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Famílias celebram Cosme e Damião e mantêm tradição nas periferias

Por: Halitane Rocha

Todos os anos, a família de Stephany Melo, 22, mantém uma tradição que começou há 30 anos na Bahia. Os familiares se reúnem para uma grande refeição, no mês de setembro, em que se comemora o dia dos santos Cosme e Damião. 

Moradora do bairro Jardim Belizário, em Cotia, na Grande São Paulo, Stephany não é católica, mas participa das celebrações. A família veio da Bahia e atualmente vive em diferentes regiões do estado. Neste domingo (29), o encontro será na casa da tia avó, em Interlagos, na zona sul da capital.

A celebração dos Melo começou em 1989, quando a avó, Elenilda, descobriu que estava com câncer de mama, na época com 30 anos. A irmã Zena, como é conhecida, fez uma promessa pela melhoria da saúde da Elenilda: realizar este encontro familiar.

“Mesmo com a morte [de Elenilda] na época, a promessa continuou, focada em fazer com que essas crianças ficassem bem. Hoje em dia são os filhos que servem as refeições da promessa, sempre alternando qual deles será responsável”, diz Stephany.

Família de Stephany se reúne anualmente durante o mês de Cosme e Damião @Halitane Rocha/Agência Mural

Seis dos sete irmãos se mudaram para São Paulo, mas preparam uma grande refeição com a tradicionalidade da Bahia: arroz, frango cozido, vatapá, caruru e, de sobremesa, alguns doces que são distribuídos com a brincadeira Galinha Gorda.  

“Vejo essa promessa como algo muito positivo em que todos se abraçaram para ter força e união para enfrentar a vida depois da perda. Quando as próximas gerações chegarem esta é uma tradição que eu gostaria de manter.”

FESTA

A tradição da família de Stephany é seguida em várias periferias da Grande São Paulo. Em geral, com a entrega de doces para crianças. 

Cerca de 100 a 120 crianças participam da festa em Caucaia do Alto @ Ilê Orixá Obá Ayrá/ Divulgação.

A festa relembra Cosme e Damião, dois gêmeos que nasceram e morreram na Ásia Menor por volta do ano 300 depois de Cristo – não há a localização exata do nascimento, apenas da morte, na Síria. 

Eles ficaram conhecidos por conseguirem curar pessoas e animais sem cobrar nada em troca. Mas foram perseguidos e degolados, por ordem do imperador romano Deocleciano, que não aceitava a fé cristã.

Os santos são reconhecidos como padroeiros das crianças, dos gêmeos, médicos e farmacêuticos. 

Eles também são celebrados por religiões afro-brasileiras, nas quais os gêmeos são chamados de Ibejis, filhos gêmeos dos orixás Xangô e Iansã. São considerados protetores das crianças. E há os Erês, espíritos de crianças que baixam durante as festividades, que adoram doces e travessuras. 

Alexandre (pai Obá Bonã) ao lado da esposa Ekedji Joice de Iemanjá. Eles fazem a festa em Cotia, na Grande SP @ Ilê Orixá Obá Ayrá/ Divulgação

Sacerdote do Ilê Orixá Obá Ayrá, Alexandre Brito, mais conhecido como Pai Obá Bonã, 43, mantém a cultura da festa em Cotia. Mas a celebração é realizada em 12 de outubro, no Dia das Crianças. 

Ele conta que para o evento arrecadam brinquedos velhos que são reformados, e também roupas, além dos doces. Uma diferença é que eles também doam material escolar. “[Damos kits] para incentivar as crianças a desenhar, pintar, fazer leitura, ter cultura”, afirma.

Mais de 100 crianças participam. Também é feito a refeição com Caruru, comida típica de São Cosme e Damião. “No meu bairro as crianças aderem muito. […] Vem muita gente de outras cidades, é uma casa antiga, tem pessoas legais, adeptas, e vem outros sacerdotes ligados ao culto afro.” 

Há 27 anos no candomblé, o Pai Obá construiu este Ilê no distrito de Caucaia do Alto, e inaugurou em 2014, com a ajuda da zeladora Mãe Uruquê de Oyá Balé, dos irmãos de axé de outro terreiro da região e da família.

Quando se trata de pensar no preconceito, ele não hesita. “É preciso muito amadurecimento para respeitar a religião do próximo sem críticas. Sempre vai ter a resistência. Sempre teve o que foram contra ou a favor, mas já estamos acostumados a lidar com isso.” 

Jennifer realiza todos os anos uma ação no bairro @Acervo Pessoal

Quem também dá doces durante os dias da celebração é a família umbandista de Jennifer Tolentino, 22, também moradora de Cotia. Há 12 anos, ela realiza a celebração no Jardim Lavapés, onde moram. 

A mãe e as tias se juntam para fazer um bolo com cerca de 2 metros de cumprimentos para cerca de 40 crianças e adultos do bairro. E são feitos saquinhos confeccionados para distribuição.

Apesar disso, ela vê pouca presença da festa na região. “Meu bairro é constituído por igrejas evangélicas e pentecostais; tirando a minha família, nunca vi ou soube de nenhuma outra família ou pessoa que realizasse algo em prol de Cosme e Damião.”

Jennifer luta contra a depressão e conta que foi pela religião que conseguiu superar um momento de dificuldade, quando pensou em suicídio, ao se desentender com a sogra que não aceitava o relacionamento com Pedro Victor. 

“Sou profundamente grata. E, por isso, como forma de agradecimento, eu preparei saquinhos com doces para distribuir para todas as crianças do terreiro em que eu vou. E pretendo continuar todos os anos.”

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