antônio e Bandeiras), Poá, São Bernardo do Campo (Jardim Planalto e Jordanópolis) e Suzano.
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