A salada de tomate e alface da Tatiane Araújo, 27, ficou pelo menos três vezes mais salgada nos últimos meses. Salada de fruta, por enquanto, nem fará parte da mesa. A jornalista, e demais moradores das periferias, tem sentido a diferença dos preços nas feiras livres em Barueri, na Grande São Paulo.
“Uma feira para 15 dias, numa casa para duas pessoas, eu gastava em torno de R$ 30 e trazia bastante variedade de legumes, frutas, verduras e temperos. Para fazer a mesma feira, hoje, eu ia precisar desembolsar R$ 70”, conta.
Para não mexer mais no orçamento apertado, ela passou a comprar produtos da estação e substituir alguns alimentos por outros similares. Além disso, cortou as frutas do carrinho. “Um mamão formosa estava custando R$ 32 a unidade”, diz.
Do outro lado da banca, a alta dos preços também impacta os feirantes. Welton Rodrigues de Oliveira, 34, morador de Americanópolis, zona sul de São Paulo, comenta sobre um aumento de 400% no preço do mamão formosa, e outras frutas como melancia, abacaxi e maçã, carros-chefe da banca em que trabalha.
“Estava pagando R$ 25 em uma caixa de mamão formosa ano passado. Hoje, nesta mesma época, tô pagando R$ 120”, declara.
Com mais de 20 anos na praça, ele garante que nunca viu cenário parecido. Para não repassar todo o valor para o consumidor, já chegou a ter perdas de 60%. “Só o que não subiu foi a minha mão de obra.”
Sem xepa
É também o caso do feirante Etelvino Germano, 44, morador de Pedreira, zona sul. Para manter os oito funcionários da banca, ele optou por reduzir a variedade e quantidade dos legumes.
Esse salto no valor fez com que os consumidores comprassem menos frutas para garantir outros produtos na sacola. “O pessoal fala que simplesmente deixa de comer porque vem com o mesmo dinheiro de antes, até porque o salário de ninguém aumentou”, acrescenta Welton.
“A gente procura trabalhar com o que está mais barato. O tomate, a cenoura, a abobrinha, a vagem e a mandioquinha estão quase sem condições de comprar. E o quiabo está oscilando um pouco”, explica.
Nem adianta andar por outras feiras, como relatou Tatiana, pois segundo os feirantes entrevistados pela Agência Mural o problema é geral e tem múltiplos fatores. Entre eles está o aumento no valor do combustível para transporte dos alimentos, encarecimento das embalagens e falta de chuvas em 2021, com queda na safra de 2022.
Inclusive, até a guerra entre Rússia e Ucrânia gerou impacto na importação dos fertilizantes usados na agricultura do Brasil.
Como se calcula o preço final de uma mercadoria?
Cleberson da Silva Pereira, 39, economista do CEP (Centro de Estudos Periféricos), explica que o preço final de uma mercadoria inclui tudo o que está atrelado ao processo logístico, ou seja, da produção a chegada ao consumidor, desde insumos até a força de trabalho, os chamados custos diretos e indiretos.
Segundo o especialista, o mercado e a inflação (nome dado ao aumento dos preços de produtos e serviços) também são regulados pelas expectativas econômicas e políticas de um país. Quanto maior a incerteza, maior a cautela para reduzir os preços.
“Quando o preço cai, o produtor e o comerciante não se sentem tão seguros de baixar tão rápido quanto subiu, porque imaginam que isso pode ser um efeito passageiro”, afirma.
Etelvino diz que os feirantes estão “fazendo milagres” com o aumento dos preços das mercadorias que encontram para revender. Ele alerta que não vê melhorias a curto prazo.
Cleberson concorda. A situação pode demorar pelo menos um ano para se estabilizar, a depender do clima e regime de chuva, cenário político, normalização no abastecimento de fertilizante e outros insumos, enumera o economista.
Mas ele lembra que o aumento de preços não é repentino. “Notei o aumento lá para outubro de 2021”, completa Tatiane. Para ela, de acordo com sua realidade, o salário mínimo deveria estar em R$ 5 mil.
Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística de Estudos Socioeconômicos) de março de 2022 sugerem que o brasileiro deveria receber um salário mínimo de R$ 6.394,76 para suprir as despesas, mas recebe menos de 20% desse valor.
E essa conta não fecha. A cesta do paulistano está custando cerca de R$ 760 ao mês, com base no relatório do Dieese do mês de março deste ano. Isso significa que quem recebe um salário mínimo de R$ 1.212, por exemplo, gasta mais de 60% do valor em alimentação.
O salário não tem acompanhado a alta nos produtos por fatores políticos, destaca o economista. “Desde a reforma do governo Temer [presidente entre 12 de maio de 2016 a 31 de dezembro de 2018] só tem aprofundado a precarização do trabalho na nossa sociedade”, exemplifica.
Insegurança alimentar
Cleberson da Silva Pereira argumenta ainda que a atual situação pode agravar a insegurança alimentar e mudar hábitos de consumo.
“Por conta da escala da produção, os industrializados conseguem chegar mais barato ao mercado, e as pessoas da classe trabalhadora que ganham até dois salários mínimos acabam preferindo manter a despensa cheia.”
A segurança alimentar caiu quase 10% entre 2018 e 2020, enquanto a insegurança alimentar leve cresceu quase 15 % no mesmo período, de acordo com Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto de Pandemia da Covid-19 no Brasil.
“Priorizo bastante a alimentação. Fico angustiada em ter que fazer escolhas mais baratas ou menos saudáveis por conta dos preços”
Tatiane Araújo, 27, jornalista
O feirante Welton atua em feiras de bairros nobres e periféricos e tem observado a diferença no poder de compra das pessoas. Para ele, enquanto os moradores lutam para conseguir comprar, os feirantes estão ali tentando manter seus negócios.
“Tem cliente que às vezes fica até com raiva da gente porque acha que o aumento do preço é por nossa conta. Tem que estar explicando, a base de muita conversa”, finaliza.