Apaixonada por futebol desde de jovem, Cris Oliveira, 42, encarou um adversário duro logo no início da jornada esportiva: os meios de transporte, do qual dependia para chegar até o bairro da Aclimação, região central de São Paulo.
Lá foi o único lugar que encontrou para treinar futebol nos anos 1990, a 20 km do Capão Redondo, o bairro onde morava, na zona sul da capital.
Aos 13 anos, a atleta risonha e bem humorada foi diagnosticada com uma arritmia cardíaca e teve que parar de praticar a modalidade.
Foram anos doloridos longe dos gramados. Mesmo assim continuou enfrentando o mundo e driblando as adversidades. Cursou faculdade de educação física, aos 29 anos tornou-se mãe e mantinha consigo o sonho de poder voltar a jogar. O que conseguiu aos 38 anos, após fazer uma cirurgia em 2021.
“No primeiro momento havia um medo por causa da idade, mas ao mesmo tempo estava muito encantada com as possibilidades que começaram a se abrir para o futebol feminino, que é totalmente diferente da minha época”, conta a jogadora.
Atleta do time do Jardim Brasília, time do distrito do Campo Limpo, ela relata as dificuldades para seguir nos gramados, que as mulheres enfrentam em qualquer campo da capital.
“O futebol de várzea é muito machista”, aponta. Ela cita que ainda é comum ouvir homens sexualizando os corpos das mulheres nos alambrados. Cobrar um lateral ou um escanteio vira um martírio para as atletas: “É muito revoltante”, conclui.
Outro incômodo que relata a jogadora são os homens que se fingem ser apoiadores do futebol de várzea feminina, companheiros de time, para tirar proveito – se aproximam para assediá-las, com mão nas costas e abraços sem autorização. “Nossos corpos são muito invadidos”, pontua.
No corre
Mãe solo, negra, hoje moradora do Campo Limpo, e colaboradora de uma ONG voltada à inclusão de jovens no esporte, Cris conseguiu voltar aos gramados depois de uma cirurgia cardíaca e a liberação médica.
Como pagamento de promessa, passou a correr meias maratonas e já enfileirou mais de seis provas. Hoje treina para uma maratona que vai acontecer em Buenos Aires, Argentina. “As meninas (companheiras de time) brincam que eu tenho que correr mais em campo, já que vou ser uma maratonista”.
Ela deu entrevista à Agência Mural antes de entrar em campo no 3º “Maior Festival Feminino de Várzea do Mundo”, no Parque Sete Campos, em Pedreira na zona sul. O evento reuniu 1.000 mulheres de diversas regiões da capital.
A atenção que o futebol feminino tem ganho empolgou Cris na volta aos gramados. Mas, segundo a própria, ainda há muito a evoluir. Uma partida no Butantã, na zona oeste, exemplifica bem esse cenário.
Ela conta que durante uma partida, um homem entrou em campo e determinou que elas encerrassem o jogo, pois eles queriam jogar.
A partida transcorria com menos de 15 minutos, e numa ação conjunta, as jogadoras de ambos os times sentaram no gramado e se negaram a sair. Para a atleta, foi um momento emblemático e ela acredita que essa resistência será fundamental para o crescimento da modalidade.
Os horários dos jogos femininos ainda são mais tarde e “mais curtos que os dos homens”, normalmente imposição deles que normalmente administram os campos. “Se o jogo acaba ali pelas 6h, 7h da noite, no outro dia a gente tem que acordar cedo para trabalhar, tem filho para cuidar, tem casa, né?”.
A falta de um maior apoio ao futebol de várzea feminino se reflete nos poucos campeonatos que existem para a modalidade, e a falta de estrutura.
As equipes femininas quase sempre têm homens como técnicos, uma prática que Cris vê como ruim para a modalidade. Ela aponta que a sensibilidade de treinadoras mulheres e o fato de entenderem as questões de jogar e ser mulher ajudam a fortalecer o esporte.
Apesar disso, ela dribla a pergunta sobre se toparia ser uma técnica, deixando em aberto o futuro, embora reconheça que “seria muito importante para as futuras praticantes do esporte”.
A resenha pós jogo tem sido aliada de Cris para conversar com as meninas mais jovens sobre pontos que considera importantes, como criticidade em relação às condições do futebol feminino de várzea, outro ponto é sororidade. “Já existe, as meninas cuidam dos filhos uma das outras enquanto o jogo acontece. Mas a gente precisa de mais”.
Nesse sentido a atacante crê que já encontrou sua ‘missão’ dentro do futebol feminino de várzea “muitas vezes elas reproduzem o machismo, esse lugar de rivalidade mesmo entre as mulheres, né!? Então, a minha luta é trazer uma pauta diferente mesmo de sororidade, doloridade, enquanto mulher negra.”
Cris sabe que fez muito e tem muito a fazer ainda. Sobre o futuro da modalidade ela crava com esperança “as sementes estão germinando”.