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Familiares lidam com o luto para Covid-19 em meio à flexibilização do comércio

Por: Raquel Porto e Giacomo Vicenzo

Com a voz firme, mas de quem segura a tristeza, o pedreiro Arlei Sousa, 54, fala ao telefone sobre a perda do filho Leandro Sousa, 24, que foi vítima da Covid-19.

“Até hoje me sinto um homem sem ideia para fazer nada, não tenho condições para dizer que vou fazer alguma coisa porque foi uma perda muito grande para mim. Ele era um menino forte, não tinha nenhum problema de saúde”, lamenta Sousa.

Leandro morava com os pais no distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo, e trabalhava como estoquista em um mercado da região. O jovem deixou um filho de sete anos, que agora está sob os cuidados dos avós.  

Por temer a contaminação da família, ele estava há pouco mais de um mês na casa da irmã, que reside perto do  mercado que trabalhava.

“Havia mais de um mês que não víamos o Leandro. Falei com ele no dia 14 de maio. Ele disse que iriam trocar ele de uma sala para outra. O quadro dele piorou e ficou entubado. Depois, me ligaram avisando no dia 21 que o estado era grave. No dia 22 ele faleceu”, lembra Arlei.

A morte do filho fez com que Arlei e a esposa apagassem todas as fotos que tinham com ele armazenadas no celular. “Ficávamos olhando toda hora e chorávamos. Preferimos apagar para não ficar voltando toda hora e vendo. Guardamos só uma que ele está sozinho. Estamos conversando muito, nada do que a gente faça vai trazer ele de volta”, diz.

Leandro Sousa tinha 24 anos e não resistiu à Covid-19 @Arquivo Pessoal

Um dos problemas enfrentados pelos familiares das milhares de vítimas da Covid-19 é o fato de não poder ter contato com o paciente durante o tratamento e o enterro com restrições por conta do contágio.

Doutora em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Helen Barbosa dos Santos alerta que em casos que não é possível acompanhar o processo de doença diretamente do ente familiar, nem vê-lo à distância, as pessoas podem desenvolver um luto patológico.

“Esses familiares são co-vítimas da omissão do Estado, não há nenhuma política de uma morte digna pensada em meio à pandemia de Covid-19”, ressalta a psicóloga.

Leandro íntegra os mais de 10 mil casos de óbitos por Covid-19 na Grande São Paulo – no estado são 13 mil. A região é o epicentro da doença no Brasil, que já ultrapassou a marca de 50 mil mortes em decorrência do vírus.

Na zona leste da capital, em Cidade Tiradentes, os sentimentos da operadora de máquinas Juliana Santos, 34, se misturam entre a raiva e a dor pela perda da mãe, Ivete Aparecida Matias, que também se contaminou pelo novo coronavírus e morreu em decorrência da doença. “Sinceramente, não acreditava nesse vírus. Só fui acreditar quando a minha mãe pegou”, revela Santos.

A mãe de Juliana tinha 58 anos e era empregada doméstica. Dona Ivete criou as suas duas filhas sozinha e sonhava com um bom futuro para ambas. Há mais de dez anos elas se mudaram para a Cidade Tiradentes onde, com muito esforço, construíram as suas vidas.  

A operadora de máquinas em frente à academia que frequentava antes da quarentena @Arquivo Pessoal

Cidade Tiradentes está entre os cinco distritos com mais casos de morte em investigação por contaminação do vírus. Ainda assim, Juliana diz acreditar que as pessoas só irão se conscientizar da gravidade do problema quando estiverem bem perto dele.

“Enquanto um amigo, um parente ou alguém próximo não pegar — eles não vão entender. Há muita gente que não se cuida. Aqui em casa, a gente toma muito cuidado, mas a sociedade não”, desabafa.

Para a confeiteira Neusa Sousa, 42, que também mora em Cidade Tiradentes e é tia de Leandro, a morte do sobrinho foi um choque e deixou a família ainda mais alerta com o risco da contaminação por Covid-19.

“De repente tudo ficou tão grave e junto veio o desespero e a esperança de que ele melhorasse, pois nos noticiários víamos que quem tinha algum histórico grave de saúde corria risco maior e ele era saudável”, comenta. Após a perda, passei a ter medo e me preocupar muito mais, não deixo minha filha ir a lugar algum”.

Neusa também diz temer a flexibilização da quarentena, iniciada em 11 de junho na capital paulista, que reabriu comércios e shoppings centers. “Achei cedo, mesmo sabendo que as pessoas precisam trabalhar. Se não respeitaram antes, imagina agora?”, diz.

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FLEXIBILIZAÇÃO EM MEIO AO LUTO

Juliana é uma das pessoas que voltou ao trabalho após a flexibilização da quarentena. Ela diz que é arriscado, mas afirma que precisa voltar a trabalhar. A operadora de máquinas mora com a filha de 18 anos, a irmã e a sobrinha.

“Só não passamos por dificuldades financeiras ainda porque o ex-patrão da minha mãe depositou os valores que devia pelo tempo que ela trabalhou.  Mas não é a mesma situação de amigos e vizinhos que conhecemos”, comenta Juliana.

Uma nova rotina de cuidados foi adotada por Juliana para voltar ao emprego. “Trabalho na rua de cima da minha casa. Antes eu voltava para jantar, mas agora não faço mais isso. Levo a minha marmita e quando chego em casa vou direto para o banho. Durante a semana, eu passo álcool nos móveis e no chão da casa todo santo dia”, revela ela.

Para Arlei, que trabalha como pedreiro, ainda não era o momento de flexibilizar a quarentena e revela temer o contágio.

Estou em casa há dois meses, mesmo se o patrão me chamar para trabalhar eu não vou. Às vezes fico até cinco dias sem sair na rua. Tenho medo de ser contaminado por pessoas que não estão se cuidando direito e não estão usando nem máscara para circular pelas ruas do bairro”, diz ele. 

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