O vendedor autônomo Bruno da Silva Alegre, 34, tem 183 pontos de entrega na cidade, com catracas, grande fluxo de pessoas, seguranças, além de avisos sonoros como “cuidado com o vão entre o trem e a plataforma” ou “esse trem tem como destino a estação Guaianases. Tenham uma boa viagem”.
Morador de Itaquera, zona leste de São Paulo, Bruno comercializa instrumentos musicais nas catracas das estações de trem e metrô. “A entrega é combinada normalmente por WhatsApp, após abordagem da pessoa pelas redes sociais”, diz.
Como Bruno, comercializar produtos nas catracas se tornou tendência nas estações de trem e metrô nas periferias da cidade. O efeito da pandemia na renda das pessoas e o desemprego foram os principais motivos que levaram os moradores às catracas, apesar do risco de infecção do vírus.
Na apuração desta pauta, a reportagem da Agência Mural viu dezenas de cenas em que as pessoas se encontram para comprar e vender produtos, como roupas, acessórios, instrumentos musicais, bolsas, artes e até comida.
Outro fator que leva as pessoas até as catracas é o não pagamento de fretes, geralmente maiores nas periferias pelos longos deslocamentos, além dos moradores que vivem em áreas em que os Correios não entregam.
A prática, cada vez mais comum, perto dos controladores de embarque não é ilegal, segundo o Metrô e a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). A única orientação é que o comércio não atrapalhe o embarque e desembarque dos passageiros.
90% do faturamento
No dia e hora combinados, Bruno chega na catraca e se encontra com o comprador para entregar algum instrumento musical de cordas, guitarra, violino ou violão, itens mais vendidos.
Até meses atrás, ele dividia as vendas com a função de operador de telemarketing, mas foi demitido. Desde então abraçou definitivamente o novo negócio, que rende por mês entre R$ 800 e R$ 1.500.
Para o vendedor, as vantagens das vendas nas catracas, independentemente do valor, é que recebe o dinheiro na hora, faz o próprio horário, além de conciliar os compromissos pessoais. “Não preciso de loja física. 90% das minhas entregas são em catracas”, afirma ele, que mora a 10 minutos da Estação Itaquera.
A solução tem rendido bons resultados, segundo o vendedor. Parte do lucro que ganha, usa para pagar o financiamento do condomínio em que mora.
“Uni o útil com o agradável, por já gostar de instrumentos, e ao perder meu trabalho em uma empresa terceirizada”, pontua. “O que era complemento virou única renda”.
Presentes para bebês
Os vendedores que entregam nas catracas aproveitam o momento em que há avanço das vendas no ambiente digital. Números da Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) dão conta que os marketplaces [shoppings digitais] tiveram crescimento no mercado virtual. Em 2019 representava 35% do faturamento do setor, já em 2020, aumentou para 51%.
Em todo o país, a estimativa de crescimento foi de 68% de todo o e-commerce [comércio eletrônico].
Foi nesse momento que o casal Flávia Lima, 26, e Eduardo Silva, 27, abriram uma loja digital que vende roupas e acessórios para bebês e crianças, como sapatilhas, bodys e laços de cabelos.
Flavia e Eduardo vivem em Guaianases, na zona leste @Bruna Nascimento/Agência Mural
Moradores de Guaianases, na zona leste da capital, os produtos deles são bem procurados como opção de presentes para festas de aniversário.
“Tem alguns temas que nós mais vendemos, como da Magali e o tema da Mulher Maravilha. E para os meninos, o do Poderoso Chefinho é o que mais sai”, diz Flávia.
A facilidade em chegar nas estações é um dos motivos citados pelo casal para o sucesso do negócio. “A maioria das famílias sempre tem alguém que passe por uma estação. E como a gente não tem uma distância limite, entregamos em qualquer estação, é muito mais fácil”, comenta Eduardo.
“O cliente, às vezes, tem uma irmã, um sobrinho, um marido que passa em alguma estação, que mora próximo dela e a gente marca essa entrega.”
Desde agosto passado, eles vendem pelo WhatsApp ou pelas redes sociais.
“A pessoa me manda o modelo e o tamanho que ela quer. E aí, nós marcamos o melhor dia. E aí eu levo na estação que for mais perto pra pessoa”, lembra Flávia.
Cada entrega é cobrada uma taxa de R$ 5, a não ser que a entrega seja nas estações mais próximas de casa em que não precise pagar pela viagem. O pagamento é feito na entrega do produto. Eles levam máquina de cartão e troco, caso precisem, mas também aceitam transferência bancária e envios pelos Correios.
Em busca de mais clientes, o casal entrou em algumas plataformas online que permitem a venda e a entrega dos produtos, mas por enquanto é na catraca que as compras acontecem.
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O fato de ser em lugar público, tanto para eles, como para os clientes, encontrar as pessoas no caminho de casa e a facilidade de chegar nas estações são os motivos que tornam as catracas pontos atrativos para as vendas, segundo o casal.
Por outro lado, também há perrengues para esse negócio. Flávia lista: tem cliente que cancela em cima da hora, depois que já saíram de casa para as entregas, tem os que se atrasam, fora aqueles que combinam e não aparecem. Além disso, a falta de banheiro, em algumas estações, é mais um ponto negativo.
Outra coisa frequente que atrapalha o comércio é a demora dos trens, sobretudo nos fins de semana. “Às vezes, quando a entrega é de sábado, tem manutenção. Então não vai até o final da linha, você tem que descer na metade, esperar, trocar de trem”, comenta Eduardo.
Um outro ponto são os riscos impostos pela pandemia, tendo em vista que as vendas ocorrem em locais com grande fluxo de pessoas, como as estações, e a necessidade de evitar aglomerações.
Célia Damasceno em estação do Capão Redondo @Ira Romão/Agência Mural
‘Bom pra cachorro’
No Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a empreendedora Célia Damasceno, 35, vende acessórios para animais. Ela costuma postar nas redes sociais e também entrega em todas as estações do metrô ou trem, com taxa de R$ 5.
“Comecei em janeiro deste ano, depois de passar por muita dificuldade pela pandemia e ter ficado desempregada na empresa em que trabalhava”, diz ela. “Foi uma grande alternativa, sou grata todos os dias.”
Sem nunca ter tido um negócio, ela foi em busca de alternativas na internet, onde viu o que estava fazendo mais sucesso em grupos, além de ver vídeos e dicas e conversar com amigas que tinham cachorros. “Elas me falavam o que mais saia, o que mais compravam e assim, achei fornecedores ótimos”, lembra.
Os itens mais procurados dela são as camas para os pets.
Na intenção de expandir o negócio, agora ela planeja entrar em outras plataformas online que fazem entregas, mas a maior fonte de renda vem do que entrega nas estações. “As minhas maiores vendas ainda são aqui na capital de São Paulo. 80% da minha renda é entregando nas catracas [dos metrôs]”.
Entre as vantagens, Célia cita a praticidade, tanto para ela, como para os clientes. “Na forma de economizar também, pois marco o máximo de entregas em um dia, gasto R$ 8,80 de condução e entrego para todos, além disso, me sinto segura nas estações”, completa.
Propaganda de vendedor @Arquivo Pessoal
Vai uma churrasqueira aí?
Numa busca rápida em alguns grupos de bairro, Fernando Silva, 35, é facilmente encontrado.
Morador da Cohab 5, em Carapicuíba, há um ano, a renda dele vinha das mini churrasqueiras a bafo que anunciava nas redes sociais e entregava nas catracas. “Apenas R$ 60”, avisava o anúncio.
“Ideal para apartamento, casa, praia, camping e pesca”, “Não faz sujeira, cabe em qualquer lugar, portátil e compacta”, “Economiza até 60% de carvão” e “Possui um rápido aquecimento, que proporciona economia de carvão” eram outras frases que complementava as postagens dele.
Em letras garrafais, dizia que na Estação General Miguel Costa, da linha 8 – diamante da CPTM a entrega era grátis. Na saga pelas estações, ele diz que rodou a Grande São Paulo com os itens.
“Um amigo meu fazia e eu divulgava, arrumava umas vendinhas lá, tava num aperto, sufoco danado por causa da pandemia aí, né?”, diz. “Deu certo de pagar as contas e tudo.”
Apesar de reconhecer os riscos em ficar nas estações com as churrasqueiras, ele afirma que não tinha outra alternativa durante o período de desemprego. “Tava sobrevivendo disso.”
Churrasqueira que Fernando vendia nas estações @Arquivo Pessoal
Sem carro ou moto, as entregas eram feitas com um carrinho onde ele conseguia levar até 5 churrasqueiras pelas estações. Outra preocupação era o limite de tamanho permitido nas bagagens da CPTM, que é de volumes com dimensões de até 150 cm x 60 cm x 30 cm.
Segundo as regras do transporte, os objetos podem ser transportados desde que não causem transtornos aos demais passageiros. Eles também não podem ser pesados a ponto de precisar de mais de uma pessoa para carregá-los.
O preço atrativo atraiu as pessoas e Fernando diz que algumas vezes não conseguia entregar a quantidade necessária. “Pedia e o cara nem conseguia fazer todas. Deixei pessoas na mão porque eram muitos pedidos”, lembra.
Porém, Fernando conta que essa fase foi passageira. O período em que vendeu as churrasqueiras ajudou a manter a renda, mas parou quando conseguiu novamente um emprego fixo.
Hoje, trabalha em uma indústria como operador de injetora. “Eu estava sobrevivendo disso aí e parei por causa de uma oportunidade de um emprego. Agora estou há um ano já nesse novo emprego.”
Próxima Parada
Esta reportagem também foi tema do Próxima Parada, podcast da Agência Mural, original Spotify. Confira o episódio completo.