“Esposa não é parente”. Foi assim que a então deputada estadual Heroilma Soares (Avante) justificou, em 2011, R$ 1,3 milhão em emendas parlamentares que enviou à Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, na época em que a cidade era governada pelo seu então marido, Armando Tavares Filho, o Armando da Farmácia (Avante).
A lógica está sendo usada novamente por conta das eleições 2020. Heroilma disputa a prefeitura com apoio do ex-marido, numa prática repetida em ao menos três cidades do Alto Tietê para evitar a cassação das candidaturas.
Armando, que comandou Itaquaquecetuba entre 2005 e 2012, era cotado para ser candidato este ano, mas desistiu de concorrer. Ele enfrenta problemas com a Justiça Eleitoral, devido à rejeição das contas dos últimos anos de gestão.
Os vereadores aceitaram parecer do Tribunal de Contas do Estado e reprovaram os balanços do período em que ele governou.
Heroilma, sua ex-esposa, foi indicada para sucedê-lo na empreitada eleitoral. Numa entrevista para o jornal Oi Diário, Armando reconheceu que ela só iria ser a candidata porque ele mesmo não poderia se candidatar.
“Todo prefeito que sai da Prefeitura, fica com processo. Meu processo é porque eu paguei horas extras, não paguei precatórios [dívidas da prefeitura com moradores reconhecidas pela justiça]. Mas não tem nenhum enriquecimento ilícito. Estou meio enrolado com esses processos, e então chamei a Heroilma [para ser a candidata]. Quem tá com Armando, tá com Heroilma”, disse.
Em 2010, a pedagoga já havia sido eleita deputada estadual por indicação de Armando, enquanto desempenhava o papel de primeira-dama.
Nas eleições de 2014, apesar das generosas emendas que destinou à Itaquaquecetuba durante o mandato, Heroilma optou por não concorrer à reeleição e apoiou Armando, que naquele ano tentava uma vaga na Assembleia Legislativa.
Mas a ex-primeira-dama não foi a primeira parente que Armando da Farmácia tentou emplacar na prefeitura em seu lugar. Em 2016, com base na Lei da Ficha Limpa, o ex-prefeito teve a candidatura impugnada no meio do processo eleitoral, também pela rejeição das contas, e foi substituído pelo filho Cristiano Tavares.
Cristiano, ou “Ti Filho do Armando da Farmácia”, como aparecia na urna, terminou a disputa em terceiro lugar, com 5,47% dos votos.
Governada atualmente por Mamoru Nakashima (PSDB), que está no final do segundo mandato, Itaquá tem cinco candidatos: Adriana do Hospital (PL), Delegado Eduardo Boigues (PP), Fabiano (PT) e Moacyr Fernandes (Patriota).
POÁ E FERRAZ
Assim como em Itaquaquecetuba, nas vizinhas Poá e Ferraz de Vasconcelos, os nomes de ex-primeiras-damas também viraram uma alternativa eleitoral para seus maridos, ex-prefeitos inelegíveis graças a Lei da Ficha Limpa, que neste ano completa 10 anos.
A lei torna inelegíveis políticos que foram condenados por um órgão colegiado da Justiça, mas também quando esses gestores tiverem as contas rejeitadas por votação dos vereadores.
Em Poá, Márcia Bin de Sousa (PSDB) irá representar nas urnas o marido, o comerciante Francisco Pereira de Sousa, o Testinha (Solidariedade).
Prefeito por dois mandatos e reeleito com mais de 70% dos votos em 2012, Testinha sofre com problemas na Justiça Eleitoral desde o processo de impeachment que o afastou do comando do Paço Municipal, em 2014.
Em 2016, impedido de concorrer, o ex-prefeito lançou como candidato o próprio primo, Geraldo Oliveira (Solidariedade), conhecido como “Geraldo do Testinha”. Geraldo, que acabou amargando um segundo lugar, hoje concorre como vice de Márcia, numa chapa “puro sangue” familiar.
Márcia Bin faz, inclusive, faz questão de evidenciar a ligação que tem com o ex-prefeito. Seu nome na urna será “Márcia Bin Esposa do Testinha”, para não restar dúvidas sobre a origem política. Em 2016, seu vice foi impedido pela Justiça Eleitoral de usar uma alcunha semelhante: Geraldo do Testinha não pôde usar “do Testinha” na urna para não causar confusão aos eleitores.
Márcia entra numa disputa que tem outros nove candidatos, como o prefeito Gian Lopes (PL), que disputa a reeleição, Azuir (PTB), Mario Sumirê (PSD), Naco (Cidadania), Nelson Bueno (PSOL), Neno Ferrari (PSC), Pedro Viviani (PMN), Ronaldo Florido (Patriota) e Saulo Souza (Avante).
Já na eleição de Ferraz de Vasconcelos, Elaine Abissamra (PSB) é quem disputa a vaga que já foi ocupada pelo marido, Jorge Abissamra (PSB), por dois mandatos (2005-2012). Foi durante a gestão de Jorge que Elaine foi lançada na política e se elegeu deputada federal em 2010.
Jorge Abissamra é condenado pela Justiça por improbidade administrativa, por uma suposta fraude envolvendo a contratação de uma empresa de segurança, e por isso é impedido de concorrer a cargos públicos.
Em 2017, Abissamra chegou a ser preso em consultório médico, após ser acusado de lavagem de dinheiro pelo Ministério Público. Na época, a defesa do ex-prefeito negou as acusações.
Elaine, que também é médica na cidade, reconhece a importância do marido na candidatura, mas diz que fará um governo independente.
”Vai ser o governo Dra. Elaine, tenha certeza. Sou uma mulher independente”, afirma a candidata. “Vejo que as pessoas reconhecem a gestão do Dr. Jorge como uma das melhores que Ferraz já teve. Todo mundo sabe que participei ativamente em diversos projetos no governo dele”, afirmou.
Elaine também afirma ter experiência política para governar a cidade. “Fui deputada federal, conheço bem o legislativo e sei conversar com governadores e presidentes para conseguir recursos para Ferraz”.
Elaine tem entre os adversários o atual prefeito Zé Biruta (Republicanos), Cleusa Brandão (DC), Dra Elaine (PSB), Dr Caetano (Rede), Dr Rafu Jr (PL), Dr Ulisses (PDT), Izidro (Solidariedade) e Priscila Gambale (PSD).
Caso eleitas, Heroilma Soares, Márcia Bin e Elaine Abissamra serão as primeiras mulheres a comandar a prefeitura de seus respectivos municípios.