Ícone do site Agência Mural

Grande SP: clãs familiares comandam prefeituras e Câmaras

Por: Paulo Talarico e Lucas Veloso

Situada a 57 km do centro de São Paulo, o município de São Lourenço da Serra vive ares de interior até na região da prefeitura. Para chegar nela, é preciso vencer uma estradinha de terra esburacada, mais difícil ainda em dias de chuva. 

Por ali, na eleição de 2020, o ex-prefeito Fernando Seme Amed, o Fernandão (PSDB), foi o mais votado com 42% dos votos, mas não foi eleito. Ele disputou a eleição inelegível, segundo decisão da Justiça Eleitoral, e não pode assumir a gestão. 

Enquanto Fernandão recorria na justiça, uma espécie de plano B já estava em curso. Entre os eleitos para a Câmara dos Vereadores estava o irmão de Fernandão – Felipe Seme Amed (PSDB). 

Em 1º de janeiro, Fernandão não podia assumir e a prefeitura ficaria de forma provisória sob o comando do presidente da Câmara dos Vereadores. E adivinha quem venceu? Por 9 votos a 0, Felipe foi eleito e é o atual prefeito da cidade. “A cidade merece um Seme Amed”, postou um seguidor do novo prefeito.

Cidades da Grande São Paulo têm famílias no comando das prefeituras e das Câmaras de Vereadores @Magno Borges/Agência Mural

Felipe governa a cidade até a decisão final da Justiça Eleitoral. Caso Fernando seja considerado inelegível em terceira instância, uma nova eleição será convocada no município. 

Fernandão estava com a candidatura irregular com base na Lei da Ficha Limpa. Antes de 2020 ele já havia sido prefeito. Em 2013, as contas da prefeitura (o balanço de tudo que foi gasto) foram reprovadas pela Câmara Municipal – o que torna o candidato inelegível. A defesa dele afirma que foram falhas ‘formais’ que por isso poderia concorrer. O processo segue em andamento. 

Apesar disso, a Justiça permitiu que ele seguisse na eleição, enquanto os recursos não fossem julgados (30 políticos fizeram isso ano passado). Fernandão fez campanha e recebeu votos normalmente – eles só não valeram. 

Enquanto a batalha segue na justiça, o novo prefeito e irmão fez questão de deixar claro que só esperaria a hora do familiar tomar posse. 

“Estou assumindo como prefeito interino, mas tenho certeza que é por pouco tempo”, discursou na eleição que o tornou prefeito. “Conto com você Fernando para tomar o seu lugar, foi a cidade inteira que abraçou. Toda vez esse negócio de tomar no tapetão, mas aqui não vai tomar não. Vai ter remédio para nossa população”.

A situação divide opiniões na cidade. “Acredito que o trabalho será o mesmo”, afirma a supervisora técnica Géssica Esteves, 23, eleitora da cidade.

Ela votou tanto em Fernandão quanto em Felipe e afirma que a população sabia da situação. Conta que a insatisfação com a gestão anterior, do ex-prefeito Arizinho, levou a escolha pelo tucano. Arizinho não disputou a reeleição. 

Prefeitura de São Lourenço da Serra, na região sudoeste da cidade @Rubens Rodrigues/Agência Mural

“O que deve ter acontecido é que houve um acordão, bem provavelmente, para garantir, que quem fosse eleito presidente da câmara, já fosse ele. É uma situação bem complexa, tão difícil, mas rotina da política brasileira”, avalia a socióloga Pagu Rodrigues, 35.

De acordo com ela, o Brasil ainda enfrenta desafios para superar relações familiares no ambiente político que geram conflitos de interesse e se tornaram tradição na política brasileira.

São casos de patrimonialismo, quando existe a fusão entre os interesses públicos e os interesses privados. Tradicionalmente, famílias ocupam cargos, empregam familiares e agem em benefício próprio nas cidades do país, sobretudo nas menores.

Segundo a socióloga, uma das saídas é a renovação política no Brasil. “Precisamos de uma representatividade efetiva de negros, indígenas, mulheres, pra garantir que os interesses dessa parcela social esteja representada”, comenta. 

A estratégia dos irmãos não é inédita na Grande São Paulo. Em 2013, o prefeito eleito de Santana de Parnaíba, Marmo Cezar (PSDB) foi considerado inelegível. O filho dele, Elvis, foi eleito presidente da Câmara e assumiu a prefeitura. Na sequência, o próprio Elvis disputou a nova eleição, sendo eleito e reeleito. 

VEJA TAMBÉM
Ex-primeiras-damas viram alternativa para políticos com a ‘ficha suja’ no Alto Tietê
Confira quem foram os eleitos na Grande São Paulo

Fora isso, o exemplo de como famílias comandam tanto o poder executivo quanto o legislativo se espalha por outras cidades. 

Em Ribeirão Pires, no ABC Paulista, o novo prefeito Clóvis Volpi (PL) teve o filho, Guto, escolhido para comandar o legislativo. 

Em Barueri, cidade comandada pelo mesmo grupo político há cerca de 40 anos, a cidade voltou a ter um Furlan tanto prefeito quanto líder do legislativo. 

Rubens Furlan (PSDB) foi eleito para o sexto mandato em 2020. No começo do ano, o irmão dele, Toninho Furlan (PDT), conquistou o comando do legislativo.  Não é a primeira vez, o mesmo aconteceu em 2007-2008 e 2009-2010.

A medida pode servir de ‘retaguarda’ em caso de um afastamento, mas também é fundamental para emplacar as pautas de interesse do prefeito. 

“No Brasil, o que permite a trajetória de grupos políticos com essa ideia são locais com menos transparência, onde a sociedade é menos organizada, com a câmara de vereadores mais fraca, sem ou com poucos órgãos de controle”, afirma Eduardo Grin, doutor em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas. . 

Para ele, as mudanças só serão possíveis com base na cobrança da própria população.

“O  cidadão precisa exigir transparência e os governos locais devem cumprir, a imprensa cumpre o papel de denunciar, cobrir, trazer a público as informações para manter as pessoas sabendo do que acontece, com reportagens que contribuem para essa direção”. 

Para alguns municípios, essa missão é mais complicada, de acordo com o Atlas da Notícia. São Lourenço da Serra, por exemplo, é um dos desertos de notícias da Grande São Paulo – município que não tem imprensa local para fazer essa cobrança. 

Sair da versão mobile