Quando surgem os primeiros sinais de que uma chuva forte está a caminho, Edna Bassoi, 76, já sabe que precisa ficar alerta. Moradora de Pinheiros há muitos anos e dona de uma loja de antiguidades e serviços de restauração, ela já perdeu as contas de quantas vezes viu a rua Belmiro Braga encher de água.
Há mais de trinta anos, Edna mora e trabalha na mesma rua. Neste período, ela conta que já presenciou de tudo: da queda de um muro da vizinha até a morte de uma criança, que foi arrastada pela força da água, em fevereiro de 2001.
Logo depois de comprar a casa, em 1982, ela recorda que planejava tirar um pouco de terra para deixar o terreno no nível da rua. No entanto, mudou de ideia após receber um alerta de quem já conhecia o local. “Eu fiz um pedaço de muro, e me falaram que era pouco. Depois eu fiz mais, só que mesmo assim não foi suficiente para segurar a água. Na primeira enchente, perdi tudo o que tinha aqui dentro”, lembra.
Assim como outros moradores da rua, a custosa experiência fez com que ela investisse na instalação de comportas e uma válvula de retenção. “Eu ainda comprei um aspirador que, fora limpar o pó, serve para puxar água”, acrescenta. Na hora do sufoco, também vale contar com a ajuda dos vizinhos. “Quando vai encher, quem pode, abre a porta, tira os carros de casa e começa a buzinar. Os moradores da rua já entendem”, revela.
Uma história de longa data
Os constantes alagamentos da Belmiro, que fica cercada por pontos mais altos, já mobilizaram os moradores a cobrarem providências. Entre o final da década de oitenta e início da década de noventa, um abaixo-assinado reuniu assinaturas de boa parte dos residentes no local. Encaminhado ao administrador regional de Pinheiros, o documento pedia medidas em caráter de urgência.
Em 2003, durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB), chegou a ser cogitada a construção de um piscinão, com custo estimado em mais de R$ 15 milhões. Porém, o projeto enfrentou resistência de alguns moradores e técnicos, que avaliaram existir outras medidas com menor impacto ambiental e urbanístico. Em 2005, a proposta foi arquivada, mas voltou a ser debatida nos últimos anos.
Ao longo dos anos, apesar da água ter atingido alturas menores, a enchente do último dia 21 de janeiro parece ter preocupado a dona da loja de antiguidades e serviços de restauração. “Ela me deixou um pouco assustada. Eu vou logo acender uma vela para Santa Bárbara.”
O artista plástico Franco Chiariello, 33, estava em casa neste dia. Ele estima que a água começou a subir no final da tarde e demorou pouco menos de meia hora para atingir a altura de 1 metro. “O meu portão é uma comporta, e ainda temos outra comporta na entrada da casa. Mesmo assim, a água na minha garagem chegou a ficar na cintura”, relata ele, que mede 1,80 m de altura.
Apenas no período de um ano, desde quando se mudou para o local, Chiariello diz que já presenciou essa situação duas vezes. “Uma delas foi no ano passado. Não chegou a entrar muita água, mas teve enchente na porta de casa. Não dava para entrar e sair”, diz.
Nota baixa no controle de enchentes
A situação vivida pelos moradores da Belmiro Braga também se repete nas ruas Padre João Gonçalves, Girassol e Harmonia, ambas localizadas na região do Córrego Verde, que foi canalizado para dar espaço à expansão urbana.
Insatisfeitos com as medidas adotadas para minimizar esse problema, eles fazem coro com os resultados da nova edição do Irbem (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município), realizada pelo Ibope em parceria com a Rede Nossa São Paulo.
Na hora de avaliar diferentes aspectos relacionados ao bem-estar e à qualidade de vida na cidade, os moradores da zona oeste da cidade se mostraram bastante críticos: 89% deram notas entre 1 e 5 para o quesito “manutenção de bueiros e galerias e controle de enchentes”.
“Os moradores ficam bravos porque existe a prevenção de limpar os bueiros e galerias, mas isso não está sendo feito como deveria”, opina a paisagista Tharcila Iandoli, 35, que gastou R$ 9.500 para instalar um portão que funciona como comporta na sua casa.
Tharcila também chama atenção para a retirada das placas de sinalização, que alertavam motoristas sobre os riscos de alagamento. “Nessa última enchente, perderam muitos carros aqui. Nós sempre avisamos as pessoas, mas tem gente que não acredita”, diz.
Obras futuras e medidas preventivas
Quando questionada sobre a situação, a Prefeitura Regional de Pinheiros disse que não tem competência legal para a execução de obras de galerias e cuida apenas da manutenção. Conforme o informado, a limpeza manual ocorre a cada dois meses e a mecanizada é feita apenas quando são detectados ramais obstruídos.
A Secretaria Municipal de Serviços e Obras informou que já foi desenvolvido um projeto para drenagem do Rio Verde, o que inclui a substituição das galerias de águas pluviais. Porém, afirmou que a proposta está sendo questionada e aguarda decisão judicial.