“É uma relação de amor e ódio”, resume a cozinheira geral Jaqueline Soares, 29. “[O monotrilho] é bom porque é rápido, mas é ruim porque quebra. Hoje mesmo as pessoas querendo ir e não podiam porque não está indo até a Vila Prudente”, completa.
No dia 24 de maio, o monotrilho quebrou mais uma vez, entre as estações São Lucas e Vila Prudente, na zona leste da capital. Mesmo com a falha, Jaqueline e a mãe, Jurema Soares, 50, moradoras de Sapopemba, vieram a São Mateus para passear na Avenida Mateo Bei.
Os problemas são recorrentes. Entre os meses de janeiro a março deste ano, a linha 15 – prata do Metrô apresentou 19 ocorrências em horário comercial, o que dá uma média de uma falha a cada quatro dias. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação junto ao Metrô. O número está próximo ao de todo ano passado, quando foram 22.
As falhas geram medo, tanto que Jaqueline entrega a mãe sem dó. “Muita gente não anda por medo. A minha mãe mesmo. Não queria andar no começo”, afirma. A ajudante de cozinha admite: “Passei a andar de monotrilho por causa da Jaqueline que me levou para perder o medo, mas fui de olhos fechados tanto pra ir quanto pra voltar.”
Jurema conta que sentia medo por conta da altura, pois o monotrilho passa em vigas de concreto a 15 metros do chão, e do número de falhas na linha. Após a colisão entre duas composições no mês de março aumentou a sensação de medo entre os usuários.
É o caso da professora Pamela Felis, 28. Moradora do bairro Castro Alves, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, ela usa o monotrilho todos os dias com insegurança. “Eu tinha medo, mas fiquei com mais medo depois do que aconteceu. Vai que o negócio cai lá embaixo. Mas é a opção que tem. A gente precisa se sentir seguro.”
Pamela pega um ônibus de Cidade Tiradentes até o monotrilho, segue até Vila Prudente, e pega mais um coletivo até o bairro da Vila Alpina, onde dá aula. O percurso leva cerca de duas horas, mas no dia do acidente entre os vagões precisou voltar de carro de aplicativo.
“No dia que bateu tive que pegar o Uber. Foi um transtorno que eu venho e volto com meu menino. Então é complicado. Inclusive no dia do acidente tinha bastante gente conversando dizendo que nunca mais ia pegar monotrilho”.
Mais casos
Os dados apurados junto ao metrô desconsideram ocorrências fora do horário comercial, como o caso da batida entre as composições.
Entre 2019 e o primeiro trimestre de 2023 foram 127 falhas na linha 15 – prata. O ponto que mais apresenta problemas são os equipamentos fixos de via – sensores que definem a direção das composições e a distância entre os carros, por exemplo -, responsáveis por 43 ocorrências.
Já a estação que mais apresenta problemas é a Vila Prudente com 42 falhas, seguida por São Mateus e Oratório com 16 e 13 ocorrências, respectivamente.
Prometido em 2009, pelo então governador José Serra (PSDB), o monotrilho chegou a São Mateus em 2019, sete anos depois do previsto.
O custo inicial da obra estava estimado em R$ 2,3 bilhões até Cidade Tiradentes, mas o investimento chegou a R$ R$ 10,9 bilhões, até março deste ano, com estações em obras na avenida Ragueb Chohfi. Os valores atuais também foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.
As falhas no monotrilho levam os passageiros a utilizarem os ônibus. É a saída encontrada pelo trocador de móveis Igor Souza, 40. Morador do bairro Jardim Nova Conquista, no Iguatemi, Igor leva duas horas até o trabalho na Vila Prudente.
“[O monotrilho] só dá problema. É melhor não trocar o certo pelo duvidoso. Melhor sair um pouco mais cedo, pegar o busão, porque se der pau é só esperar o próximo ônibus. E o monotrilho [se quebrar] você vai esperar o próximo Paese (Plano de Apoio entre Empresas em Situação de Emergência)”, argumenta Igor, sobre o serviço emergencial de ônibus acionado quando há falhas nas linhas de trens e metrô.
“Uma vez [o monotrilho] parou próximo à estação Planalto. Teve que descer em todo mundo. Esperei o Paese aí já deu o maior atraso. Cheguei atrasado na empresa aí o patrão já não quer saber”
Igor Souza, 40, morador da zona leste
Por meio de nota, o Metrô, responsável pela linha 15 – prata, afirma que “a quantidade de INs (Incidentes Notáveis) teve diminuição significativa nos últimos anos.
“No primeiro trimestre de 2023, a linha registrou 2,25 INs por milhão de km percorrido, ante 4,3 no mesmo período de 2019”, diz a empresa, que cita que a entrega de novas estações deve ser levada em conta ao calcular as ocorrências.
“Visto que os INs, em qualquer linha de metrô, é proporcional a quantidade de quilômetros percorridos e passageiros transportados, a linha 15 está dentro do padrão internacional de metrôs”, avalia.
Para o coordenador do grupo Rede Mobilidade Periferias da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ricardo Barbosa, os problemas do monotrilho são fruto das escolhas do Metrô.
“Refletem um planejamento que não priorizou o interesse coletivo, mas aos interesses empresariais e de lucro. Porque se não fosse assim não teriam tantos problemas, até mesmo, de condições adequadas de trabalho aos seus funcionários”, argumenta.
Barbosa se refere que a escolha pelo monotrilho desconsiderou a experiência do Metrô no transporte sob trilhos subterrâneos, sendo necessário a assimilação de uma nova tecnologia e novas operações de trabalho. O especialista acrescenta que esse tipo de transporte leva menos passageiros que o metrô.
“O monotrilho quando chegar na Cidade Tiradentes, não dará conta da demanda da população do bairro, considerando o maior conjunto habitacional da América Latina e lugar extremamente populoso”.
De acordo com informações do Metrô, o monotrilho transporta cerca de 110 mil pessoas por dia entre São Mateus e Vila Prudente. As projeções da companhia indicam que 550 mil usuários utilizem o modal entre Cidade Tiradentes e Vila Prudente.