Ao chegar na ocupação Vila Barreiro, distrito de Jundiapeba, em Mogi das Cruzes, cidade da Grande São Paulo, Eliane Ribeiro, 61, é recebida com carinho pelos moradores. Ela é líder de um grupo comunitário que faz parte da Pastoral da Criança e doa cestas básicas às famílias em situação de vulnerabilidade.
Porém, devido ao aumento nos preços dos alimentos, as arrecadações caíram cerca de 90%. “Muitos moradores da comunidade do Barreiro dependem das doações para sobreviverem. A maior parte são mães chefes de família que estão desempregadas”, afirma Eliane.
O grupo liderado por ela não recebe doações de arroz e feijão desde fevereiro, e o estoque de mantimentos esgotou em abril. Na tentativa de driblar a escassez, Eliane começou a distribuir sopas três vezes por semana. No entanto, em outubro teve que encerrar as entregas, pois os ingredientes também acabaram.
“Com a crise financeira causada pela pandemia e o aumento nos preços do arroz, nossas arrecadações diminuíram drasticamente”, explica.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os preços das comidas e bebidas sofreram um aumento de 12,14% desde o mês de janeiro. É a segunda maior alta acumulada dentro de um ano, ficando atrás apenas de 2002, quando houve uma elevação de 19,47% nos valores dos alimentos.
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Cerca de 100 famílias que moram na ocupação Vila Barreiro e no bairro Chácara dos Baianos, periferias de Mogi das Cruzes, estão cadastradas na organização Pastoral da Criança. A entidade social foi criada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Eliane faz parte da organização há mais de oito anos e explica que cada igreja é responsável por criar um grupo de voluntários que atuam em nome da Pastoral da Criança. Ela começou as práticas beneficentes na igreja Santa Rita, mas presta auxílio também na comunidade Nossa Senhora das Graças.
“Não recebemos ajuda financeira da pastoral e nem da prefeitura. A pastoral nos oferece cursos de capacitação para atendimento nutricional e formação de liderança. Assim caminhamos com as nossas próprias pernas e mantemos os trabalhos por meio de doações”, relata.
Além de arrecadar e doar mantimentos, os voluntários também oferecem atendimento nutricional para as crianças. As consultas eram realizadas uma vez por mês, mas para evitar os riscos de contágio do Covid-19 os serviços foram paralisados.
Limitados pela pandemia e pela falta de donativos, o grupo passou a oferecer um almoço por mês. “Isso é o melhor que conseguimos fazer”, afirma Eliane.
Simone de Moraes, 36, mora na Vila Barreiro e recebe ajuda da Pastoral da Criança há 14 anos. Mãe solo de sete filhos, ela está desempregada há alguns meses. Após ser vítima de assédio moral no trabalho, Simone denunciou a rede de restaurante onde atuava como atendente e aguarda o encaminhamento da justiça.
Com dificuldades de conseguir um emprego fixo, Simone faz bicos revendendo roupas, mas a renda não é o suficiente para sustentar o lar.
“Meu filho mais velho sofria de desnutrição e quem ajudou a cuidar foi a Eliane. Sou muito grata por isso. Mas hoje sinto falta das cestas básicas que ganhávamos. Ajudava muito em casa”, relata.
Assim como Simone, dezenas de famílias dependem das doações para sobreviverem. A gestante Danielle Cristina, 32, também mora na Vila Barreiro e está desempregada. Mãe solo de seis filhos, a única renda que ela recebe é o benefício do Bolsa Família.
“Ou eu pago as contas ou compro comida. As duas não consigo pagar. Eu não vou deixar meus filhos passando fome, então eu deixo as contas atrasarem”, relata.
Eliane, líder do grupo comunitário, explica que um dos requisitos para realizar o cadastro na Pastoral da Criança é ser mãe ou pai, pois a organização mantém o foco em ajudar crianças e adolescentes. No entanto, alguns moradores da Vila Barreiro, não têm filhos e também precisam de auxílio.
“É uma luta constante. Muitas pessoas aqui precisam de ajuda. Por isso não vamos desistir”, afirma.
Outras equipes de voluntários também sofrem com a falta de doações. Maria Raimunda de Moraes, 51, é integrante da Pastoral da Criança na comunidade Nossa Senhora das Graças, no distrito de Nova Jundiapeba, Mogi das Cruzes.
A atuação do grupo existe há 15 anos e atualmente Maria explica que a maior dificuldade enfrentada pelo grupo da comunidade é a falta de verba e de doações por conta do aumento de preços dos alimentos.
“Já sofremos e vamos sofrer com esse impacto do aumento dos preços, vamos aguardar e pedir que Deus toque no coração de todos para que possam ajudar os mais necessitados”, comenta.
No mês de dezembro a equipe oferecerá um almoço para as famílias das comunidades, e devido a pandemia este ano será diferente. “A gente não pode fazer aglomeração, então vamos fazer um marmitex para cada pessoa da família. A mãe vai vir e vai pegar a quantia que tiver na sua família.”
Além da doação de mantimentos, o grupo recebe roupas e brinquedos, que são distribuídos igualmente para todas as famílias cadastradas. São cerca de 30 crianças mais algumas que não constam no cadastro, mas que aparecem no dia para receber os alimentos.
Maria é voluntária há quase cinco anos e mesmo com as dificuldades, pretende continuar com o serviço. “É um trabalho gratificante, eu faço com todo amor e com todo carinho. É prazeroso”, conclui.
A Mural entrou em contato com a Secretaria de Assistência Social de Mogi das Cruzes, mas a pasta não respondeu até o fechamento do texto.