As 245 mil pessoas que transitam todos os dias pela linha Safira da CPTM, que percorre o trajeto de 39 quilômetros entre as estações de Calmon Viana, em Poá, até o Brás, no centro de São Paulo, mal sabem o que está escondido atrás dos muros próximo ao campus da USP Leste.
Espremido entre o terreno da universidade e a curva da linha férrea que segue ao lado da avenida Doutor Assis Ribeiro está a moradia de 12 mil pessoas que esperam a regularização de seus lotes perante o município. São 4.500 casas em uma área de 211 mil m² pertencentes a quatro proprietários, além de 19 ruas, sendo apenas seis asfaltadas.
O bairro conhecido como Jardim Keralux está no distrito de Ermelino Matarazzo, na zona leste da cidade. Apesar de possuir o que outras regiões próximas contém, como unidade básica de saúde, escolas, creches e igrejas, o nascimento do bairro originou-se da desonestidade. Com a “grilagem”, charlatões falsificaram documentos para vender os terrenos do bairro e assim começou a ocupação na região.
Passados 21 anos, a atual gestão municipal incluiu a área no Programa de Metas. A meta 30 prevê a regularização fundiária de 210 mil famílias em toda capital paulista nos próximos quatro anos.
Somente na região de Ermelino Matarazzo serão 6.049 famílias beneficiadas com a regularização dos lotes. No Jardim Keralux é previsto que 2.200 das 4,5 mil famílias tenham o benefício em breve, segundo promessa do prefeito João Doria (PSDB) em coletiva de imprensa no último dia 13 de julho, quando anunciou a compra de 92 mil m² do Banco do Brasil para o programa de regularização fundiária.
O restante, 118 mil m² ainda está à espera de negociações com os demais credores da massa falida Indústria Keralux, que deu nome ao bairro, além de uma pequena área localizada em frente às escolas sem identificação dos proprietários, segundo a educadora e presidente do Instituto União Keralux, Adriana Poveda, 38.
“No dia do anúncio perguntei ao secretário de Habitação como se daria o acordo com os outros proprietários da área. Ele respondeu que iria verificar como está o processo com os credores”, diz Adriana.
Ela cita ainda o exemplo onde mora. “Em minha residência, 30 ou 40% está na área do Banco do Brasil. O restante é de outros proprietários.” Adriana estima que o processo da regularização fundiária do lote do Banco do Brasil deve levar cerca de 18 meses para finalizar.
Histórico
A presidente do Instituto União Keralux conta que até 1996 vários grileiros vendiam lotes de aproximadamente 125 m2 e após um tempo os moradores sofriam com as desapropriações promovidas, ilegalmente, pelos próprios grileiros para revenderem as terras. “Em 1996, a então vereadora Ana Martins (PC do B) nos aconselhou a criar uma associação de moradores para termos força jurídica e reivindicarmos nossos diretos coletivamente. Ela indicou até um advogado. E assim foi feito.”.
Dois anos após a formalização da associação chegou a energia elétrica aos moradores, em 1999 a Sabesp instalou ramais de água em todas as residências, em 2001 a iluminação pública já era uma realidade, no ano de 2004 foi a vez da linha de ônibus que liga o bairro ao metrô Penha e que hoje transporta, diariamente, mais de 7 mil passageiros. Após 2006, uma UBS (Unidade Básica de Saúde) foi instalada, escolas e creche também. Assim, o que era um bairro irregular, ganhou melhorias e reconhecimento público.
Em 1999 foi constatada a contaminação do solo por hexaclorociclohexano (HCH), composto usado no inseticida BHC (Benzene Hexachloride), que tem o uso e venda proibida no país desde a década de 80 por ser cancerígeno. Após a descoberta pela Sabesp, os moradores foram aconselhados por técnicos da Cetesb a não abrirem poços artesianos e nem criarem valetas nas ruas, mas isto não impedia a regularização dos terrenos. A prefeitura removeu cerca de 120 toneladas de terras e lodo contaminados.
Entre 2004 e 2016 nada se falava da regularização fundiária do loteamento. Somente no ano passado, o então prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu dar continuidade ao asfalto, mas ficou só na promessa. Algumas ruas chegaram a serem asfaltadas com “farelo” de asfalto frio, mas sem fazer os bueiros. Enquanto isso, as negociações com o Banco do Brasil, proprietária de parte da área, estavam paradas.
Em abril de 2017, durante um mutirão do programa “Calçada Nova – Mutirão Mário Covas”, Adriana entregou ao prefeito Doria um ofício solicitando a continuidade das negociações com os proprietários para regularização. “A regularização desta área está garantida no Plano de Metas” disse Doria à líder comunitária.
No mês passado, o Executivo municipal anunciou o final das negociações com o Banco do Brasil, que pagará ao município R$ 102 milhões que envolvem quitações de dividas ativas com o município. Em contrapartida, a prefeitura promoverá a regularização ambiental, urbanística e fundiária da área com obras de infraestrutura, a criação de um parque linear, a canalização de dois córregos, a implantação de arborização e regularização em cartório dos lotes.
Fotos: Vander Ramos