Por que permitem e estimulam alunos fantasiarem realidades tão distintas e dignas da nossa sociedade?
Uma escola particular em Itajaí, Santa Catarina, decidiu fazer uma festa para os alunos do quarto ano antes do período de férias. Afinal, isso merece mesmo uma boa celebração. O comunicado do evento pedia que as crianças fossem fantasiadas de “favelado do Rio de Janeiro” e isso não foi nada animado.
Pera! Como assim fantasiados de favelados? O que está acontecendo com as escolas particulares deste país? Ainda nem ingerimos direito aquele caso no mês passado do colégio em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, com a festa “se nada der certo”, em que os alunos se fantasiaram de mecânicos, faxineiras, ambulantes entre outras profissões comuns.
Quando surgem essas notícias, reparamos em volta, pensamos nos nossos familiares e amigos trabalhadores, nos barracos que crescemos, na escola que estudamos e não conseguimos enxergar motivos para tudo isso ser fantasiado, é tão real, pulsante e diferente dessa pataquada toda imaginada. Bate um misto de vergonha alheia e incredulidade que criam várias dúvidas.
Por que permitem e estimulam alunos fantasiarem realidades tão distintas e dignas da nossa sociedade? Por que isso acontece logo no ambiente educacional? Já não é suficiente como determinadas mídias repercutem a imagem dos favelados?
As favelas cariocas foram criadas por pessoas expulsas pelas obras de modernização do centro do Rio – sobretudo os negros recém libertos da escravidão – que demoliram as áreas onde elas viviam até então. Em resumo, o governo expulsou os pobres das áreas centrais, criou barreiras financeiras para mantê-los longe, e coube a essa população criar alternativas para morar perto de onde trabalhavam.
Desde então, essas pessoas vivem sucateadas pelo Estado, lidando com a ausência de direitos básicos sob uma situação de violência constante e ininterrupta. Apesar disso, resistem. E fazem da favela um lugar de convivência, comunhão e, sim, também é motivo de orgulho para muitos que habitam este espaço geográfico e social.
Desmitificar a fantasia é também contrariar o preconceito difundido em muitos veículos de informação sobre favelas. Não é só o lugar das balas perdidas que encontram as vítimas com alvo certo; não é apenas o cenário das perseguições policiais dos programas da TV às tardes; também não é o esconderijo de drogas e traficantes, aliás, muitos desses criminosos e essas bocas do tráfico estão muquiados em prédios luxuosos e mansões de alto padrão.
Favelados são trabalhadores e estudiosos que diariamente batalham para mudar a parte dura dessa realidade. São também jovens metidos com a cara nos livros que estudam para ser médicos, jornalistas, engenheiros e advogados. Esses não usam bermuda e óculos escuros, como a “fantasia” pedida pela escola. Ou usam. Porque na favela, assim como em qualquer lugar cada um deve ser livre para viver como se sentir melhor e não por isso precisam ficar presos a estereótipos estúpidos e preconceituosos.
Há maneiras mais saudáveis, diversas e democráticas para ensinar nas escolas as nossas crianças sobre todos os problemas que enfrentamos em nossa sociedade e cabe aos professores, diretores e agentes desse setor se comprometerem com uma educação mais humana. Sem estimular essa cultura do preconceito.
Ainda bem que existem pessoas realmente comprometidas com a humanidade, que talvez nem percebam a importância disso. É o caso de um dos alunos dessa escola que se recusou a participar da festa.
Seu pai, indignado com a postura da instituição, fez uma denúncia nas redes sociais e acabou recebendo mais críticas do que elogios. Mas ele sabe que é necessário se posicionar, pois foi criado em periferia. E se orgulha por ter um filho que é agente de uma grande mudança, uma criança que não acredita que as pessoas devam ser julgadas pelo espaço geográfico que ocupam neste planeta.
Viva a Favela real, sem fantasias!
Por Beatriz Sanz e Cleber Arruda, correspondentes favelados de Diadema e Brasilândia