Inaugurada em junho, a Fábrica de Cultura do Rochdale, na zona norte de Osasco, foi comemorada como a possibilidade de descentralizar a cultura da cidade da Grande São Paulo. No entanto, a entrega trouxe dúvidas sobre uma UBS (Unidade Básica de Saúde), que moradores esperavam que fosse implantada no local.
O projeto fez parte da reurbanização feita no bairro e que envolve a canalização do Braço Morto do Rio Tietê. Enquanto não era entregue, a estrutura do prédio ficou parte do tempo parada e, em anúncios da prefeitura do passado, teve a informação de que haveria uma unidade de saúde. Mas, com o tempo, a história mudou.
“Ninguém informou nada”, afirma Davi Silva, 50, morador há 30 anos do bairro. “Em um primeiro momento seria um projeto de uma nova UBS, um posto de atendimento para o bairro, onde os moradores já estão avisados e aguardando”, continua.
O que chegou aos moradores é que, devido o rio ser próximo ao prédio, o projeto foi parado. As obras de canalização do Braço Morto do Rio Tietê estão 85% concluídas.
“Precisamos de um espaço cultural, as nossas crianças precisam de um estudo de qualidade. Mas, sem ter saúde, ninguém consegue sobreviver para estudar e trabalhar”
Davi Silva, 50, morador do Rochdale
Há um equipamento de saúde na região, mas em outro ponto do bairro. Em 2020, a UBS Helena Marrey foi aberta na rua Alvilândia, 231. Antes, ela funcionava em um prédio antigo na rua Águas da Prata, 41.
Apesar da troca de prédio, os moradores permanecem aguardando um novo serviço no bairro. Eles afirmam que o atual equipamento de saúde está sempre cheio e que há falta de médicos.
“O bairro é grande e precisa de mais uma UBS. Ouvi vários rumores de que haveria mais uma unidade, mas não foi confirmada pela administração da Secretaria de Cultura”, afirma a co-vereadora de Osasco Juliana Curvelo (PSOL), que morou no Rochdale.
Cultura versus enchentes
Com relação à chegada da Fábrica de Cultura, moradores apontam que as atividades podem ajudar a mudar um estigma do bairro: a região costuma ser noticiada apenas quando há casos de enchentes.
A expectativa é de que movimentos artísticos do bairro possam usar o equipamento. “Sentimos a necessidade de um espaço de cultura e precisamos fazer acontecer dentro das quebradas”, explica a líder comunitária Yasmin Santos, 21, que atua no coletivo Viela Vive, criado em 2018.
Em 2019, o coletivo realizou o “Auê na Viela”, uma ação em que participaram mais de 40 grafiteiros. O grupo identificou necessidades dos moradores e criaram atividades fixas, como o Cine Viela, para aqueles que não têm oportunidade de frequentar cinemas, e o Sarau Salva, para os poetas e rappers da região, com edições a cada dois meses.
O coletivo também criou a Gelateca, uma geladeira coletiva com diversos livros gratuitos disponíveis na viela. A expectativa é que a Fábrica amplie esse tipo de atividade.
Moradora há 20 anos do Rochdale, a historiadora Daisy Monteiro, 34, explica que o espaço da Fábrica de Cultura, que foi inaugurado na rua Niterói, vai ajudar os jovens que precisam de equipamentos para realizar os seus sonhos. “No Rochdale ou nos bairros próximos não temos equipamentos culturais, os projetos sociais que eram contemplados não tinham onde se desenvolver”, diz.
O bairro tinha diversos movimentos culturais, como ONGs, associações de moradores e festas tradicionais. “É um passo de cada vez, estamos resgatando todos os movimentos culturais que foram se perdendo ao longo do tempo”, ressalta Daisy.
A administração da Fábrica tem sido feita pelo Poiesis (Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura). Segundo o Instituto, a Fábrica vai proporcionar formação focada em produção e difusão cultural destinada aos jovens em situação de vulnerabilidade social de 10 a 24 anos.
Os cursos proporcionados são: tecnologia, inovação e criatividade, com cursos de audiovisual, artes visuais, dança, circo, design, drones, games, literatura, moda, música, programação e robótica.
“Vai trazer [cultura] para onde realmente precisa, até porque trabalho com arte e sinto a necessidade de um espaço para dar às atividades”
Lucas Barbosa, 27, grafiteiro que atua ensinando jovens na região
Outro impacto é para as famílias da região. “As crianças ficam à toa na rua, as mães saem para trabalhar e não têm onde deixar as crianças”, diz Raquel Leite, 34, moradora da região.
Segundo a Prefeitura de Osasco, com base em dados do CadÚnico, a cidade conta com 19 mil famílias chefiadas por mães e que eram beneficiárias do Bolsa Família. “Para nós, mães, ninguém vê essa situação, que é sair para trabalhar e não ter onde deixar os filhos”, destaca a moradora Rosilene Rodrigues.
“Muitas mães saem e deixam os filhos em casa e eles acabam indo para as ruas, agora podem deixar nos cursos. Tenho dois filhos, um menino de 12 anos e uma menina de 9 anos. Gostaria que eles fizessem cursos e oficinas para incentivar o aprendizado”, diz Cristiane Rocha, 37.
A Prefeitura de Osasco não respondeu sobre o tema.