Santinhos no chão dão votos, mas não garantem vitória
Katia Flora
Por: Ariane Costa Gomes e Artur Ferreira e Ana Beatriz Alves e Daniel Santana e Estela Aguiar e Gabriel Negri e Isabela do Carmo e Livia Alves e Luis Antonio e Matheus Oliveira e Thauane Blanche e Thila Moura e Wellington Nascimento
No dia 6 de outubro, o Jardim Nélia, no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, acordou sob uma chuva de panfletos e os populares “santinhos”. Nas proximidades da escola estadual Professor Pedro Brasil Bandecchi, eles cobriam o asfalto por completo, chegando a se espalhar pelo córrego ao lado.
A cena se tornou regra e se repete a cada nova eleição, em especial por parte dos candidatos a cargos do legislativo: neste ano, o de vereador.
Com os eleitores pouco informados ou desmotivados sobre essas vagas, políticos apostam em encher a frente dos locais de votação com papéis, para que quem não tiver escolhido um nome, decida de forma aleatória no momento da votação.
Em geral, nenhum candidato admite essa estratégia, tal qual como a boca de urna. Políticos procurados pela reportagem negaram relação com o derramamento.
Mas afinal, isso funciona?
Levantamento exclusivo da Agência Mural indica que sim, causa impacto. No entanto, não é a única característica que define quem vai vencer, além de um grande número de santinhos jogados ao vento sem efeito prático.
No dia da votação do primeiro turno, 13 correspondentes da Mural anotaram quem eram os candidatos com mais ‘santinhos’ jogados na frente de colégios espalhados pelas periferias da capital e da Grande São Paulo.
Em dez dessas escolas, o mais votado era um dos listados com mais papéis jogados no chão vistos pela reportagem, e em mais uma o político foi ao menos o segundo colocado. Apenas em duas delas, quem aparecia com mais frequência no piso das calçadas ficou longe das primeiras posições.
Apesar disso, nem todos os ‘sujões’ se deram bem e boa parte não conseguiu se eleger. Ao todo, foram anotadas 115 candidaturas com santinhos em frente às escolas no dia da votação. Desses, apenas 33% figuraram entre os dez mais votados do mesmo colégio.
Santinhos jogados em escola da zona sul Léu Britto/Agência Mural
Outros fatores podem pesar nessa escolha, como o fato de um candidato ser da região ou mesmo de ele já ser conhecido por ter mandato. No entanto, a presença dos santinhos no chão reforça como essa é uma estratégia que dá voto, mesmo sendo proibida pela lei.
Espalhados pela cidade
Apoiado pelo presidente da Câmara, Milton Leite (União), o vereador eleito Silvão Leite (União) foi um dos com mais papéis na percepção da reportagem em quatro das dez escolas verificadas pela Agência Mural. Inclusive, longe da zona sul, região onde o grupo tem mais atuação.
Entre os locais de votação avaliados, a votação mais expressiva dele ocorreu em Cidade Ademar. Em Cidade Tiradentes, no extremo leste, ele também ficou entre os 10 mais votados, mas sem liderar. Já em Heliopolis e no Itaim Paulista, a votação dele ficou abaixo do top 10, apesar da presença constante dos ‘santinhos’.
Na avenida Rodrigues Montemor fica localizada a escola estadual Professor Pedro Calil Padis, em Cidade Ademar, onde os três mais votados também estão entre os três candidatos que mais poluíram as ruas e calçadas. Além de Silvão, Sidney da Cruz (MDB) e Sandra Tadeu (PL) estarão entre os 55 vereadores eleitos na capital paulista.
Locais de votação onde o campeão de votos estava entre os que mais jogaram santinhos
Escola
Candidato mais votado na escola
Região
Cidade
Votos
E.E. Prof. Luiz Gonzaga Pinto e Silva
Silvinho (União)
Jardim São Luís
São Paulo
544
Escola Estadual Pedro Calil
Silvão Leite (União)
Cidade Ademar
São Paulo
301
E.E Prof. Demósthenes Marques
Nunes Peixeiro (MDB)
Heliópolis
São Paulo
606
EMEF Millor Fernandes Jornalista
Isac Félix (PL)
Campo Limpo
São Paulo
897
EMEF Vladmir Herzog
Lucas Sorrillo (MDB)
Cidade Tiradentes
São Paulo
513
E.E. PEI Prof.ª Guiomar Rocha Rinaldi
Luna Zaratini (PT)
Jardim João XXIII
Sao Paulo
359
EMEB Maria Rosa Barbosa
Fran Silva (Podemos)
Jardim Pinheiro
São Bernardo do Campo
407
EMEIEF Etiene Sales Campelo
Julião (PSB)
Santo Antonio
Osasco
144
Oscar Pennacino
Helder Oliveira (Republicanos)
Cipava
Osasco
373
E.E Julia de Castro Carneiro
Soares (União)
Santa Julia
Itapecerica da Serra
629
Os três vereadores pertencem a partidos que fazem coligação com a chapa do atual prefeito da cidade e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB). Os panfletos e cartazes com o nome dos vereadores eleitos foram frequentes nas ruas da região antes mesmo do dia da votação.
Apesar disso, outros cinco candidatos com uma quantidade expressiva de santinhos, não ficaram nem entre os dez mais votados do colégio. Em duas escolas, uma em São Mateus e outra em Ferraz de Vasconcelos, nenhum dos políticos identificados teve boa votação.
Além disso, candidatos que tiveram bons resultados não usaram desse instrumento. Em São Paulo, Lucas Pavanato (PL) e Ana Carolina de Oliveira (Podemos), apareceram entre os primeiros em diversos colégios, sem terem sido vistos santinhos pela reportagem.
A aposta nesses casos eram nos santinhos virtuais: Pavanato gastou R$ 542 mil com o impulsionamento de conteúdos virtuais, segundo a prestação de contas. Ana Carolina, R$ 150 mil.
Mas para muitos, a aposta no papelzinho ainda faz sentido, porque tem efeito.
Por que funciona?
O sociólogo e cientista político Marcos Agostinho aponta que a entrega ou simplesmente o jogar os materiais é antipático, mas quem tem dinheiro suficiente para a produção adota, pois tem um peso.
‘É uma das coisas mais horrorosas, causam acidentes, sujam a cidade, só que quem tem recurso utiliza, porque sabe que no frigir dos ovos um ou dois votos decididos ali podem decidir se você entra ou se você sai’
Marcos Agostinho, sociólogo e cientista político
Ele cita que, além da sujeira, há aqueles que ficam próximo das escolas entregando santinhos. Embora a maioria passe direto, sempre tem o eleitor que para e pega o papel no chão. “E via de regra, quem para e pega o santinho, está com vontade de votar, mas não chegou até ele a propaganda.”
Há casos em que o eleitor quer lembrar de algum candidato e procura nesses papéis. Outros simplesmente não querem votar em branco e pede um nome dos que estão ali ao redor para votar.
Um dos motivos para isso é o fato de que a eleição para vereador, ou mesmo para deputado federal e estadual, costumam ser decididas em cima da hora. “São definidas na última semana, para vereador sobretudo no último dia, do sábado para domingo, é uma tentação muito grande você distribuir [santinhos].”
O que diz a lei
No dia da eleição, há uma série de proibições com relação a propaganda, entre elas, está o derramamento dos santinhos. No entanto, o momento desse despejo de materiais costuma ocorrer na madrugada, e poucos são punidos por isso. Confira o que é vetado, embora ocorra com frequência:
Proibido no dia da eleição
1
É proibida a divulgação de qualquer espécie de propaganda, sendo considerados crimes o uso de alto-falantes ou amplificadores de som, a promoção de comício ou carreata, arregimentação de eleitores e publicação ou impulsionamento de novos conteúdos de partidos ou candidatos na internet.
2
O derramamento de material impresso de publicidade das candidaturas — os conhecidos “santinhos” — em vias públicas próximas aos locais de votação também configura propaganda irregular.
3
Os infratores podem ser detidos e multados, conforme previsto no art. 87 da Resolução nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no art. 39 da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições). Mesmo o derrame na véspera também poderá ser apurado como crime eleitoral.
4
Não pode haver aglomeração de pessoas com camisas e outros adereços padronizados nem manifestação coletiva ou aliciamento de eleitores
Partidos distintos
A estratégia dos santinhos não tem cor partidária. Praticamente todos aparecem entre os que estão com santinhos no dia da eleição.
No Itaim Paulista, entre os milhares de rostos impressos, alguns se destacavam pela frequência e visibilidade, como os dos candidatos eleitos: Gabriel Abreu (Podemos), com 58.581 votos; João Ananias (PT), com 33.225 votos; Sansão Pereira (Republicanos), com 42.229 votos; e Senival Moura (PT), com 30.480 votos.
“Não tivemos conhecimento deste incidente, na verdade não temos controle sobre o que cada um fará com o material que dispusemos. Achamos a atitude lamentável, pois quando confeccionamos os materiais o objetivo é que sejam entregues às pessoas durante o prazo legal de campanha”, afirmou a assessoria de João Ananias (PT), uma das poucas a responder.
‘A campanha não consegue prever essas atitudes, apesar de orientarmos para que o material seja utilizado no prazo legal de campanha e a sobra encaminhado na semana seguinte para reciclagem’
João Ananias, vereador, via assessoria
Mesmo duas semanas após o pleito, as ruas ainda carregam os vestígios dessa enxurrada de papéis.
Já na zona sul, a presença do vereador Isac Félix (PL) foi a principal em duas regiões verificadas pela reportagem, em um colégio no Campo Limpo e em outro no Jardim São Luís.
Na escola municipal Millor Fernandes Jornalista, a feira que ocorre todos os domingos foi marcada pelos santinhos do candidato que cobriram boa parte do chão e área verde da praça.
Mesmo duas semanas depois da votação, era comum ver o rosto de Isac Felix espalhado nas ruas do Parque Arariba, Parque Regina e Jardim Ingá, no distrito do Campo Limpo.
Na escola Millor Fernandes, Isac conquistou 897 votos, bem mais do que o segundo colocado, André Souza (Republicanos) 121. Um outro papel que apareceu com frequência pelo bairro foi de Oliveira (PSD). Este teve apenas 69 votos por ali.
Na região da escola estadual Professor Luiz Gonzaga Pinto e Silva, no Jardim São Luís, foram Silvinho (União), Isac Félix (PL) e Kekinha Buda (União) os mais presentes em ‘santinhos’ espalhados pelo chão. Os dois primeiros conseguiram se eleger vereadores e foram os mais votados da escola.
Kekinha por outro lado teve apenas 30 votos ali e não se elegeu. Outros oito candidatos presentes com propaganda jogada também não ficaram entre os dez mais votados – Salete Campari, por exemplo, teve míseros nove votos no colégio.
No Jardim João XXIII, a candidata Luna Zarattini (PT) investiu não só nos santinhos distribuídos nas ruas, mas antes das eleições. Era uma das únicas candidatas em que tinha porta-bandeiras, e distribuição massiva em pontos estratégicos dos bairros. Os santinhos mais nováveis próximos às escolas/locais de votação do bairro, eram em sua maioria, do PT.
Luna foi a mais votada na escola E.E. PEI Prof.ª Guiomar Rocha Rinaldi. Apesar disso, outros nomes que tinham santinhos não conquistaram nenhum voto por ali.
Não concordamos e sem fronteiras
A rua Francisco José Viana, onde está localizada a EMEF Vladimir Herzog, em Cidade Tiradentes, ficou repleta de santinhos de alguns candidatos que são de outros redutos eleitorais, como Jorge Wilson Filho (Republicanos), Silvão Leite (União), Sandra Tadeu (PL), Carlos Bezerra Jr. (PSD), Alessandro Guedes (PT) e Hélio Rodrigues (PT).
O vereador reeleito Alessandro respondeu à reportagem sobre o tema. “O nosso mandato não aprova de maneira alguma e nem autoriza ninguém a fazer esse tipo de ação, tampouco distribuímos material no dia da eleição, até porque a lei eleitoral assim não o permite”, respondeu.
Um dos pontos mencionados por alguns dos políticos é não ter relação caso algo tenha ocorrido e que a orientação é para não fazer esse uso do material.
“Ressaltamos que não aprovamos, não concordamos, não orientamos e desconhecemos quem possa ter praticado ação desse tipo. Nosso mandato desaprova totalmente esse procedimento. Pedimos desculpas à sociedade se eventualmente tenha identificado algo nesse sentido em relação a nossa campanha”, completou o parlamentar.
Ainda em Cidade Tiradentes, outro político que apostou na memória do eleitor foi o ex-subprefeito da região, Lucas Sorrillo (MDB). Ao longo da rua, os panfletos e santinhos do candidato estavam aos montes nas calçadas e sarjetas. Ele angariou 22.897 votos, porém não conseguiu estar entre os 55 eleitos.
Havia também uma equipe do candidato Nunes Peixeiro (MDB), que tinha materiais entregues perto do colégio. Ele também teve forte presença em Heliópolis, a maior favela de São Paulo.
A entrada da escola estadual Professor Demósthenes Marques, destacava os papéis estampados com o rosto do candidato que se tornou figurinha carimbada em Heliópolis e região. Nunes não conseguiu se reeleger ao cargo, mesmo com 30.385 votos.
Em segundo lugar, visível aos olhos, chama a atenção os anúncios da candidata Edilene Lura (União). Os santinhos se espalharam por toda extensão da Estrada das Lágrimas e ruas que beiram a Vila Arapuá. Escorregando sentido aos bueiros e se acumulando nas esquinas das residências.
Quanto custa
Se esse tipo de estratégia tem influência, quem tem mais condições e dinheiro para produzir material para despejar na frente das escolas e casas pode sair na frente. Segundo a prestação de contas apresentada pelos candidatos a vereador este ano, houve gastos de R$ 105 milhões. Do total, R$ 21 milhões foram destinados para materiais impressos (R$ 17 milhões deles, vindas do financiamento público).
Materiais impressos foram a principal despesa declarada pelos candidatos e fica à frente até mesmo do gasto com pessoas que trabalham e ações da militância.
Apesar disso, boa parte do valor fica concentrado em algumas candidaturas. Apesar de ter mais de 1.000 candidatos para a Câmara, os dez primeiros colocados em gastos com esse tipo de material gastaram R$ 5 milhões – ou 25% do destinado a esse tipo de ação.
Além disso, o impulsionamento digital também tem ganhado força e teve despesas de R$ 16 milhões na soma de todos os candidatos a vereador.
Grande São Paulo
O padrão também se repetiu na Grande São Paulo. Em escolas de São Bernardo do Campo, Itapecerica da Serra e Osasco, candidatos mais votados em escolas tiveram mais santinhos na calçada. A exceção foi em Ferraz de Vasconcelos, onde nenhum dos mais presentes com papéis conseguiu boa votação.
A caminho da seção eleitoral localizada na escola municipal Professora Etiene Sales Campelo, no Jardim Santo Antônio, zona sul de Osasco, foi possível observar uma grande quantidade de cartões com números de candidatos jogados na rua.
Boa parte dos materiais eram repetidos e, em sua maioria, de candidatos que faziam parte da coligação de Gerson Pessoa (Podemos), candidato eleito à prefeitura de Osasco no primeiro turno.
Julião (PSB) foi o mais votado na escola mencionada com 144 votos e também um dos candidatos com santinhos espalhados no entorno do local. Apesar da divulgação, o candidato não conseguiu ser eleito para ocupar uma das 21 cadeiras da Câmara Municipal de Osasco.
Stephane Rossi (PL), Rodrigo Gansinho (PL) e Ralfi Silva (REPUBLICANOS) foram eleitos e seus materiais de campanha também foram encontrados na rua da escola. Eles também apareceram em escolas próximas como o Oscar Pennacino. O vereador reeleito Ralfi respondeu que desconhece materiais que tenham sido jogados nas ruas.
A reportagem procurou os candidatos que foram campeões nas escolas de São Paulo, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.