Na caixa do correio de uma casa em Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo, havia um envelope sem remetente ou destinatário, apenas com a palavra em letras maiúsculas: URGENTE. O estilo, semelhante aos avisos de cobrança, guardava outra surpresa: era a família Leite.
Flyers e santinhos com colinha indicavam os nomes de Milton Leite Filho (União) para deputado estadual, e de Alexandre Leite (União) para federal – os dois são filhos do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite.
Havia ainda uma lista de ações, como fila de creche zerada, asfaltamento de ruas e reformas de escolas, atribuídas aos deputados. Os dois foram eleitos e usaram um recurso utilizado por boa parte das campanhas eleitorais: o envio de material de propaganda para as casas durante a disputa eleitoral.
Para medir esse tipo de ação, o longo dos 45 dias de campanha, 16 correspondentes da Agência Mural guardaram os materiais que mostram um retrato de como esse tipo de propaganda ainda é a aposta mesmo em tempo de redes sociais. Foram mais de 1.000 papéis recolhidos ao todo.
O resultado desse levantamento, feito pela Mural desde 2016, é o Santinhômetro, que mostra como jogar papel nas casas ainda têm impacto não só em sujar os quintais, mas uma possível relação com as votações.
OBSERVAÇÃO: Este levantamento é uma amostra de como a campanha chega nas casas das periferias de São Paulo. No entanto, há fatores que podem influenciar na quantidade, como a localização da residência (se fica no final da rua, por exemplo) e a ação individual dos entregadores (que podem não seguir a determinação da campanha).
Saco cheio
Durante os 45 dias da campanha no 1º turno, houve quem recebesse 4 papéis por dia em casa, num total de 166 no Jardim Ângela, na zona sul da capital, lugar que liderou as propagandas. Se você quiser fugir desse tipo de papel, o lugar é a Ilha do Bororé, no Grajaú, também na zona sul, onde não chegou nenhum santinho – único local a registrar essa situação.
Na média, foram 63 materiais distribuídos em 16 casas nas periferias da Grande São Paulo, o que indica uma alta em relação a 2018, quando os materiais chegaram a 49 papéis por residência.
“Deu para ficar literalmente de saco cheio dos santinhos”, aponta Bruna Nascimento, correspondente de Suzano, na Grande São Paulo, onde foram entregues 122 materiais de campanha no bairro Miguel Badra.
O número grande de santinhos na casa dela teve um motivo: a campanha do candidato a deputado federal Maurício Neves (Progressistas) despejou 50 santinhos de uma vez na casa – ele foi eleito deputado federal, mas obteve apenas 560 votos em Suzano.
Algo parecido foi visto no Jardim Ângela, na zona sul da capital, onde 45 propagandas foram entregues de uma vez só pelo deputado estadual eleito Barba (PT) ao lado do deputado federal Alfredinho (PT), que não se reelegeu. Ao longo da campanha, a casa do correspondente Luiz Lucas recebeu 166 materiais.
“Recebi papel todos os dias, fosse pelo correio, inserido na caixa de correio ou jogado no quintal”, relata Jacqueline Maria da Silva, correspondente de Cidade Ademar, também na zona sul.
Por lá, havia a presença de nomes conhecidos no bairro como George Hato (MDB) e Goulart (PSD) – ambos não foram eleitos. Reeleita, Tabata do Amaral (PSB), que é de Cidade Ademar, utilizou o atributo da carta. “Dos 32 partidos inscritos no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], recebi panfletos de 14 deles”, continua Jacqueline.
Um dos problemas desse volume é justamente o que acontece com os papéis. Alguns deles, colocados nos portões, voavam e se perdiam nas calçadas, parando em bueiros.
“Nos dias de chuva, o ponto de atenção sempre era recolher as várias propagandas do chão em tempo, já prevendo o possível entupimento da via de escoamento de água que liga a casa do vizinho, na rua debaixo”
Renata Leite, correspondente no Capão Redondo
De cartas a HQs
O formato carta, apesar de menos usado do que as colinhas, se repetiu bastante. Foram 14 ao todo. Além da família Leite, a família Soares também escreveu para algumas casas para apoiar os candidatos David Soares (União) e Daniel Soares (União), eleitos deputado federal e estadual. Uma delas chegou ao Jardim Planalto, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
A dupla também enviou um santinho para o Jardim Ângela que trazia um QR Code “fale conosco”, que encaminhava para uma página dos candidatos e possuía a imagem do Missionário R.R. Soares, dono da igreja Internacional da Graça de Deus.
A criatividade também chamou a atenção. No Capão Redondo, a biografia do candidato a deputado estadual Juarez Pereira (União Brasil) veio em formato HQ (história em quadrinhos). Já os com mais volume depositados foram os santinhos com colinha para preencher no verso de Antonio Carlos Rodrigues para deputado federal, e Isac Félix para deputado estadual, ambos candidatos do PL.
Isso dá voto?
Não é possível garantir que esse tipo de estratégia funcione, mas entre os políticos que mais apareceram nas caixas de correio, a indicação é que sim.
Dos candidatos que mais tiveram o nome divulgado em várias casas, apenas dois não foram eleitos: Ricardo Tripoli (PSDB) e Eli Corrêa Filho (União), ambos deputados federais que buscavam mais uma reeleição.
Venceram Mauricio Neves (PP), Barba (PT), Milton Leite Filho (União), Alexandre Leite (União), Bruna Furlan (PSDB), Reis (PT), Gerson Pessoa (Podemos) e Renata Abreu (Podemos).
Além disso, as propagandas impressas representam uma boa parte do gasto dessas campanhas, em um cenário em que o financiamento público de campanha chegou a R$ 5 bilhões.
Quem teve o maior gasto total com “publicidade por material impresso” foi Alexandre Leite. Segundo a plataforma Divulgacand, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a campanha do deputado gastou R$ 466 mil em santinhos, panfletos e similares. O valor, contudo, corresponde a apenas 20% dos R$ 2,3 milhões declarados até 15 de outubro.