A maior e mais conhecida premiação do cinema está chegando: o Oscar 2023 acontece no domingo, dia 12 de março, e quem é fã de cinema já está fazendo maratonas e escolhendo seus filmes favoritos.
Aproveitando o clima, que tal conhecer quem faz esse corre dentro das periferias? A Agência Mural conversou com profissionais da área para entender como é possível criar obras que refletem a realidade das periferias e contar quais são os desafios de fazer audiovisual nesses territórios.
Confira:
O dilema de ser artística periférico
Com Jorge (2022), o diretor Bruno Felix da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, teve diversas conquistas: sua estreia como diretor de ficção e roteirista, e a exibição do filme na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes – a maior mostra de cinema independente do Brasil.
O curta surgiu como um trabalho de conclusão de curso de direção cinematográfica na AIC (Academia Internacional de Cinema). Para a realização, Bruno trabalhou com pessoas que fez amizade ao longo da sua trajetória como artista.
“Realizamos um financiamento coletivo onde arrecadamos R$ 10 mil para que fosse possível remunerar todas as pessoas envolvidas e proporcionar uma vivência semelhante a um set fora do ambiente estudantil, ainda que com cachês reduzidos”, relata.
O filme conta a história de Jorge, um jovem negro de uma periferia de São Paulo que vive o dilema de se dedicar a arte e pagar as contas de casa. O drama vivido pelo protagonista é um retrato do próprio diretor e tantos outros artistas que precisam lidar com a exclusão no mercado de trabalho e a falta de investimento.
“Se lançar como um diretor periférico não é uma tarefa fácil. Eu nunca havia trabalhado em um set de filmagens, então acredito que minha maior virtude foi a vontade de contar uma história e acreditar nela”, comenta Bruno.
Para ele, é importante que as pessoas da sua quebrada também possam assistir o filme e dar um retorno para que as próximas produções continuem retratando a vida dessa população. Bruno também é fundador da produtora “Q Loko Tio” que tem como mote “contar a história de pessoas pretas em seus incalculáveis universos”.
O humor quebrando barreiras
Em A Blogueira da Favela (2022), conhecemos a história de Beca, uma jovem de Paraisópolis que sempre gostou de frequentar bailes funks. Tudo muda quando a chefe vê um dos vídeos dela dançando, a demite e Beca decide se tornar influencer para ganhar dinheiro.
O diretor Arthur Jesus relata que a ideia veio a partir das vivências dentro da comunidade e a vontade de retratar os influenciadores periféricos, que por muitas vezes acabam não tendo visibilidade nas plataformas.
Por ter sido a primeira experiência como diretor, uma das maiores dificuldades foi lidar com a insegurança. “Ao mesmo tempo que estava entusiasmado, porque é uma história parecida comigo, também tive medo de me ver nesse lugar. Fui aprendendo na prática”, conta.
A repercussão do filme foi positiva desde o casting, já que mais de 100 pessoas periféricas se inscreveram para participar. A primeira exibição ocorreu no CEU Paraisópolis, além dos saraus e sessões nos centros culturais.
Também houve uma exibição para 20 meninas que vivem na Fundação Casa. “O mais interessante é ver as pessoas se reconhecendo e se divertindo. A gente fala de temáticas importantes, mas queremos tornar acessível para todo mundo. Até aquele tiozinho que trabalha na obra e chega em casa cansado depois do trabalho, sabe?”, diz Ellie Sasi, co-diretora do filme.
Fundadores do coletivo Quilombarte, eles ressaltam que o cinema periférico ainda encontra dificuldades com a distribuição. Por isso, a dupla aconselha que é importante que o próprio telespectador pesquise e tenha interesse em consumir esses conteúdos.
Registrando a história
O filme Mutirão (2021) conta a história da construção do bairro da Cohab Adventista, no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, através dos olhos de uma criança. A inspiração para o título veio do fato de que o bairro foi criado por meio do trabalho de diversos homens e mulheres que se uniram em prol da moradia nas décadas de 80 e 90.
“Eles levantaram tijolo por tijolo através de um processo coletivo. O filme resgata imagens antigas que foram digitalizadas e trabalha a memória das periferias. É uma visão lúdica da construção de um bairro de quebrada que poderia ser de qualquer lugar do Brasil”
Lincoln Péricles, vulgo LKT, diretor do filme
Para ele, a principal mensagem é que, através do coletivo, é possível superar as dificuldades. Inclusive, ele faz o alerta de que as barreiras enfrentadas por diretores de audiovisual já são questões antigas e de que o poder público deveria olhar com mais cuidado para os profissionais.
“O que a gente vem produzindo na quebrada de São Paulo é o que tem mais de relevante na produção paulista, tá ligado? Além das dificuldades profundas, das neuroses, que é viver numa quebrada, que é ser um universo em crise, como diz o Mano Brown, a gente tem essa dificuldade da grana para produzir”, pontua Lincoln.
A personagem principal é a Duda, sobrinha do LKT. Além de fazer a exibição em diversas quebradas, ele conseguiu levar o filme para a escola dela. A ideia surgiu após a professora discutir a história do Capão em sala de aula e a menina teve a iniciativa de transmitir o conteúdo no espaço.
“Ela tem a ver com o que a gente quer levantar no mutirão, que é a proteção e o cuidado da memória do audiovisual de periferia e da classe trabalhadora. Como a criança de hoje pode passar a história para outras crianças de amanhã dentro da sua própria escola pública, dentro da sua própria quebrada”, conclui.