“Trabalho 50 horas por semana, mas há professores com jornadas de até 70 horas, porque os salários não são suficientes para sustentar uma família, pagar o aluguel ou financiar uma casa, pagar o transporte e estudos.”
O relato da professora Mariana Fonte, 33, educadora de uma Emef (Escola Municipal do Ensino Fundamental) no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, é comum a vários docentes da rede pública de ensino e é um dos motivos da greve que chega aos 21 dias nesta segunda-feira (25).
Iniciada em 4 de fevereiro, data oficial da volta às aulas da rede municipal de ensino, a paralisação dos servidores públicos, encabeçada em grande parte por professores, continua. Uma nova assembleia deve ser realizada nesta terça-feira (26).
A categoria pede a revogação da reforma previdenciária municipal, aprovada em dezembro passado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). Ela aumentou a alíquota de contribuição do IPREM (Previdência Municipal de São Paulo), de 11% para 14%.
Para os professores consultados pela Agência Mural, a reforma foi um “confisco salarial”, votado às pressas pelos parlamentares paulistanos, sem respeitar os prazos acordados com a categoria no primeiro semestre de 2018. A reforma foi aprovada em duas sessões, nos dias 21 e 26 de dezembro, “dificultando a mobilização da categoria que estava em férias”, diz Mariana.
“Pode parecer pouco, mas, diante da má remuneração dos professores, todo aumento gera transtornos ao final do mês. É um dinheiro que faz falta e afeta o orçamento para pagamento de despesas básicas de todos os servidores”, declara.
Um professor que entra hoje na rede municipal de ensino, com jornada básica de 30 horas-aula, tem salário de R$ 2.739,46. Na antiga alíquota de 11%, ele contribuiria R$ 301,34; com o aumento para 14%, o valor sobe para R$ 383,52.
“Este aumento reflete e muito na minha rotina. Hoje, por exemplo, tenho que arcar com outro convênio de saúde porque não dá para depender do Hospital do Servidor. Demora meses para marcar uma consulta”, comenta Thais Silva, 33, professora que atua em outra EMEF no Jardim Ângela.
Além da revogação da reforma, a categoria pleiteia a valorização dos serviços públicos por meio do fim das terceirizações, além do chamamento de concursos já realizados; por fim, o reajuste geral de 10% do funcionalismo, assegurando a reposição de perdas inflacionárias ao longo dos últimos anos.
REFLEXOS
Com a greve, as crianças estão sem aula e os pais precisam reorganizar a rotina com os filhos. A esteticista e moradora do Jardim São Luiz, Elizangela Andrade, 39, tem duas filhas no 3º e 6º ano do ensino fundamental na Emef M’Boi Mirim, na zona sul, em greve desde o dia 4.
“A princípio, não apoio os professores porque acredito que a previdência tem que se auto sustentar”, diz Elizangela. “Tenho que me preocupar em não deixar minhas filhas sozinhas em casa enquanto trabalho e manter a rotina de estudo delas em casa durante a greve. Elas sentem falta da escola, saudades dos amigos e professores”, conta.
Uma professora de uma CEI (Centro de Educação Infantil) na região da Guarapiranga, diz que na escola há três professores em greve e os demais optaram por não aderir, apesar de concordarem com a reivindicação.
De acordo com duas entidades sindicais consultadas pela reportagem, desde o início das paralisações o prefeito Bruno Covas vem recusando o diálogo com a categoria, que passou a se mobilizar na capital.
“Um ofício com todas as nossas reivindicações foi enviado ao prefeito no dia 31 de janeiro, antes mesmo do início das paralisações. Ou seja: a pauta já era de conhecimento do executivo”, afirma Margarida Prado Genofre, 69, vice-presidente da Aprofem (Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo). Ela também é coordenadora do fórum de nove entidades sindicais responsáveis por convocar e mobilizar os servidores.
O movimento, segundo conta, cresceu ao longo das últimas semanas. “Após o anúncio de que a Prefeitura autorizou a convocação de trabalhadores temporários para furarem a greve, e de que fariam o apontamento das faltas dos grevistas, o movimento cresceu”, declara.
Segundo o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), cerca de 70% das mais de 1,5 mil escolas da rede direta, entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, estão total ou parcialmente paralisadas.
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As professoras Thais e Mariana contam que as escolas em que lecionam estão com a maior parte do quadro de docentes em greve.
“Os pais sempre foram parceiros. Iniciamos o ano com reunião explicando o que aconteceu, porém muitos já sabiam que seria assim, pois no ano passado, na gestão do ex-prefeito [atual governador, João] Doria, já estávamos na luta para não-aprovação da reforma”, comenta a docente.
Ainda com relação ao apontamento de faltas dos servidores-grevistas, o advogado e pós-graduando em Direito Trabalhista, Leonel Correia Neto, 29, afirma que a greve é um direito previsto na Constituição Federal e que “pode ser exercida por um grupo de profissionais desde que sua função não seja de atividades essenciais”.
“Há entendimentos de que quando a greve passa a constranger direitos e garantias fundamentais de terceiros, eventuais intervenções passam a ter validade – apesar da conduta da Prefeitura me parecer, num primeiro momento, um tanto arbitrária”, conclui.
DESDOBRAMENTOS
Na última terça-feira (19), o presidente da Sinpeem e vereador Cláudio Fonseca (PPS) entregou ao prefeito cópia do mesmo ofício enviado em janeiro passado. Na quinta-feira (21), Covas se reuniu com as entidades sindicais para ouvir as demandas da categoria. O prefeito, então, realizou nova reunião nesta sexta-feira a fim de apresentar contraproposta às reivindicações dos servidores.
Na reunião, a prefeitura apresentou cinco pontos como “a Instituição de uma Política de meritocracia, com remuneração variável de até 2,4 salários adicionais ao ano, pagos proporcionalmente ao atingimento das metas instituídas no Programa de Metas e pactuadas com as secretarias”.
A gestão afirma que as faltas não serão punidas “desde que justificadas”, que fará discussão sobre reestruturação das carreiras, em especial de quem não teve reajuste nos últimos anos. Contudo, o gestor manteve a reforma. “Fica clara, dessa forma, a disposição do prefeito Bruno Covas pelo entendimento, bem como fica registrado o apelo para o imediato retorno ao trabalho, evitando transtornos maiores à população”.
Para Margarida, a mudança de postura é sinal de que “o prefeito cedeu” à pressão tanto da população, que teve a rotina afetada sobremaneira pela greve, quanto da imprensa que passou a noticiar os desdobramentos da paralisação. Covas, no entanto, negou a revogação da reforma pleiteada pela categoria.
De acordo com as entidades sindicais, a greve continua e a próxima assembleia dos servidores municipais será realizada na terça-feira (26).
Cintia Gomes é correspondente do Jardim Ângela
cintia@agenciamural.org.br
Rômulo Cabrera é correspondente de Suzano
romulocabrera@agenciamural.org.br