Essa é a história da minha amiga. De uma ex. De uma antiga amiga. De uma conhecida. Da prima da minha parceira. Mais uma amiga. Da conversa de bar que fiquei escutando na mesa ao lado. Da escritora que gosto. Da colega do antigo trabalho. Da influenciadora que eu acompanhava. Da mulher dos grupos de blog que eu participava lá em 2010, algo assim. E também é a minha.
Passei boa parte da vida acreditando que eu poderia ser tudo, menos lésbica. Aliás, lésbica era uma palavra que eu mal conhecia. Sapatão, sim. Maria-homem também. “Ela é aquilo” era algo que eu ouvia na infância para apontar na rua uma parente distante ou uma conhecida que, quando passava pela gente, o ideal era que desviássemos o olhar.
“Para de olhar pra isso”, diziam. “Ela é sapatão”.
Eu me lembro exatamente da sensação que tive na primeira vez que olhei para uma menina e pensei em como seria beijá-la, aos onze anos. Muito diferente de como foi com um menino, ainda que todas nós, já citadas, tenhamos vivido quase o mesmo roteiro: alguns anos de vida muito felizes ao lado dos nossos melhores amigos, esses que seguraram nossas mãos, alguns acompanharam nossas crises existenciais e lágrimas, outros nos defenderam de toda lesbofobia que viria de supostos amigos e da nossa família.
Viver como mulher lésbica é nadar em mar aberto. A primeira vez que pronunciamos a sentença é um momento explosivo: como uma cena de filme, tudo se encaixa no seu devido lugar: quem você é, como você se expressa, do que gosta, como quer viver, qual formato de relação e de família quer cultivar, quem vai estar por perto, acompanhando esse grande ato.
É libertador se colocar no mundo, é resistência poder contar e honrar a própria história e encontrar outras de nós pelo caminho.
Pode olhar pra gente. A gente é sapatão.