Ícone do site Agência Mural

Fã de quadrinhos, professora cria cartuns de personagens LGBTs

“O humor politicamente correto pode ter graça, sim. Depende da competência de quem faz”, defende roteirista de quadrinhos

Desde a infância, Anita Costa Prado, 47, sempre foi fã de histórias em quadrinhos. Mas desencantada com a ausência de personagens não estereotipados nos cartuns representando a comunidade LGBT, em 1995, a professora Anita, formada em contabilidade, escapou dos números e roteirizou a vida da jovem Katita, primeira personagem lésbica das histórias em quadrinhos nacionais, segundo ela.

A ideia, que se desenrolou inicialmente em fanzines, só conseguiu ser publicada dez anos depois de sua criação, em 2005, em revistas independentes. E já no ano seguinte ganhou prêmios como o Ângelo Agostini, uma das premiações mais importantes da categoria.

Sendo pioneira das personagens lésbicas nos quadrinhos no Brasil, Katita não ficou só na empreitada; mais tarde chegou seu amigo Dodô, primeiro personagem negro e gay a protagonizar aventuras em gibis independentes. Com roteiros escritos por Anita, e já desenhados por três artistas diferentes, atualmente a dupla ganha vida pelas mãos do cartunista cearense Ronaldo Mendes.

Em cartum, a união entre Katita e Dodô, amigos inseparáveis — Crédito: Blog da Katita

Para a redatora e criadora, moradora do bairro do Limão, na zona norte da capital paulista, os dois personagens abriram portas, mas já sofreram críticas de todos os lados. “Ambos incomodam a ala mais conservadora da sociedade. Uma garota lésbica, assumida, paqueradora e feliz com sua orientação sexual não agrada conservadores”, diz Anita, que ressalta ter enfrentado também insatisfação do público LGBT. “Chegaram a criticar a Katita por ser loira, magra e feminina. Já o Dodô, personagem negro, gay e de origem pobre, não teve grande destaque e isso fui constatado no decorrer dos anos”, avalia a autora.

Segundo o diretor do Museu da Diversidade, Franco Reinaudo, que já abrigou uma tarde de autógrafos da autora, a iniciativa é um passo importante em prol das questões de representatividade em sociedade.

“É fundamental que existam modelos positivos para que a juventude LGBT se veja representada. Acredito que um personagem como o Dodô ajude na identificação de outras possibilidades de sexualidade que sejam tratadas de forma absolutamente normais e saudáveis”, ressalta Reinaudo.

Tira de divulgação do Museu da Diversidade sobre o Dia da Visibilidade Lésbica — Crédito: Dilvugação

O veterano cartunista e amigo da roteirista, Mario Latino, 60, ressalta a imprensa alternativa como fator impulsionador para novos fenômenos não descobertos como no caso de Katita e Dodô. “Eu editava um jornal. Um dia recebi uma carta da Anita com tiras que queria que publicasse. Topei e, enquanto o jornal durou, Katita sempre teve seu espaço”, relembra Latino.

Atualmente, os personagens são publicados em revistas, sites e blogs LGBTs sem periodicidade, algumas tiras mais antigas da dupla podem ser conferidas no blogspot http://cafofodakatita.blogspot.com.br/.

Anita Costa Prado, a autora de Katita, com Maurício de Souza no Prêmio HQMix — Arquivo Pessoal

Humor político

Diversos gêneros humorísticos têm sofrido represálias nos últimos tempos por fazer uso de linguagem preconceituosa e machista, um dos casos mais emblemáticos foi o do jornal satírico francês Charlie Hebdo, que teve sua redação invadida por terroristas em um atentado mortal. Segundo Anita, é possível fazer humor com responsabilidade, respeitando diferenças e evitando tachações.

“Ainda existe machismo não só nas tiras. No entanto, hoje as pessoas botam a boca no trombone. Por outro lado existem expressões que ridicularizam o machismo. O humor politicamente correto pode ter graça, sim. Depende da competência de quem faz”, explica.

A arte educadora Thina Curtis, 43, fanzineira e leitora de Katita, conheceu a personagem ainda nos anos 90 e ressalta o lado transgressor da personagem.

“A Katita é uma desbravadora do gênero, por si só sua presença já é política. A Anita é uma referência pra toda uma geração de artistas mulheres e o público LGBT deve muito a ela”, finaliza em tom confiante a leitora.

Ronaldo Lages é correspondente da Brasilândia.
ronaldolages@agenciamural.org.br

Sair da versão mobile